Foto: Carlos Moura/STF

Redução salarial por acordo individual só terá efeito se validada por sindicatos de trabalhadores

Judiciário

Para o ministro Ricardo Lewandowski, o afastamento dos sindicatos das negociações pode causar sensíveis prejuízos aos trabalhadores e contraria a lógica do Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral.

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal – STF, deferiu em parte medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6363 para estabelecer que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho previstos na Medida Provisória 936/2020 somente serão válidos se os sindicatos de trabalhadores forem notificados em até 10 dias e se manifestarem sobre sua validade.​ Segundo a decisão, que será submetida a referendo do Plenário, a não manifestação do sindicato, na forma e nos prazos estabelecidos na legislação trabalhista, representa anuência com o acordo individual.

A ADI foi ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade contra dispositivos da MP 936/2020, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e introduz medidas trabalhistas complementares para enfrentar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus. Entre elas está a possibilidade de redução salarial e a suspensão de contratos de trabalho mediante acordo individual.

Cláusulas pétreas – No exame preliminar da ação, o ministro salienta que a celebração de acordos individuais com essa finalidade, sem a participação das entidades sindicais, parece afrontar direitos e garantias individuais dos trabalhadores, que são cláusulas pétreas da Constituição Federal. Ele destaca que o constituinte originário estabeleceu o princípio da irredutibilidade salarial em razão de seu caráter alimentar, autorizando sua flexibilização unicamente mediante negociação coletiva.

Segundo Lewandowski, a assimetria do poder de barganha que caracteriza as negociações entre empregador e empregado permite antever que disposições legais ou contratuais que venham a reduzir o equilíbrio entre as partes da relação de trabalho “certamente, resultarão em ofensa ao princípio da dignidade da pessoa e ao postulado da valorização do trabalho humano” (artigos 1º, incisos III e IV, e 170, caput, da Constituição). “Por isso, a norma impugnada, tal como posta, a princípio, não pode subsistir”.

Cautela – O ministro ressalta que, diante das graves proporções assumidas pela pandemia da Covid-19, é necessário agir com cautela, visando resguardar os direitos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, evitar retrocessos. Sua decisão, assim, tem o propósito de promover a segurança jurídica de todos os envolvidos na negociação, “especialmente necessária nesta quadra histórica tão repleta de perplexidades”.

Para Lewandowski, o afastamento dos sindicatos das negociações, com o potencial de causar sensíveis prejuízos aos trabalhadores, contraria a lógica do Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral. Ele explica que é necessário interpretar o texto da MP segundo a Constituição Federal para que seja dado um mínimo de efetividade à comunicação a ser feita ao sindicato na negociação e com sua aprovação.

Anamatra e ANPT – Na decisão, o ministro citou trechos de notas públicas divulgadas pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT e pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra. De acordo com ele, as críticas das entidades não podem deixar de ser levadas em consideração.

Para a Anamatra, as mudanças promovidas pela MP 936 afrontam a Constituição e aprofundam a insegurança jurídica nas relações de emprego. Além disso, elas têm como consequência o rebaixamento do padrão salarial global dos trabalhadores e das trabalhadoras. “A Constituição de 1988 prevê, como garantia inerente à dignidade humana, a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, IV). Por isso, a previsão de acordos individuais viola a autonomia negocial coletiva agredindo, primeiro, o sistema normativo que deve vincular todos os Poderes Constituídos e, segundo, a Convenção nº 98 da OIT, que equivale a norma de patamar superior ao das medidas provisórias”.

No mesmo sentido, a ANPT afirma que prever a redução salarial sem a participação dos sindicatos de trabalhadores, mesmo em tempos de crise acentuada, é medida de natureza inconstitucional. “A MP 936/2020 acentua ainda mais o aludido quadro de violação às normas constitucionais e internacionais que garantem a negociação coletiva como instrumento constitucional e democrático destinado à composição dos interesses de empregados e empregadores, especialmente quanto aos trabalhadores mais vulneráveis, ‘convidados’ a negociar sob ameaça de perda do emprego em momentos de crise”.

Lewandowski também faz referência à Organização Internacional do Trabalho – OIT. De acordo com ele, o combate à pandemia exige “imaginação e flexibilidade”, mas sem que se passe ao largo das recomendações emitidas por organismos internacionais especializados. E, neste caso, “a OIT entende que o diálogo social tripartite, envolvendo governos, entidades patronais e organizações de trabalhadores constitui ferramenta essencial para o desenvolvimento e implementação de soluções sustentáveis, desde o nível comunitário até o global”.

Fonte: Com STF e Jota Info

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