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Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

30 anos do SUS, um patrimônio do Brasil

Saúde

Mais de 150 milhões de brasileiros dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde, que completou 30 anos no último sábado. O Sistema que oferece gratuitamente o maior programa de vacinações e de transplantes de órgãos do mundo, resiste a desafios estruturais, desmonte do governo e pandemia.

A Constituição Brasileira de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, incorporou em seu capítulo “da Seguridade Social” a saúde como um direito de todos e dever do Estado. Na nova Constituição, a saúde é considerada um direito fundamental do ser humano. Nesse sentido, o Estado deve prover as condições indispensáveis ao pleno exercício da saúde para a população. Para viabilizar esse direito, em 19 de setembro de 1990, foi aprovada no Congresso Nacional a Lei 8080/1990 que criou o Sistema Único de Saúde – SUS no Brasil. Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por entidades públicas ou privadas.

O Movimento da Reforma Sanitária foi fundamental para a inclusão dos temas de saúde na nova constituição e para a promoção de avanços nos cuidados em saúde para além da estrutura hospitalocêntrica existente até então. Portanto, o SUS, em grande medida, é fruto da mobilização desse movimento para a submissão de uma emenda popular nesse sentido. No final da década de 1970 o Movimento da Reforma Sanitária começa a ganhar força e, em 1986, com apoio dos movimentos sociais e sindicatos, foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde. É nesta conferência que se consolida a estrutura de um sistema de saúde para além do cuidado hospitalar precário e restrito a poucos que existia até então no Brasil.

Começa a se concretizar um sistema de saúde baseado nos preceitos da regionalização, resolutividade, com cuidado em saúde descentralizado e participação dos cidadãos na sua estrutura de gestão. Assim, com esse novo Sistema, foi instituída uma série de políticas e programas que mudaram o cenário brasileiro de assistência à saúde.

Sistema único revolucionário – A partir da implementação do SUS, em 1990, começava a tentativa de consolidação da saúde como direito universal no Brasil. Com o novo modelo, qualquer um passava a ter atendimento garantido em qualquer esfera. Antes disso, menos da metade da população conseguia acesso.

As políticas diminuíram a mortalidade infantil em mais de 70%, aumentaram a expectativa de vida do brasileiro, ampliaram acesso a atendimento pré-natal, mudaram os tratamentos para doentes mentais, as ações de combate a doenças e a vida da população em geral.

Foi também por meio do SUS que cerca de 90% dos transplantes do país passaram a ser realizados. Tratamentos de alta complexidade, tecnologias e medicamentos começaram a chegar a quem vivia totalmente à margem. Hoje, todos que procuram a uma unidade do SUS têm direito ao atendimento, independentemente de origem, histórico ou condição financeira.

O Sistema Único de Saúde é reconhecido internacionalmente pelas ações de atenção básica do programa Saúde da Família, por exemplo. A iniciativa atende mais de 120 milhões de brasileiros regularmente. As equipes atuam conhecendo a realidade dos pacientes, prestando orientações frequentes e acompanhamento constante. O reconhecimento vem da própria Organização Mundial da Saúde – OMS, que incluiu o Saúde da Família entre as melhores iniciativas do planeta na área.

É também por meio do SUS que o Brasil oferece acesso gratuito e universal aos tratamentos de HIV/Aids e hepatite, de custo altíssimo. No caso da Aids, estimativas apontam que o sistema alcança cerca de 90% dos soropositivos do país. Em duas décadas, a mortalidade entre essas pessoas caiu mais de 40%.

Soma-se a esses exemplos, um complexo de milhares de hospitais, mais de 50 mil ambulatórios, equipamentos móveis e uma infinidade de profissionais. São cerca de 2 bilhões de procedimentos a cada ano, entre cirurgias, tratamentos, internações, vacinas, campanhas e outras atividades. É possível dizer que o Sistema Único de Saúde representou uma revolução sem precedentes.

Desafios e desmonte – Podemos afirmar que, nesses 30 anos, os SUS passou por três fases de desenvolvimento. A primeira fase, entre 1990 e 2002, de expansão contida do Sistema com aumento moderado do investimento público e criação de alguns programas importantes, como o Programa Saúde da Família, criado em 1994. A segunda, de 2002 a 2016, de franca expansão com maior aumento do investimento público nas políticas de saúde e criação de uma séria de programas importantes para o aumento da cobertura do SUS à população brasileira, como o Programa Mais Médicos em 2014. Por fim, o SUS vem passando por uma terceira fase, a partir de 2016, de retrocesso com diminuição importante do investimento público e consequente enfraquecimento de uma série de programas de saúde.

