Trinta anos da Constituição Federal. Trinta anos de ataques aos direitos conquistados
30 anos Constituição Federal
Para celebrar os 30 anos da Constituição Federal, a CNTS elaborou uma série de reportagens especiais sobre os diversos aspectos da nossa Carta Magna. Até outubro, mês em que se comemora a promulgação da Constituição, serão sete textos publicados no dia cinco de cada mês, abordando o contexto, história, direitos sociais, saúde pública e outros temas correlatos à lei fundamental brasileira.
As publicações calham em um momento em que o atual governo coloca em xeque os princípios sociais basilares como trabalho, Seguridade Social e Saúde, itens que deram à nossa Carta o título de Constituição Cidadã.
Movimento sindical em ação – Após 20 anos de regime de exceção no país, o movimento sindical, até então perseguido pelas forças militares e muitas vezes agindo na clandestinidade, iniciou uma nova fase, ganhando força no início dos anos 1980. Foram períodos de recessão, inflação alta, desemprego e forte pressão ainda sob o regime militar, que nesta fase já estava enfraquecido.
As entidades sindicais ampliaram a pauta com a luta pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita, no processo de redemocratização do país, por eleições diretas e por uma nova Constituição Federal. Lograram parte da bandeira com a eleição do presidente Tancredo Neves, que ocorreu em Colégio Eleitoral, porém, marcou o fim do ciclo militar, que durou de 1964 a 1985.
O período de 1986 a 1988 foi de forte atuação com vistas à eleição de deputados e senadores que teriam a função principal de escreverem a nova Carta para o país. A Assembleia Nacional Constituinte foi instituída em 1º de fevereiro de 1987 e a maioria dos membros era formada por parlamentares de centro e direita no espectro político e representavam segmentos conservadores da sociedade. Porém, por pressão dos movimentos sindical, social e cultural, a Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, ficou marcada por princípios sociais e humanos.
A Constituição Cidadã ampliou direitos da sociedade em geral, e dos trabalhadores em especial e, por isso, passou a ser contestada desde o início de sua vigência por segmentos político e econômico. Desde então, são 30 anos de batalhas pela manutenção das conquistas e, numa luta injusta e desigual, muitos direitos foram reduzidos ou extintos pelos sucessivos governos, com a participação dos poderes Legislativo e Judiciário.
Governo Sarney
Com a morte de Tancredo Neves, sem nem mesmo ter assumido o cargo, teve início o governo do presidente José Sarney, cujo programa de estabilização, lançado pelo Decreto-Lei 2.283, retirava direitos e confiscava salários. O movimento sindical foi protagonista de mudanças importantes, fez grandes greves contra o arrocho salarial, pelo fim da censura e por uma Constituinte.
E a convivência entre governo, trabalhadores e empregadores, embora de enfrentamento, abriu espaço para a negociação. Antes mesmo da promulgação da Carta de 1988, o governo adotou a postura de não intervenção nos sindicatos, de diálogo com as centrais sindicais, criação de órgãos colegiados com participação de trabalhadores, entre outras medidas.
No período de 1986 a 1988, durante os debates na Assembleia Nacional Constituinte, as confederações de trabalhadores, centrais sindicais e entidades de servidores públicos, coordenadas pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – Diap, coletaram mais de um milhão de assinaturas e construíram um projeto de consenso, que foi aprovado quase na íntegra pela Subcomissão de Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos.
Todos os direitos do artigo 7º da Constituição faziam parte da referida Emenda Popular. Foram incluídos a estabilidade, jornada de 40 horas, férias com pagamento do salário em dobro, 13° salário integral, proibição da locação de mão de obra, participação no lucro ou faturamento das empresas, proteção ao salário mínimo, direito de greve, autonomia da organização sindical, FGTS e piso salarial.
A nova política estava vinculada ao desenvolvimento, à redução do índice inflacionário e geração de emprego de acordo com os dispositivos de proteção social e trabalhista incorporados pela Constituição de 1988. Para se contrapor aos avanços iminentes da nova Carta, as forças conservadoras na Câmara e no Senado criaram o ‘Centrão’, que reuniu parlamentares liderados por empresários e latifundiários. O grupo não apenas votou contra as propostas, em que saíram perdedores, como deram continuidade à atuação, dificultando a regulamentação ou mesmo buscando a eliminação dos direitos conquistados.
