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Saúde ignora há seis meses processo de importação de seringas da China

Saúde

Há risco de desabastecimento às vésperas de vacinação contra Covid, já que a indústria nacional diz ter dificuldades para fabricar o produto em tempo hábil diante da necessidade urgente de vacinação e dos atrasos do governo.

Há quase seis meses, o gabinete de Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, ignora um pedido para que se manifeste sobre o interesse público na importação de seringas descartáveis da China. O Ministério da Economia enviou um ofício ao secretário-executivo da pasta de Pazuello, Élcio Franco, em 23 de junho. Permanecia sem resposta até a noite da terça-feira, 15.

O país vive um momento de impasse em relação à vacinação contra a Covid-19. Até agora, não se sabe quando o governo Jair Bolsonaro dará início a um plano de imunização. Um dos problemas é o fato de ainda estar em aberto um processo de compra de seringas e agulhas pelo Ministério da Saúde.

O plano nacional entregue ao Supremo Tribunal Federal – STF no sábado, 12, cita a compra de 300 milhões de seringas e agulhas. O custo é de R$ 62 milhões, mas não especifica quando, como e de quem adquirirá o material.

A indústria nacional diz ter dificuldades para fabricar o produto em tempo hábil diante da necessidade urgente de vacinação e dos atrasos do governo. Já falta seringa no mercado internacional, com a corrida de diversos países para vacinar sua população.

Um processo aberto na Secretaria Especial de Comércio Exterior avalia o interesse público na importação de seringas descartáveis de uso geral, fabricadas na China. São produtos com capacidade de 1 ml, 3 ml, 5 ml, 10 ml ou 20 ml.

Para a vacinação, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos – Abimo, a seringa mais usada é a de 3 ml, mas a de 5 ml também atende às especificações.

Sobretaxa – O procedimento tramita na Economia desde 19 de junho e avalia, na prática, se deve continuar existindo a aplicação de uma sobretaxa de US$ 4,55 por quilo na importação dos produtos da China, para que se evite uma concorrência desleal.

Em um ofício de 23 de junho, Franco foi informado sobre a existência do processo. A Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público pediu um posicionamento do Ministério da Saúde sobre o assunto.

Um novo ofício foi enviado à pasta de Pazuello no dia 8 de dezembro. O documento registra que a cúpula da pasta ignorou o primeiro pedido para se manifestar sobre o interesse público na importação de seringas chinesas. Desta vez, o destinatário foi o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Hélio Angotti Neto.

A pasta de Paulo Guedes aponta ainda no ofício que a análise sobre o interesse público na importação de seringas visa a investigar um possível risco de desabastecimento do produto no mercado local.

O documento cita a expectativa para o início de um processo de vacinação da população contra a Covid-19 e pede de novo uma posição do Ministério da Saúde, diante do risco de desabastecimento ou restrições na oferta de seringas no mercado brasileiro. O prazo para uma resposta é 28 de dezembro.

À reportagem da Folha de S.Paulo, o Ministério da Saúde disse que o processo está em análise e que haverá uma resposta dentro do prazo. “O processo [no Ministério da Economia] dura em média 12 meses”, afirmou, em nota.

Segundo a pasta, um edital será publicado nesta quarta-feira, 16, para a compra de 330 milhões de unidades de insumos, entre seringas e agulhas. A pasta não diz se serão 330 milhões de itens ou 165 milhões de kits – com seringa e agulha –. Outros 40 milhões de seringas e agulhas serão adquiridos por meio da Opas, braço para Américas da Organização Mundial da Saúde.

“O processo de compra já está em fase final de aquisição.” Na resposta à Folha, o Ministério não diz se comprará seringas da China.

O governo Bolsonaro já entrou em rota de colisão diversas vezes com o país asiático, por razões ideológicas. O principal vocalizador dos atritos é o filho 03 do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

O Ministério da Economia confirmou em nota que ainda não recebeu resposta da Saúde. “O objetivo da segunda solicitação é investigar, entre outros fatores, o possível risco de desabastecimento. O Ministério da Saúde confirmou o recebimento do segundo ofício e poderá se manifestar até 28 de dezembro. A situação atual é de aguardo dessas informações”.

A reportagem questionou o Ministério da Economia sobre como uma resposta da Saúde poderia influenciar na decisão sobre cobrar ou não tarifas extras na importação de seringas. “Eventual manifestação será considerada, tanto quanto outras manifestações de partes interessadas. Caso não seja recebida manifestação do Ministério da Saúde, a subsecretaria elaborará sua recomendação com base nos elementos de prova disponíveis”, afirmou.

O processo do Ministério da Economia analisa se existe ou não a prática de dumping, que ocorre quando um produto é exportado a um país com preço menor do que é praticado no mercado interno.

Para combater a prática, existem as medidas antidumping, arbitradas pelo governo, como a sobretaxa sobre a importação do produto, em um valor igual ou inferior à margem de dumping apurada.

Essas sobretaxas podem ser suspensas por interesse público. O prazo médio de análise de direitos antidumping é entre 10 e 12 meses, segundo o Ministério da Economia.

Um parecer inicial apontou a possibilidade de volta do dumping caso a sobretaxa das seringas chinesas fosse eliminada. O período analisado, porém, foi anterior à pandemia do novo coronavírus. “O parecer não representa a posição final a respeito da investigação”, afirmou o Ministério da Economia.

Em março, ainda no começo da pandemia, o Comitê de Gestão da Câmara de Comércio Exterior suspendeu, por interesse público, as medidas antidumping impostas à importação de seringas descartáveis da China.

Em junho, o Ministério da Economia consultou o Ministério da Saúde sobre o interesse público existente nessa importação de seringas chinesas. Não houve resposta e, a partir de 1º de outubro, a sobretaxa voltou a ser cobrada. Franco, o secretário-executivo que recebeu o ofício, é um coronel da reserva do Exército.

O militar é braço-direito de Pazuello, general que segue na ativa, apesar de exercer um cargo com alta voltagem política no primeiro escalão. A permanência de Pazuello na ativa tem o aval do comandante do Exército, general Edson Pujol.

Ministro e secretário-executivo são alinhados integralmente a Bolsonaro e evitam qualquer decisão técnica que contrarie o presidente. No domingo, 13, por exemplo, o Ministério divulgou um vídeo em que Franco faz duras críticas ao plano do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de iniciar a vacinação contra a Covid-19 em janeiro.

Fonte: Folha de S.Paulo

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