Segunda Turma do STF declara Moro parcial ao condenar Lula
Brasil
Ministra Carmen Lúcia altera seu voto, e ex-juiz dos processos contra o ex-presidente Lula é considerado parcial por 3 votos a 2 no processo envolvendo o caso do tríplex no Guarujá.
Em uma das maiores derrotas da história da Lava Jato, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal – STF, decidiu na terça-feira, 23, que o ex-juiz federal Sérgio Moro foi parcial ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. O placar sofreu uma reviravolta com a mudança na posição da ministra Cármen Lúcia, que alterou o voto proferido em dezembro de 2018.
“Todos têm direito a um julgamento justo. Nenhum ser humano tem o direito de se sentir perseguido”, disse Cármen Lúcia, ao avaliar que há provas que comprovam ter havido combinação entre os autores processuais – juiz e acusação – que comprovam a quebra de imparcialidade do ex-juiz Sérgio Moro.
Em seu novo voto, Cármen Lúcia criticou a “espetacularização” da condução coercitiva de Lula, determinada por Moro em março de 2016; a quebra do sigilo telefônico de advogados que atuaram na defesa do petista; a divulgação de áudio entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff envolvendo a nomeação do petista para a Casa Civil; e o levantamento do sigilo da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci durante a campanha eleitoral de 2018. Para a ministra, esses episódios “maculam” a atuação do ex-juiz federal da Lava Jato.
Cármen se alinhou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que votaram no início deste mês para acolher o pedido da defesa de Lula e declarar Moro parcial. A ministra, no entanto, abriu uma divergência pontual dos colegas, ao entender que Moro não deve ser condenado a pagar as custas processuais do caso.
Andamento do caso – O julgamento foi retomado após a análise do caso ter sido interrompida no dia 9 de março devido ao pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques, que afirmou então precisar de mais tempo para decidir.
Na sessão anterior, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram a favor de que Moro seja declarado suspeito sob o argumento de que o ex-magistrado não tinha a imparcialidade necessária para julgar o petista. Ambos os votos atenderam à demanda do ex-presidente, que chegou a ficar preso por um ano e sete meses e tenta comprovar que seu julgamento não foi justo.
Outros dois integrantes da Segunda Turma, Edson Fachin e Cármen Lúcia, se manifestaram contra a suspeição de Moro, mas ambos ainda podiam mudar seu entendimento até o final do julgamento.
Na terça-feira, 23, Nunes Marques devolveu o pedido de vista, o que abriu caminho para a retomada do julgamento. O ministro votou contra a parcialidade do ex-juiz e criticou o uso de habeas corpus para analisar a suspeição do ex-juiz.
Ele também rejeitou o uso das mensagens entre os membros da Operação Lava Jato e Moro que foram hackeadas e divulgadas pelo site The Intercept Brasil, em parceria com outros veículos de imprensa.
Nunes classificou que o aproveitamento desse material poderia abrir um precedente perigoso, colocando a sociedade sob um processo semelhante às piores ditaduras. “A forma importa nas democracias tanto quanto o conteúdo”, afirmou.
O ministro Gilmar Mendes rebateu as declarações de Marques e disse que seu voto a favor da suspeição de Moro não levou em conta o conteúdo das mensagens vazadas, mas “está calcado nos elementos dos autos” Ele disse que usou as mensagens para “demonstrar o barbarismo em que incorremos”.
Ele ainda questionou a confiabilidade do ex-juiz e dos membros da força-tarefa da Lava Jato. “Algum dos senhores compraria um carro do Moro, um carro do [procurador Deltan] Dallagnol?” perguntou.
Pouco depois, as atenções se voltaram para a ministra Carmen Lúcia. Ela avaliou que novos elementos reunidos no processo comprovariam que a atuação de Moro não foi imparcial, além de ter favorecido a acusação, o que torna o julgamento irregular. Ela disse que a análise sobre os fatos levantados pela defesa do ex-presidente apontam uma conduta irregular do magistrado, e sublinhou que ninguém deve ser perseguido por um juiz ou tribunal.
A ministra disse haver sinais de que teria havido uma confusão entre o Moro e o órgão acusador, o Ministério Público, o que compromete a imparcialidade no processo do ex-presidente. Dessa forma, Moro foi julgado parcial pela Segunda Turma do STF por 3 votos a 2.
Anulação das condenações de Lula – O habeas corpus analisado pela Segunda Turma foi impetrado pelos advogados do petista e sua análise estava suspensa desde 2018, quando Gilmar havia pedido vista.
A Segunda Turma retomou a análise do recurso de Lula que pede que o ex-magistrado seja declarado suspeito um dia após o ministro Edson Fachin ter decidido, de forma individual, que Moro não era o juiz competente para analisar as denúncias contra o petista.
Fachin anulou as condenações contra o ex-presidente, que recuperou seus direitos políticos, e determinou o encaminhamento de seus processos para a Justiça Federal do Distrito Federal.
A suspeição atesta a parcialidade do juiz para analisar um caso, enquanto a incompetência conclui que o foro para o julgamento não era o adequado. A decisão de Fachin, defensor da Lava Jato, despertou controvérsia no meio político e jurídico porque poderia ter como consequência o não julgamento das ações que pedem a decretação da suspeição de Moro.
Se isso ocorresse, a atuação do ex-juiz e da Lava Jato seria preservada, apesar de vazamento de diálogos de Moro com os procuradores da força-tarefa terem levantado suspeitas de conluio na condução de inquéritos e ações penais contra diversos réus.
Fachin argumentou que sua decisão afastaria a necessidade de julgamento da suspeição de Moro, mas Gilmar discordou e decidiu colocar o processo em pauta na 2ª Turma. Fachin ainda tentou levar a análise do caso para o plenário do Supremo, mas foi derrotado por quatro votos a um.