Pesquisa estima que volta às aulas pode causar infecção de até 46% de alunos por Covid
Educação
Simulação alerta para alta de contágio em dois meses de reabertura e diz que controle só seria possível com número de estudantes bem abaixo do previsto.
Mesmo com o respeito a protocolos sanitários, a volta às aulas presenciais pode aumentar a disseminação do novo coronavírus dentro e fora das escolas. Segundo simulação feita por um grupo de pesquisadores, em dois meses de retomada, entre 10% e 46% de alunos e funcionários poderiam ser infectados pela Covid-19. O alcance do contágio varia de acordo com as condições de cada unidade escolar.
O cálculo é dos grupos de estudo Ação Covid-19 e Repu – Rede Escola Pública e Universidade, com base em parâmetros como o tamanho das escolas e o cumprimento de medidas de higiene e distanciamento social.
A rede é formada por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, Universidade Federal do ABC – UFABC, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia São Paulo – IFSP, Universidade de Bristol, na Inglaterra e Escola de Aviação do Exército, na Colômbia.
A simulação de dispersão do novo coronavírus nas escolas tomou como ponto de partida a volta de 35% do total de alunos da rede de ensino, número considerado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo para o retorno a partir de 7 de outubro, conforme anúncio do governador João Doria (PSDB).
“Fizemos uma simulação para 60 dias, acompanhando um indivíduo infectado dentro da escola, e como essa infecção se desenvolveria. E comparamos esse cenário para duas escolas: uma adensada, mais comprimida, e outra dispersa, com mais áreas externas, espaço e menos gente”, explica Fernando Cássio, professor de políticas educacionais da UFABC e integrante da Repu.
Nos dois casos, foi considerada a volta de 35% do efetivo de alunos e professores. Os pesquisadores levaram em conta, ainda, o período de transmissão de uma pessoa infectada, e três principais momentos de interação entre as pessoas no ambiente escolar: na entrada da escola, na saída e nos recreios.
Os resultados das simulações para 60 dias letivos (ou 180 interações) chegaram a uma média de 46,35% das pessoas infectadas pelo vírus e de 0,30% de óbitos nas escolas mais “comprimidas”. E uma média de 10,76% das pessoas infectadas pelo vírus e de 0,03% de óbitos nas escolas mais “dispersas”.
“A dinâmica de infecção é muito mais pronunciada na escola comprimida”, diz Cássio. Mas o interessante é que esses dois primeiros cenários foram simulados considerando que as escolas seguiriam a maioria dos protocolos de higiene, segurança e distanciamento. E, mesmo assim, as dinâmicas de infecção não são desprezíveis. Elas existem mesmo nas escolas mais dispersas, dos bairros mais ricos.
A ferramenta de avaliação foi adaptada do simulador de dispersão do vírus criado pelo grupo Ação Covid-19 para diferentes bairros e usado para estimar as tendências de evolução da pandemia no país.
Máximo de alunos – Os pesquisadores simularam, ainda, qual seria o máximo de alunos no espaço da escola para minimizar a dinâmica de infecção. “Testamos considerando escolas que seguem todos os protocolos e regras, e outras que não seguem. E o que vemos é que o máximo de alunos na escola para reduzir a dinâmica de infecção é muito baixo, está abaixo dos 35%”, diz Cássio.
Os pesquisadores avaliam que só seria possível admitir 20,27% do total de estudantes em escolas dispersas. Já nas escolas comprimidas, esse número cairia para apenas 6,86% dos estudantes. “Mas não dizemos que o recomendável é que se coloque um número “x”. Não recomendamos abrir as escolas”, afirma o professor de políticas educacionais.
Mesmo considerando esse cenário de abertura “segura”, a quantidade de alunos que se colocaria na escola é tão pequena que é inviável do ponto de vista prático, pedagógico, de desigualdades educacionais.
O peso do transporte – Os pesquisadores alertam, ainda, para os riscos de contágio no trajeto de alunos e funcionários de casa para a escola. A reabertura das escolas, afirmam, envolveria a mobilização de mais de 30% da população de São Paulo todos os dias. E o impacto no transporte público influenciaria os números da pandemia no estado.
“Usamos um modelo teórico, mas que ajuda a ter mais cautela em relação a expor a população. (A reabertura) expõe a comunidade escolar, as famílias dos estudantes vão adensar o transporte público. Nossa ideia é construir um debate público que não seja baseado no achismo, nem numa reabertura de escolas que pode testar e usar a população como cobaia. Isso não é adequado”, afirma Cássio.
Somadas as redes públicas e privadas de ensino, o estado de São Paulo tem um milhão de professores e funcionários administrativos, além de 13,3 milhões de estudantes de todas as etapas da educação básica. Segundo os pesquisadores, o simulador foi disponibilizado às escolas para que façam as previsões de acordo com as condições de cada unidade.
Secretaria: ‘Cedo para conclusões’ – A Secretaria de Educação do estado de São Paulo afirma que é cedo para tirar conclusões e que fará uma avaliação mais detalhada sobre a ferramenta. A pasta reforça, porém, que a análise deve considerar também “os danos de se manter as escolas fechadas, como já demonstrado por vários artigos internacionais e pela própria Unesco e OMS”.