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Foto: Pixabay

Governos gastaram ao menos R$ 18 milhões em remédios sem eficácia comprovada contra a Covid-19

Sociedade

Levantamento do jornal O Globo identificou que oito estados, 18 prefeituras e a União gastaram montante com cloroquina, ivermectina e azitromicina na pandemia.

Desde o início da pandemia, o Estado brasileiro gastou no mínimo R$ 18 milhões adquirindo ou produzindo remédios sem eficácia comprovada contra o coronavírus. Levantamento do jornal O Globo mostra que estados, cidades e a União compraram hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina e azitromicina, sem comprovação científica de que esses remédios auxiliem no combate ao vírus.

Só o Ministério da Saúde distribuiu 5,2 milhões de comprimidos de cloroquina a estados e municípios. A pasta informou um gasto de R$ 207 mil para adquirir três milhões de unidades do remédio produzidos pela Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz.

Já o Exército, que tem laboratório próprio e repassa o produto para a pasta da Saúde fazer a distribuição, desembolsou mais R$ 1,1 milhão para produzir três milhões de cápsulas de cloroquina, quantidade suficiente para 18 anos, considerando o uso do medicamento no Brasil em anos anteriores.

A Força ainda tem em estoque 400 mil comprimidos, segundo dados do último dia 20. A pasta da Saúde tem mais três milhões de comprimidos armazenados: dois milhões de unidades doadas pelos Estados Unidos e um milhão por uma multinacional farmacêutica. A apresentação do remédio estocado na Saúde é de 200 mg – o dobro da unidade usada no país, de 100 mg, o que tem inviabilizado o uso.

Ausência de protocolo padronizado motivou gastos, diz infectologista – O levantamento do Globo mostra que oito estados tiveram despesas próprias com drogas sem eficácia comprovada. Mato Grosso do Sul, Pará, Tocantins e Acre adquiriram hidroxicloroquina. Já Pará, Tocantins, Roraima, Maranhão e Acre compraram azitromicina, droga que chegou a ser indicada como complementar a cloroquina em tratamentos experimentais, também sem evidências científicas. Dezenove estados responderam aos questionamentos da reportagem.

A soma incluiu também os gastos com ivermectina, remédio antiparasitário e vermífugo cujo uso se popularizou nos últimos meses contra a Covid-19, apesar de não haver comprovação de sua eficácia. Tocantins, Distrito Federal, Maranhão, Acre e Amazonas adquiram quantidades expressivas do remédio, com um gasto declarado de mais de R$ 80 mil aos cofres públicos.

Para o infectologista Julival Ribeiro, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia – SBI, o motivo desse tipo de gasto é a ausência de um protocolo padronizado imposto pelo governo federal de combate à doença – o governo orientou, inclusive, para que hospitais usassem a cloroquina, mesmo sem haver estudos embasando essa decisão.

“As evidências científicas não mostram a eficácia de nenhum desses remédios. Infelizmente não houve uma gestão eficiente por parte do governo federal e cada um fez os seus próprios protocolos, cada colega dando opiniões diferentes sobre uso de drogas”, diz Julival.

O Ministério da Saúde não respondeu sobre se considera um desperdício de dinheiro a produção de uma quantidade tão grande de cloroquina, considerando que diversos estudos científicos já indicaram sua ineficácia e apontaram, inclusive, efeitos colaterais potencialmente perigosos no seu uso em infectados pelo Covid-19.

Gastos de prefeituras – Além do governo federal e dos estados, a reportagem encontrou diversos exemplos de prefeituras que compraram medicamentos ineficazes. Manaus/AM gastou R$ 850 mil com azitromicina e R$ 30,1 mil com ivermectina, por exemplo. “Não há protocolo instituído para o tratamento da Covid-19, uma vez que os tratamentos praticados são experimentais e sob responsabilidade da conduta médica com base nos sinais e sintomas”, esclarece a prefeitura.