Portanto, nos dias de hoje, o SUS passa pelo período mais difícil desde a sua criação. Diante dos obstáculos gerados pelas crescentes restrições orçamentárias, desde a aprovação da Emenda Constitucional 95, tem sido complicado garantir a sustentabilidade do Sistema e evitar a deterioração dos indicadores de saúde da população. Mesmo em meio a maior crise sanitária dos últimos cem anos, a pandemia de Covid-19, o financiamento público para sustentar o fornecimento dos serviços de saúde não está assegurado.

Em toda sua história, o SUS vem enfrentando crises de má gestão e de subfinanciamento, além de uma política de privatização da assistência e precarização do trabalho imposta pelos governos para atender ao setor privado. A CNTS sempre entendeu que a melhor campanha em defesa do Sistema Único de Saúde seria levar para mais perto da população as suas instâncias de decisão, de participação da sociedade na discussão das políticas para a saúde, por meio da criação dos conselhos de saúde.

Para que os princípios constitucionais sejam respeitados em sua íntegra, a CNTS defende a retomada do processo de reorganização e fortalecimento do sistema público de saúde na busca da implantação definitiva do SUS. Para isso, é essencial reconhecer os problemas, identificar suas causas, aprovar medidas de enfrentamento das dificuldades e discutir amplamente o conceito de saúde. Veja todas as ações e bandeiras defendidas pela CNTS em prol do SUS, clique aqui.

Investimento sempre foi insuficiente – A lista de revoluções que o Sistema Único de Saúde trouxe para a população brasileira é grande, mas o financiamento destinado a ele nunca foi suficiente. Quando foi estabelecido pela Constituição, havia a previsão de que o SUS receberia 30% do orçamento da seguridade social, o que nunca se efetivou. Embora mais de 150 milhões de brasileiros dependam exclusivamente do SUS, o Brasil aplica, efetivamente, menos de 4% do seu PIB em saúde, o menor percentual entre os países que têm sistemas universais, enquanto parâmetros internacionais apontam pelo menos 7%.

Até mesmo o mecanismo criado para contornar o problema, a Contribuição Provisória Sobre Movimentações Financeira – CPMF, não foi usada exclusivamente para a saúde. Criada no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ela foi motivo de polêmica. Causou o pedido de demissão do então ministro da Saúde, Adib Jatene, descontente com a destinação de parte dos recursos para outros fins por parte da equipe econômica da gestão tucana.

A questão somente se equaciona no ano 2000, com a Emenda Constitucional 29, em que foi possível estabelecer um piso para a saúde, da União, dos estados e municípios. Foi o primeiro momento em que se encontrou uma forma de reduzir a questão da instabilidade do financiamento do SUS.

Anos mais tarde, o governo de Michel Temer (MDB) estabeleceu o teto de gastos para as despesas primárias do governo por 20 anos, com a Emenda Constitucional 95, de 2016. Com o teto de gastos, o investimento no SUS, que era de 15,77% da receita corrente liquida em 2017, caiu para 13,54% em 2019. A nova regra diz que o piso de 2017 será mantido por duas décadas, corrigido apenas pela inflação. O congelamento do piso e o crescimento da população fazem cair consideravelmente o investimento em saúde por habitante. Em três anos, o SUS perdeu mais de R$ 22,5 bilhões.

Pandemia – O teto de gastos dificultou as possibilidades de enfrentamento do novo coronavírus e a estrutura do SUS entrou na crise sanitária global depreciada. Além disso, os recursos definidos pelo governo federal demoraram a chegar.

O estado de calamidade pública foi decretado no início de março, mas a maior parte do orçamento sequer tinha sido executada até a primeira semana de junho. Na ocasião, o Brasil já havia entrado no lamentável platô de mais de seis mil mortes por semana, que durou quase quatro meses.

Para completar o estrago, o governo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias que pode acarretar em perda de R$ 35 bilhões ao SUS em 2021.

Apesar do “desfinanciamento”, o SUS é apontado como a grande arma brasileira para enfrentamento do novo coronavírus. A cada dia, a percepção de que sem ele o Brasil poderia ter entrado em colapso aumenta. Parafraseando o médico oncologista Drauzio Varella, sem o SUS, é a barbárie.

Foto: Conselho Nacional de Saúde

Fonte: Com Brasil de Fato, Estadão, O Povo e Agência Brasil

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