“O fim do socialismo real e da Guerra Fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlim, em 1989, inaugurou uma nova era nas relações internacionais, com efeito avassalador sobre os direitos trabalhistas e a organização dos trabalhadores. Essa nova ordem mundial teve seus princípios definidos no Consenso de Washington, cujo receituário, em bases neoliberais, recomenda a volta do Estado mínimo… Interessava o ajuste das contas públicas para gerar superávits primários para abater o principal e honrar os serviços da dívida”, lembra o jornalista e analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Diap.
“As organizações sindicais tiveram de se preparar para novos tempos nas relações políticas, foram desafiadas a incorporar novos termos e enfrentar novas lutas, em um mundo globalizado, em que homens foram substituídos por robôs nos postos de trabalho, com a formação de blocos econômicos regionais, a privatização, a economia informal, a terceirização da mão de obra, com a flexibilização das relações trabalhistas, enfim, com a ofensiva neoliberal”, acrescenta.
E completa: “A Constituição de 1988, uma das mais avançadas do mundo do ponto de vista social, assustou os governos dos Estados Unidos e da Inglaterra e também o sistema financeiro internacional, ao elevar a status constitucional uma série de direitos e garantias que o receituário neoliberal tinha como meta eliminar. Enquanto os países ricos avançavam na liberalização dos mercados, na livre concorrência, na desregulamentação da economia e das relações de trabalho, na privatização da saúde e da previdência, a Constituição brasileira assegurava direitos aos trabalhadores e servidores, adotava o conceito de seguridade social, dava monopólio a empresas estatais para exploração da atividade econômica, entre outras medidas opostas à agenda neoliberal”.
Governo Collor de Mello
Os anos iniciais da década foram marcados pelas dificuldades da falência do Plano Cruzado do Governo Sarney e pela ascensão e queda do Governo Collor. Foi o presidente Fernando Collor de Mello que introduziu a agenda neoliberal no país. Em abril de 1990, os debates se concentraram na avaliação das medidas econômicas adotadas pelas medidas provisórias 154, que provocava arrocho salarial e redução do salário mínimo; e 155, que autorizou a privatização de quase todas as empresas públicas e sociedades de economia mista existentes no país.
Dez meses depois, o Congresso Nacional aprovou nova política salarial. Em resposta, a Comissão do Trabalho retomou a antiga política salarial e o projeto foi aprovado na Câmara e no Senado à revelia do governo, sendo, porém, vetado pelo presidente. Os deputados derrubaram o veto, mas no Senado faltaram quatro votos. O movimento sindical se uniu em defesa dos interesses econômicos, previdenciários e sociais dos trabalhadores, integrou-se na campanha do impeachment de Collor e pela moralização da política.
“Collor propôs o “Emendão” para as reformas econômica, administrativa e previdenciária, sem respeito a direito adquirido ou expectativa de direito. A proposta foi dividida em outras cinco e nenhuma prosperou. A Mensagem 189/1991 se transformou no Projeto de Lei 821/1991, que sob o pretexto de regulamentar o artigo 8º da Carta e dispor sobre negociação coletiva, pretendia o desmonte da organização sindical, flexibilização de direitos, substituir o legislado pelo negociado e o esvaziamento financeiro das entidades sindicais. O projeto foi desmembrado pela Câmara nos PLs 1.231 e 1.232, de 1991, ambos arquivados”.
Os Planos Collor 1 e 2, com arrocho salarial e confisco da poupança, além das denúncias de corrupção, levaram à mobilização nacional pela destituição do presidente, que renunciou, mas mesmo assim foi cassado pelos senadores.
Governo Itamar Franco
Na gestão do presidente Itamar Franco, que era vice de Collor, houve avanços e retrocessos. Como positivo tivemos a criação das bases para o enfrentamento da inflação, com a desindexação da economia, a partir da instituição da Unidade Real de Valor – URV e a anistia aos demitidos no Governo Collor. De negativo, vieram as privatizações e a instituição da Ação Declaratória de Constitucionalidade, com efeito vinculante.
