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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em derrota do governo, Câmara dos Deputados aprova o Fundeb permanente

Educação

Ocupado com sua guerra ideológica, o governo se absteve de participar do debate ao longo de um ano e meio. Apenas no sábado passado, o Executivo apresentou uma contraproposta, que foi derrotada com veemência. Sete deputados alinhados ao presidente foram vencidos por 499.

Depois de cinco anos de discussões, a Câmara dos Deputados aprovou na noite da terça-feira, 21, com votação quase unânime, o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. A proposta de emenda constitucional 15/2015 teve o voto de 499 deputados a favor e apenas sete contrários à mudança no principal mecanismo de financiamento da educação básica do Brasil, que estava prestes a expirar. Como é uma emenda constitucional, eram necessários 308 votos entre os 513 deputados. O texto agora vai para o Senado.

A aprovação é considerada uma derrota para o governo Jair Bolsonaro, que queria usar parte dos recursos do Fundo para o programa Renda Brasil, uma iniciativa que deve pagar até R$ 300 para as famílias mais pobres e está sendo desenhado pela equipe econômica como uma substituição do Bolsa Família e de outras medidas assistenciais – aposta do Planalto de criar uma marca junto ao eleitorado. O defensor desse bloqueio no debate era o ministro da Economia, Paulo Guedes, que chegou a defender a criação de um voucher na educação em que escolas particulares receberiam verba da União para fazer o trabalho das escolas públicas.

O novo Fundeb não cria o programa, mas houve comprometimento de mais investimento na fase inicial da educação. O governo foi ainda derrotado em ao menos dois pontos: em colocar limite no uso do fundo para pagamento do salário dos professores e em permitir que o dinheiro fosse usado para pagar aposentadorias e pensões.

O texto elaborado pela relatora Professora Dorinha Seabra (DEM-TO) fixou em 23% a participação da União no financiamento da educação. Esse percentual será atingido após seis anos de gradativo incremento. Após acordo com o governo, o relatório reserva ainda cerca de 5% para o investimento em educação infantil. Caso a proposta seja promulgada, os efeitos financeiros passam a valer a partir de 2021.

O novo texto determina que, em caso de falta de vagas em creches na rede pública, o dinheiro poderá ser destinado a instituições sem fins lucrativos.  Com a complementação de 23%, 24 estados do país receberão aporte da União. De acordo com Dorinha, a proposta torna o Fundeb mais eficiente. Os 10% que a União já complementa atualmente permanecem como estão, dos 13% extras, 2,5% serão destinados a municípios que tenham bons resultados educacionais. Dos 10,5% destinados para o valor aluno ano total, distribuído de acordo com a necessidade dos municípios, cerca de metade (5%) deve ser investido na educação infantil.

A validade do Fundeb é dezembro deste ano. Se não for aprovado pelo Legislativo, a partir de 2021 Estados e Municípios ficarão sem parte dos R$ 165 bilhões do Fundo. Vigente desde 2007, o Fundeb é composto pela arrecadação de impostos municipais, estaduais e federais. Corresponde a 63% dos recursos para o financiamento da educação básica pública brasileira. Seu principal objetivo é reduzir a desigualdade de recursos entre as redes de ensino. Um estudo técnico da Câmara mostra que, sem o fundo, a desigualdade entre as redes seria de 10.000%, contra os atuais 564%.

Governo entra no debate aos 45 do segundo tempo – Ocupado com sua guerra ideológica, o governo de Jair Bolsonaro se absteve de participar do debate. Ausente das discussões ao longo de um ano e meio, na segunda-feira, 20, o governo federal sugeriu adiar a validade do novo Fundeb para 2022, ao invés de 2021, e usar os recursos distribuídos pela União no programa Renda Brasil. Quando notou que a proposta seria rejeitada pelo Legislativo, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, pediu para adiar a votação para que o novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, pudesse participar das discussões – ele foi empossado na semana passada. Ramos não foi ouvido e se viu obrigado a negociar.

Primeiro, o Executivo teve de concordar em validar o Fundo já para 2021. Depois, cedeu a ampliar a sua participação do Fundeb. Atualmente, é de 10%. A relatora Dorinha Seabra sugeriu ampliar para 20%. No fim, o Governo concordou em reajustar para 23%, desde que 5% desse valor seja investido diretamente na educação infantil – que abrange crianças até os seis anos de idade. Hoje, os recursos podem ser investidos conforme os governos estaduais e municipais bem entenderem. A gestão Bolsonaro definiu esses 5% porque tem como meta de campanha investir na primeira infância.

O aumento na transferência de recursos do governo será escalonado, sendo que seu ápice chegará em 2026. Se aprovado da mesma maneira no Senado, o novo Fundeb não terá prazo de expiração. Passará a ser uma política de Estado prevista na Constituição Federal. Ao fim de seis anos, a participação da União chegará a quase R$ 30 bilhões. Pelas contas de técnicos da Câmara, 24 das 27 Unidades da Federação terão mais recursos do que atualmente, sendo que os mais beneficiados serão: Bahia, Maranhão, Ceará, Pará e Pernambuco. Outro ponto destacado pelo projeto é o de definir que o fundo ao menos 70% dele seja usado para o pagamento de todos os profissionais de educação. Atualmente, é definido que 60% dele sejam destinados apenas aos professores.

“Se dependesse do governo Bolsonaro teríamos um colapso que em 2021 não teríamos esse fundo que financia quase 65% das escolas brasileiras”, disse a relatora Dorinha Seabra. Outro sinal de que o governo perderia no plenário: 20 dos 27 governadores brasileiros assinaram uma carta de apoio ao relatório da deputada.

Nos últimos dias, representantes do governo tentaram reforçar o discurso de que esse não era o momento de se aprovar o Fundeb, porque o país enfrenta grave problema econômico e fiscal em decorrência da pandemia de coronavírus. “Se enganam aqueles que pensam que educação não pode contribuir com a superação da crise que estamos vivendo. Serão nossas escolas públicas que acolherão os que terão de abrir mão da rede privada”, ressaltou a deputada Tabata Amaral (PDT-SP).

Nos últimos dias, a condução das negociações pelo governo foi criticada duramente pelos parlamentares. Em tramitação desde 2015 na Câmara, a proposta só mobilizou o Planalto quando o assunto foi incluído na pauta do plenário. E mesmo assim para fazer alterações consideradas “esdrúxulas”, como tentar incluir parte de programa social no Fundeb.

Entre os parlamentares que ocuparam a tribuna para se manifestar, quase todos disseram que a votação da proposta era um marco para a educação brasileira. Um dos que se empenharam nessa votação foi o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ao final da votação do texto-base, Maia fez um incomum gesto e deixou que outro expoente da educação na Casa, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), declarasse o resultado. Em seu discurso, Rigoni exaltou a importância do resultado. “O Fundeb define o futuro do nosso país. Ele define como cada homem, cada mulher, será formado”.

Fonte: Com El País, O Globo, UOL e HuffPost Brasil

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