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Foto: Marcos Corrêa/PR

Vídeo da reunião de Bolsonaro evidencia descaso do governo com pandemia que já matou mais de 22 mil

Política

Presidente só se mostra interessado em encontrar comorbidades em casos de soldados e agentes de segurança que morreram de Covid-19. Brasil se tornou o segundo país do mundo com mais infecções.

O vídeo da reunião do presidente Jair Bolsonaro com seus ministros no dia 22 de abril, cujo conteúdo foi liberado na sexta-feira, 22, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, evidencia a falta de estratégia – e até de interesse – do governo para lidar com a pandemia do novo coronavírus no Brasil, que já provocou 22.746 mortes. De acordo com o Ministério da Saúde, o país já soma 365.213 casos de Covid-19 – 149.911 pessoas já se recuperaram da doença –, número que fez o Brasil superar a Rússia (326.448 casos) em números de infectados e assumir o segundo lugar no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

Naquela que foi a primeira reunião de Nelson Teich à frente do Ministério da Saúde – ele substituiu Luiz Henrique Mandetta e pediu exoneração no dia 15 de maio –, o então ministro não foi perguntado sobre possíveis medidas para conter a pandemia, mas foi cobrado sobre plano de “transição” ou “saída” do isolamento social para retomar a economia, a prioridade de Bolsonaro durante a crise sanitária. “A gente está trazendo um reforço para acelerar esse processo. Porque, na verdade, estamos correndo contra o tempo. Enquanto a gente não conseguir controlar a percepção de que a gente hoje tem condição de cuidar das pessoas, vai ser difícil, né?”, respondeu Teich.

O agora ex-ministro da Saúde argumentou que, antes de flexibilizar as medidas de isolamento, seria preciso fortalecer o sistema hospitalar, que, segundo ele, pode sair “sucateado” da crise do novo coronavírus. “Você tem muita gente falando de Covid, mas os hospitais estão diminuindo muito o atendimento. O que significa que eles vão ter problema financeiro. Se isso prorroga, esses hospitais vão ter cada vez mais dificuldades, você vai poder ter um hospital mais sucateado ou um hospital fechado. O que está acontecendo hoje? Vamos botar em números hoje, que a gente tenha quatro milhões de pessoas hoje com a Covid. O Brasil hoje tem duzentos e doze milhões de pessoas. Tem duzentos e oito milhões que não estão tendo atenção necessária. É câncer, [problema] cardiovascular. Isso tudo está represado, é demanda reprimida. Quando você controlar a Covid, o não Covid vai chegar com tudo, e você pode pegar uma estrutura sucateada. Aí vai ser”… “Vai ser o caos”, completou o ministro-chefe da Casa Civil, Ernesto Braga Netto. Nenhum dos dois apontou, no entanto, soluções ou projetos para aprimorar o sistema de hospitais.

Em outro momento da reunião, Bolsonaro, militar reformado, que já disse que não corre risco de ser infectado pelo novo coronavírus por ter “porte de atleta”, seguiu insistindo na tese, já desmentida pelos números e casos, de que apenas pessoas mais velhas ou com condições agravantes de saúde sofre com a doença. O presidente insistiu na necessidade de “não assustar a população” e pediu que ministérios notificassem comorbidades nos casos de policiais ou soldados mortos por Covid-19.

O presidente disse que ligou para o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal ao saber que um patrulheiro morreu pela doença e reclamou que na “nota” de óbito não constavam possíveis agravantes de saúde do indivíduo. “Então vamos alertar a quem de direito, ao respectivo ministério, pode botar Covid-19, mas bota também tinha fibrose… montão de coisa, eu não entendo desse negócio não. Tinha um montão de coisa lá, pra exatamente não levar o medo à população. Porque a gente olha, morreu um sargento do Exército, por exemplo. A princípio é um cara que está bem de saúde, né? Um policial federal, né? Seja lá o que for, e isso daí não pode acontecer. Então a gente pede esse cuidado com os colegas, tá? A quem de direito, ao respectivo ministério, que tem alguém encarregado disso, né? Pra tomar esse devido cuidado pra não levar mais medo ainda pra população”, disse o presidente.

Segundo informações do jornal Estadão, o diretor da PRF, Adriano Furtado, responsável pela nota de pesar à agente com Covid, foi desligado da chefia da corporação na última sexta, 22.

“Passar a boiada” – Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, investigado por fraude ambiental, defendeu que o governo do presidente Jair Bolsonaro aproveitasse o foco da imprensa na cobertura da pandemia do novo coronavírus para aprovar reformas “infralegais” de todos os tipos. “A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação (…) Então, para isso, precisa ter um esforço nosso aqui (…) e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De Iphan, de Ministério da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação regulamento … É de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos”, disse.

Fake news e ameaças a governadores – Ainda no contexto da pandemia, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, se mostrou mais uma vez alinhada com o presidente. Fez críticas a governadores e prefeitos que defendem o isolamento social, ameaçando-os, inclusive, com prisão. “A pandemia vai passar, mas governadores e prefeitos responderão a processos e nós vamos pedir inclusive a prisão de governadores e prefeitos”, afirmou na reunião ministerial. “E nós estamos subindo o tom e discursos estão chegando. Nosso ministério vai começara pegar pesado com governadores e prefeitos”, afirmou.

Damares também informou que mais de 5.000 ações e procedimentos estariam sendo elaborados por seu Ministério contra os governantes, mas não mencionou com quais motivos jurídicos e nem mesmo contra quem exatamente seriam essas ações.

A ministra então usou uma notícia distorcida para afirmar que o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), “determinou que a polícia poderá entrar nas casas. Vocês não… imagina o que ele vai fazer! Poderá entrar na ca…”, disse, ao ser interrompida pelo presidente Bolsonaro, que pergunta: “Ele assina? Ele assina?”. Damares então responde: “Assinou! A polícia poderá entrar na casa sem mandado. Então, assim, as maiores violações estão acontecendo nesses dias”.

Na realidade, o governo do Piauí decretou, no dia 16 de abril, calamidade pública no Estado. No decreto, fica autorizada, dentre outras coisas, que “agentes da defesa civil, diretamente responsáveis pelas ações de resposta ao desastre, e, em caso de risco iminente” a “penetrar nas casas para prestar socorro ou para determinar a pronta evacuação”.

Já o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio apresenta ao presidente um projeto “muito bem elaborado” para fazer com que hotéis abriguem profissionais de saúde. E coloca como “um projeto que pode, sobretudo, trazer pro Governo Federal uma boa visibilidade com essa preocupação de quem está na linha de frente do combate, que são os profissionais de saúde”. A iniciativa já havia sido tomada por diversos municípios pelo Brasil. Em sua fala, o ministro do Turismo aproveita para criticar a ausência de interesse do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, por sua ideia. “A gestão do… anterior do ministério, por duas vezes eu mandei mensagem, não se manifestou, não se interessou”.

Fonte: El País

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