Em relação ao movimento sindical, a ofensiva se deslocou do governo federal para o Congresso Nacional, que tentou aproveitar a revisão constitucional para alterar a estrutura sindical, em 1994. A maioria dos trabalhadores foi contrária pelo clima de incertezas e desconfianças que reinava. As 17.300 emendas apresentadas atingiam 240 dos 245 artigos da Constituição. Grande parte alterava os artigos 5° e 7°, que tratam dos direitos individuais e sociais. Foram sete meses de tentativas e a revisão fracassou.
Os planos econômicos, a pretexto de derrubar a inflação, continuavam arrochando os salários. Em Brasília, as entidades sindicais realizaram a 1ª Conferência Nacional do Trabalho e o dia 23 de março de 1994 ficou marcado como Dia Nacional de Lutas, Greves e Mobilizações contra as Perdas Salariais do Plano FHC, então Ministro da Fazenda de Itamar Franco. Embalado pelo Plano Real, Fernando Henrique Cardoso se elegeu em 1994 para o primeiro mandato de Presidente da República.
Governos Fernando Henrique Cardoso
“Ao longo da década de 1990, acentuaram-se no Brasil e no mundo tendências de alteração das relações de trabalho, em função de transformações estruturais do capitalismo internacional que produziram, por sua vez, iniciativas de redefinição da interferência do Estado nas relações entre patrões e empregados. No Brasil, esse movimento de modificação da legislação trabalhista assumiu maior concretude nas propostas de ‘flexibilização das leis de trabalho’ formuladas pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso”, analisa Queiroz.
Desde o início de seu primeiro governo, lembra o analista, Fernando Henrique elegeu os servidores como objeto dos ajustes necessários à implantação de uma política neoliberal, ampliando a ofensiva após o acordo com o Fundo Monetário Internacional – FMI. Para isso, recorreu a dois tipos de medidas: as infraconstitucionais e as constitucionais, a serem implementadas em três etapas: supressão dos direitos e vantagens assegurados aos servidores na Lei 8.112/1990, do Regime Jurídico Único; aprovação da Emenda Constitucional 19/98, da reforma administrativa; e na regulamentação da referida Emenda. Todas tratando do desmonte do serviço público e dos direitos dos servidores.
Somente na primeira fase, as principais mudanças foram: congelamento de salários; suspensão da readmissão de anistiados; cerceamento ao exercício do mandato sindical; limitação de despesas com pessoal; proibição de conversão de um terço das férias; eliminação de ganho na passagem para a inatividade; ampliação de 10% para 25% do desconto em folha em face de débito com a União; tíquete em dinheiro sem reajuste; fim de horas extras; transformação do anuênio em quinquênio; transformação dos quintos em décimos e sua posterior extinção; ampliação de 5 para 14 anos do prazo para incorporar gratificação; fim da licença prêmio; extinção do turno de seis horas; e restrição do direito a tíquete alimentação apenas para quem cumpre jornada de 40 horas.
A segunda fase, iniciada tão logo foram suprimidos todos os direitos possíveis no plano infraconstitucional, foi concluída com a aprovação das reformas administrativa e previdenciária – EC 19 e EC 20. Ao todo, foram retirados mais de 50 direitos sociais e trabalhistas dos servidores públicos.
“Para garantir o êxito do Plano Real e sob o pretexto de desindexar a economia e combater a inflação, o governo editou a MP 1.053/1995, de arrocho salarial, ao mesmo tempo em que protegia o capital e o Estado contra a inflação. A MP ficou conhecida como a “Lei do Cão”. A renda do trabalhador estava reduzida a 30% do PIB – em 1962 correspondia a 64% – e o salário mínimo a 22% do poder aquisitivo de quando foi criado, em 1940. O Banco Mundial concedia ao Brasil o título de campeão mundial na categoria de pior distribuição de renda. O Projeto de Lei 1.724/1996, estabelecendo o contrato temporário foi mais um passo do Governo FHC para restringir direitos trabalhistas. O Congresso aprovou o projeto”.
