Sem comprovação, Saúde avalia distribuir ‘kit Covid’ de graça no Farmácia Popular
Saúde
Medicamentos não têm eficácia comprovada, mas tornaram-se aposta do governo Jair Bolsonaro.
O Ministério da Saúde discute distribuir gratuitamente um “kit Covid-19” no Farmácia Popular. A ideia é reembolsar os estabelecimentos conveniados todo o valor de sulfato de hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina retirados por pacientes de coronavírus. Embora não haja comprovação da eficácia sobre o uso destes medicamentos contra o novo coronavírus, o tratamento tornou-se aposta do governo Jair Bolsonaro.
Como o jornal Estadão revelou, desde julho a Saúde faz estudos sobre a “viabilidade” da inclusão dos produtos no Farmácia Popular. O programa distribui gratuitamente ou com desconto de 90% medicamentos para controle de doenças crônicas, que atingem milhões de brasileiros, como diabetes, hipertensão e asma. Será preciso prescrição médica para retirar o “kit Covid”.
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, defende o uso da cloroquina no tratamento da doença. Após dois ministros deixarem a pasta – Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich – por divergências sobre a aposta no medicamento, coube ao general aprovar nova orientação da Saúde sobre o combate à Covid-19, que estimula o uso, desde os primeiros sintomas da doença, de hidroxicloroquina ou cloroquina, associadas ao antibiótico azitromicina.
Segundo a tabela de preços definida pelo governo federal, custa R$ 25 cada caixa com dez comprimidos de sulfato de hidroxicloroquina 400 mg, medicamento indicado na bula para artrite reumatoide, lúpus e malária. Já dez comprimidos do antibiótico azitromicina 500 mg valem R$ 35. Enquanto caixas com dois comprimidos do vermífugo ivermectina 6 mg custam R$ 15. Os valores consideraram alíquotas de ICMS cobradas em São Paulo.
Procurado, o Ministério da Saúde reconheceu que avalia incluir o tratamento no Farmácia Popular. Em nota, a pasta afirma que “a portaria está em estudo”. “Tanto em relação ao valor de financiamento da dotação extraorçamentária, quanto ao acordo tripartite com Conass – Conselho Nacional de Secretários de Saúde e Conasems – Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde”.
Representantes destes Conselhos dizem que ainda não foram informados sobre a ideia de alteração do programa. Reservadamente, conselheiros afirmam que não devem aprovar a proposta.
O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos – SCTIE, Hélio Angotti Neto, encabeça os estudos sobre a distribuição dos medicamentos. Ainda em julho, ele pediu a colegas estimativas de quantos pacientes desta doença devem ser tratados em 2020 e 2021.
Em outro ofício, o mesmo secretário também solicitou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa acesso a banco de dados de relatórios de comercialização desses medicamentos. “Ressaltamos que as informações são fundamentais para previsão de impacto orçamentário para oferta por meio de ações ou programas da assistência farmacêutica”, afirmou Neto.
A reportagem apurou que Pazuello ainda espera que a distribuição no Farmácia Popular não seja necessária, pois, para ele, a “curva” de casos da doença deve cair “drasticamente” até o fim de setembro. O militar foi efetivado na terça-feira, 15, no cargo após quase quatro meses como interino.
Para o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e primeiro presidente da Anvisa, o médico Gonzalo Vecina, revela “ignorância” o estudo sobre a inclusão do “kit Covid” no Farmácia Popular. “Não tem explicação científica para uso destes medicamentos. Só um general para fazer isso”.
Vecina afirma que o programa reduz significativamente mortes e internações por doenças crônicas. “Graças ao acesso a um tratamento que não tem fim. É fundamental o Farmácia Popular. Estavam querendo acabar e agora vão colocar um produto que não tem efeito nenhum?”.
Ação no Supremo – Para a CNTS, a inclusão do kit Covid-19 no Farmácia Popular é preocupante, pois os medicamentos não possuem eficácia comprovada contra a doença e representa risco aos usuários. “Essas as drogas se mostraram ineficazes, e até maléficas, para o tratamento em qualquer estágio da doença. Essa é a evidência científica robusta que existe hoje”.
Em maio, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde e a Federação Nacional dos Farmacêuticos – Fenafar ingressaram com ação no Supremo Tribunal Federal – STF requerendo a suspensão imediata do protocolo do Ministério da Saúde que permite o uso da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, mesmo para casos leves da doença.
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 707, as entidades também lembram que até mesmo a Organização Mundial da Saúde – OMS suspendeu testes com hidroxicloroquina e cloroquina em pacientes com Covid-19 após estudo mostrar que a droga não mostra eficácia contra a doença e representa risco de arritmia cardíaca aos usuários, entre outros efeitos colaterais.
Além disso, o próprio Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde editou em 22 de maio, Resolução recomendando a suspensão imediata das orientações do Ministério da Saúde afirmando que “a adoção da cloroquina/hidroxicloroquina é uma decisão política tomada por não especialistas em saúde” e sem “respaldo científico”.
A CNTS reforça que nenhum profissional da saúde é contra qualquer tipo de tratamento, somos todos a favor de encontrar o melhor tratamento possível, mas sempre com bases em evidências científicas sólidas. E os estudos mais sérios até agora já feitos, seguindo todas as diretrizes médicas e científicas, mostraram que os medicamentos não possuem eficácia comprovada contra a Covid-19, e seu uso pode acarretar no aumento do risco de morte das pessoas que apresentam comorbidades e maior vulnerabilidade à doença.