Outras cidades também compraram ivermectina para combater a Covid-19, como Itajaí/SC – onde houve um gasto estimado de R$ 4,6 milhões –, Betim/MG, Itagi/BA – cidade em que foi distribuído um “kit covid” com hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina –, Tocantinópolis/TO, Rio da Conceição/TO, Paranaguá/PR, Rio Preto/SP, Cuiabá/MS, Boa Vista/RR, Apiacás/MT e Tangará da Serra/MT. Azitromicina também foi a droga de escolha de Recife, que desembolsou R$ 74.345.

Já outros municípios compraram hidroxicloroquina ou cloroquina, como Passo Fundo/RS, Bento Gonçalves/RS, Brusque/SC, Caxias do Sul/RS e Uberlândia/MG. Ao todo, a reportagem identificou 18 prefeituras com gastos em drogas ineficazes.

As prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo declararam que não compraram esse tipo de medicamento para o combate à pandemia, mas ambas utilizaram a cloroquina do governo federal.

Em diversos casos, o Ministério Público Federal – MPF e os Ministérios Públicos estaduais abriram investigações para apurar o uso de dinheiro público em medicamentos ineficazes. O Tribunal de Contas do Estado – TCE do Paraná determinou que Paranaguá parasse de distribuir o vermífugo a seus habitantes, por exemplo.

O levantamento, com base em prefeituras que divulgaram publicamente seus gastos com esses medicamentos, encontrou R$ 11,4 milhões em gastos de prefeituras com drogas ineficazes.

Excesso de cloroquina em estoque – O Ministério da Saúde não respondeu ao Globo sobre os custos com o armazenamento e a conservação dos remédios. “O medicamento deve ser enviado nas próximas semanas aos estados e municípios que solicitarem à pasta e que apresentarem condições de fracionar e distribuir as unidades, conforme orientações da Anvisa”, informou em nota.

A pasta foi alertada para o risco de um excesso de cloroquina em estoque. Em 25 de maio, o Comitê de Operações de Emergência – COE, segundo ata de reunião, fez a advertência: “Devido a atual situação não é aconselhável trazer uma quantidade muito grande, pois caso o protocolo venha a mudar, podemos ficar com um número em estoque parado para prestar contas”.

Cinco dias antes, o Ministério da Saúde, por pressão direta de Bolsonaro, havia atualizado as orientações sobre o uso da cloroquina para recomendar o remédio até mesmo em caso de pacientes com sintomas leves. Entidades médicas e cientistas criticaram a decisão.

No início de julho, mais uma vez o COE demonstrou preocupação com a situação, registrando que o Ministério da Saúde tinha mais de 4 milhões de comprimidos de cloroquina em estoque. Parte disso porque alguns estados recusaram o medicamento, registrou o comitê na reunião.

Na contramão da corrida do governo federal pela droga, diversos países, baseados em pesquisas e com o aval da OMS, passaram a não recomendar o medicamento, que provocou efeitos colaterais graves, como arritmias.

Enquanto priorizava a cloroquina, o governo ignorou e omitiu ainda alerta sobre a falta de medicamentos para sedação usados em UTIs para tratar de pacientes graves da Covid-19, conforme revelou o Globo. Em reunião no dia 29 de maio, o COE apontou que havia 267 insumos com risco de desabastecimento, dos quais muitos tinham origem fora do país. A ata da reunião registra: “IMPRTANTE (sic): Não fazer divulgação dos dados”.

A reunião em que ficou registrada a orientação de não se divulgar os dados de desabastecimento de remédios importantes no tratamento dos doentes ocorreu cinco dias antes do estopim da crise envolvendo a falta de transparência do Ministério da Saúde em relação ao número de casos e óbitos por Covid-19.

Em nota, a Fiocruz afirmou que não comprou cloroquina em 2020. “O Instituto de Tecnologia em Fármacos, unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz, instituição vinculada ao Ministério da Saúde, informa que, até o momento, não houve formalização para aquisição de cloroquina em 2020 pela pasta”.

 

Fonte: O Globo

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