As relações do trabalho e a organização sindical voltaram à agenda de reformas em 1997. O governo propôs uma reforma com pressupostos do modelo neoliberal de flexibilização dos direitos trabalhistas e pulverização do movimento sindical. Diante da ameaça de desmonte da estrutura e de outros ataques aos direitos da classe trabalhadora, as confederações e algumas centrais sindicais se uniram na criação da Coordenação Confederativa de Trabalhadores – CCT. O momento exigiu muito dos movimentos sindicais e sociais, numa ação articulada com parlamentares da oposição, para amenizar os prejuízos das reformas.
“No rolo compressor, o governo aprovou no Congresso dezenas de modificações nas leis de custeio e benefícios da Previdência Social e conseguiu instituir o Fator Previdenciário. Mas foi derrotado no Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucional a contribuição de aposentados e pensionistas. No início de 1998, a crise nas bolsas asiáticas revelou a fragilidade da economia, refém do capital especulativo. O governo retomou a prática dos pacotes econômicos, provocando mais desemprego, queda dos rendimentos, maior concentração de renda e redução na oferta de serviços públicos”.
O Governo FHC eliminou a política salarial, promoveu demissão incentivada e limitou a atuação sindical das entidades. Os vultosos recursos do BNDES, em grande parte oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT eram utilizados para promover o desemprego, a informalidade da economia, a venda do patrimônio público e a remessa de bilhões de dólares ao exterior. Mesmo com todas as mazelas, Fernando Henrique foi reeleito em primeiro turno, em 1998, e logo após as eleições lançou novo pacote de ajuste fiscal, que mais uma vez recaiu sobre os assalariados.
A equipe denominada “força-tarefa”, do Ministério do Trabalho, preparou a proposta de reforma sindical enviada ao Congresso logo após a reeleição. A PEC 623/98 acabava com a unicidade e a contribuição; instituía o pluralismo e o sindicato por empresa; eliminava a substituição processual e restringia o acesso à Justiça do Trabalho; e extinguia o Poder Normativo da Justiça do Trabalho. Os deputados aprovaram o projeto de lei que instituiu as comissões de conciliação prévia, sob o pretexto de desafogar a Justiça do Trabalho e estimular a negociação entre patrões e empregados, e o fim da representação classista nos juizados.
Numa unidade histórica, foi formada a Frente Parlamentar e de Entidades Sindicais em Defesa da Organização Sindical e do Emprego para exigir a retirada da PEC 623 e a proposta foi arquivada na Câmara.
Governos Luiz Inácio Lula da Silva
Antes das eleições, em 2002, o candidato Lula assinou Carta aos Brasileiros, prometendo manutenção dos contratos, controle inflacionário, produção de superávits para controle da dívida, retomada do crescimento e do desenvolvimento econômico, com geração de emprego e distribuição de renda. Avisou, porém, que as reformas fiscal, da Previdência, do Poder Judiciário, política, trabalhista e sindical seriam necessárias para garantir compromissos econômicos e sociais.
“2003 foi um duro ano. Não houve aumento real para o salário mínimo; os juros e as metas para o superávit cresceram; a entrada de capitais foi ainda mais liberalizada; e veio uma reforma previdenciária muito dura para os servidores públicos, que feria até direitos adquiridos. Já a reforma tributária foi fatiada, com aprovação apenas dos pontos essenciais para o governo, com a prorrogação da CPMF e da Desvinculação de Recursos da União – DRU; e a reforma do Judiciário, que trouxe avanços rumo à celeridade, modernização e transparência, mas também incorreu em retrocessos, como a imposição do comum acordo para que os trabalhadores recorressem à Justiça”.
O presidente Lula assumiu o compromisso com os trabalhadores de que nenhuma mudança seria feita nas relações trabalhistas e sindicais sem amplo diálogo com as lideranças. E adotou medidas positivas como o pedido de retirada de projetos enviados ao Congresso Nacional pelo Governo FHC, como o que flexibilizava a CLT e o que ampliava a prestação de serviços terceirizados.
Na busca do diálogo, Lula criou o Fórum Nacional do Trabalho – FNT para elaborar as propostas de reformas sindical e trabalhista, mas deixou fora do debate as confederações, legítimas representantes dos trabalhadores. O texto aprovado no FNT dividiu o movimento sindical, que em resposta criou o Fórum Sindical dos Trabalhadores – FST. O texto do FNT também provocou divergências entre os parlamentares, inclusive da base aliada, e não agradou à classe patronal.
A proposta do FNT se transformou na PEC 369/2005, que invertia a pirâmide sindical, com todo poder às centrais; criava a organização sindical por ramo de atividade; as entidades representariam apenas os associados; propôs o fim da contribuição compulsória; a criação de critério de representatividade para efeito de funcionamento de entidade sindical; e da organização sindical no local de trabalho.
Em 25 de agosto de 2004, o FST apresentou sua contraproposta, pela manutenção do sistema confederativo, com unicidade sindical e custeio compulsório. O anteprojeto se transformou no PL 4.554/2004, com apoio de mais de 200 parlamentares. A proposta trazia a força do pensamento das confederações, entre elas a CNTS, e de algumas centrais, representando dezenas de federações e centenas de sindicatos, e da internacional USI. Nem a PEC 369 nem o PL 4.554 obteve apoio suficiente para a votação.
Ainda na busca de respaldo para a reforma sindical, o Ministério do Trabalho editou a Portaria 160, de 2004, que limitava a cobrança das contribuições confederativa e assistencial apenas aos trabalhadores sindicalizados. Ameaçadas com a asfixia financeira, as entidades sindicais reagiram e veio a Portaria 180, adiando os efeitos da 160. Ainda por pressão das entidades, o Senado aprovou o Projeto de Decreto Legislativo 1.225/2004, do senador Paulo Paim, derrubando a Portaria 160. O FST impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as portarias, que foram derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal, em mais uma vitória das confederações.
A partir de 2004, as centrais sindicais se uniram em grandes marchas para levar suas reivindicações ao governo. Levantamento do Diap realizado ao longo dos oito anos de mandato de Lula aponta que pelo menos 27 medidas favoráveis aos trabalhadores coincidiram com o plano de lutas ou foram resultado da ação ou pressão do movimento sindical, entre elas, aumento real do salário mínimo; jornada de 40 horas semanais; correção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física; ampliação da licença maternidade; legalização das centrais; mais recursos para educação e saúde; melhoria dos sistemas de transporte e segurança pública; piso salarial dos professores; e aumento real dos benefícios previdenciários; promulgação da Convenção 151 da OIT, que trata da negociação coletiva no serviço público; reenvio ao Congresso da Convenção 158 da OIT, que trata da proibição da despedida imotivada; intensificação da fiscalização para combate ao trabalho degradante; regulamentação do combate ao assédio moral.
Em 2006, Lula se reelegeu. Em mais uma batalha, as confederações reunidas no Fórum Sindical dos Trabalhadores ajuizaram ADI no Supremo Tribunal Federal pela suspensão da Portaria 186/2008, do Ministério do Trabalho, por ferir o princípio da unicidade e estimular a pulverização e a anarquia entre as entidades de trabalhadores e patronais. Paralelamente, tramitava na Câmara o PL 857/2008, para tornar sem efeito a Portaria.
“Ao radicalizar na aplicação dos principais elementos da política econômica, inclusive com a proposta de reforma da Previdência, o governo foi na contramão das demandas sociais reprimidas e das expectativas de resultado imediato. Contradição que criou um ambiente de muita tensão na sua relação com os movimentos sociais e sindicais de modo geral, bem como com as forças populares à esquerda do espectro político”, aponta Queiroz. O período de crescimento econômico, que se iniciou em 2005 e teve seu apogeu em 2010, mesmo interrompido pela crise de 2008-2009, esteve acompanhado de medidas que resultaram em melhoria das condições de vida da sociedade.
“O governo Lula inaugurou novos paradigmas nas relações trabalhistas e sindicais: substituiu um padrão autoritário por um sistema de diálogo, iniciando importante processo de mudança cultural e uma fase de desenvolvimento econômico e social, voltado ao mercado interno, com diminuição do desemprego, expansão do emprego formal, aumentos permanentes e reiterados do salário mínimo e da renda das famílias. No entanto, problemas de diversas ordens levaram à construção de um projeto conceitualmente falho e mal encaminhado e colocaram a perder uma grande oportunidade de promover reformas importantes, tanto na estrutura sindical, quanto nas relações de trabalho”.
Governos Dilma Rousseff
Reajuste do salário mínimo, fim do fator previdenciário, redução da jornada de trabalho, regulamentar a terceirização e política econômica foram alguns dos temas da pauta do movimento sindical apresentada à presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher a exercer as funções de chefe de Governo, chefe de Estado e líder da Nação, eleita em 31 de outubro de 2010.
O pacto social que o presidente Lula implantou teve continuidade no Governo Dilma. No primeiro ano, a relação foi um pouco tensa, ainda que os resultados tenham sido positivos. As centrais sindicais e confederações lançaram em Brasília, dia 6 de julho de 2011, a Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Agenda Unitária da Classe Trabalhadora. Foi grande a mobilização em todo o país para garantir, no Congresso Nacional, o avanço dos direitos trabalhistas e impedir o retrocesso nas conquistas alcançadas.
O Diap aponta, pelo menos, sete leis sancionadas pela presidente, até 2011, favoráveis aos trabalhadores: instituiu a política de aumento real para o salário mínimo até 2014; correção anual da tabela do Imposto de Renda; certidão negativa de débito trabalhista; ampliação do aviso prévio de 30 para até 90 dias; teletrabalho; formação do trabalhador por meio do Pronatec; e a que reduziu para 5% a contribuição do microempreendedor individual. Dilma também assinou, em 2013, decreto que internalizou a Convenção 151 da OIT.
No caso específico dos servidores, com exceção da promulgação da PEC que restabelece a integralidade e paridade para o servidor aposentado por invalidez, o balanço é negativo, basicamente por três razões: não houve reajuste salarial; o governo retirou a autonomia do órgão encarregado das negociações no serviço público, numa sinalização de uma política de reajuste diferente da praticada no governo Lula; e aprovou no Congresso, com a consequente transformação em lei, a previdência complementar dos servidores.
Reeleita no final de 2014, numa disputa acirrada e agravada pela investigação e prisão de políticos membros do governo, sem diálogo com o movimento sindical, Dilma Rousseff se viu acuada e sem apoio parlamentar para aprovar suas propostas no Congresso Nacional. Foi um período de crise política sem precedentes, que alimentou a crise econômica e a ética, paralisando as votações no Legislativo e impedindo a adoção de novas medidas pelo governo.
Governo Michel Temer
Em clima de insegurança, com o impeachment de Dilma Rousseff e posse do presidente Michel Temer, em agosto de 2016, várias ameaças aos trabalhadores e sua organização sindical voltaram à pauta do Poder Legislativo, cujas lideranças máximas também são alvo de investigação. Veio a expansão do desemprego no país, arrocho salarial, eliminação de direitos e enfraquecimento da representação dos trabalhadores.
“A agenda legislativa para o segundo semestre de 2016, idealizada pelo governo Temer e pelos presidentes da Câmara e do Senado, retomará a pauta do Consenso de Washington, em bases fiscalistas e neoliberais… que atendam os interesses do mercado, especialmente o financeiro, em detrimento do interesse nacional e dos mais pobres”, alertavam o Diap e especialistas nas áreas política e econômica. E nunca o Judiciário teve uma ação tão direta contra as entidades sindicais como nos dias atuais.
Em cerca de um ano e meio o Governo Temer, com respaldo de deputados e senadores, promoveu o mais prejudicial ataque aos direitos trabalhistas e sociais. A começar pela aprovação da Lei 13.429/2017, que escancara a terceirização, o que ofende fundamentos previstos na Constituição Federal, entre eles o princípio da dignidade da pessoa humana; a consagração dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; a busca pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a prevalência dos direitos humanos, não apenas em relação às condições de trabalho, por conta da excessiva jornada, salários menores e redução de benefícios sociais.
Outro duro golpe veio com a Lei 13.467/2017, da reforma trabalhista que, entre outros ataques, dispõe que as convenções e acordos coletivos poderão prevalecer sobre a legislação. Assim, os sindicatos e as empresas podem negociar condições de trabalho diferentes das previstas em lei, mas não necessariamente num patamar melhor para os trabalhadores. Os sindicatos e as empresas poderão dispor sobre os prazos de validade dos acordos e convenções e também sobre a manutenção ou não dos direitos previstos quando expirados os períodos de vigência.
Os trabalhadores poderão escolher três funcionários que os representarão em empresas com no mínimo 200 funcionários na negociação com os patrões. Os representantes não precisam ser sindicalizados. Os sindicatos continuarão atuando apenas nos acordos e nas convenções coletivas e o contrato de trabalho poderá ser extinto de comum acordo, sem assistência do sindicato. O trabalhador será obrigado a comparecer às audiências na Justiça do Trabalho e, caso perca a ação, arcar com as custas do processo.
A Lei permite, ainda, o trabalho intermitente, o trabalho remoto e o trabalho parcial, formas em que o trabalhador poderá ser pago por período trabalhado, recebendo pelas horas ou diária, o que implica receber abaixo do salário mínimo. O tempo de ida ao trabalho e retorno não será computado na jornada; o banco de horas pode ser pactuado por acordo individual; e é permitido o trabalho de mulheres grávidas e/ou lactantes em ambientes considerados insalubres. Além da extinção de direitos, a Lei 13.467/2017 tratou também de enfraquecer a representação dos trabalhadores ao retirar o caráter obrigatório da contribuição sindical.
Retirada da pauta de prioridades pelo governo, a PEC 287/2017, de reforma da Previdência Social, em tramitação na Câmara dos Deputados, é outra arma apontada para a cabeça dos assalariados. A proposta original prevê idade mínima de 65 anos para homens e mulheres e tempo de contribuição de 25 para que trabalhadores da iniciativa privada tenham aposentadoria parcial; altera benefícios e pensões; entre outras ameaças.
Conclusão
Desde a redemocratização no país, o movimento sindical marcou presença nos espaços institucionais, seja como parte de governos, como integrantes de conselhos e órgãos colegiados do Poder Executivo, ou o mais comum, como grupo de pressão por direitos trabalhistas e sociais. Foram anos de luta que resultaram em conquistas para melhorar as relações e as condições laborais, buscando equilibrar a disputa injusta entre capital e trabalho.
Porém, tais conquistas sempre estiveram na pauta dos sucessivos governos, ora mais, ora menos prejudiciais aos trabalhadores e à sociedade como um todo. Há 30 anos o movimento sindical atua pela manutenção dos direitos inscritos na Constituição de 1988, muitos dos quais já extintos, outros não regulamentados e algumas raras conquistas.
Nas últimas eleições, a representação dos trabalhadores no Congresso Nacional veio reduzindo, principalmente em relação ao tamanho da bancada empresarial. A atual composição do Poder Legislativo foi a mais conservadora dos últimos tempos, propiciando as investidas em bases neoliberais no Congresso, onde a correlação de forças é desfavorável aos trabalhadores.
Com a proximidade do período eleitoral e tendo como pano de fundo o atual cenário parlamentar, voltado aos interesses do capital, a CNTS alerta que o envolvimento dos trabalhadores no processo eleitoral é essencial para combater retrocessos. Por isso, orienta sua base sindical para a necessidade de participar direta ou indiretamente dos processos político-eleitorais. É fundamental que haja articulação em níveis estadual e nacional, no sentido de unir esforços para ampliar a representação dos trabalhadores no Congresso, sob pena de ampliação dos retrocessos, com a eleição de um Congresso mais conservador que o atual.
Fonte: Passado, presente e futuro do movimento sindical, de Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Diap.