No Brasil da cloroquina, faltam 22 remédios para pacientes com Covid-19 nas UTIs
Saúde
Enquanto o governo federal realizou força-tarefa para produzir a cloroquina, mesmo sem eficácia comprovada, sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares usados nos pacientes que precisam ser intubados estão em falta em 21 estados e no Distrito Federal.
No mesmo Brasil que se realizou uma verdadeira força-tarefa para garantir que não faltasse cloroquina no tratamento precoce de pacientes com o novo coronavírus antes mesmo de o medicamento ter sua eficácia comprovada, faltam remédios para sedar e entubar os pacientes mais graves com a Covid-19 nas UTIs. Levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conass concluiu que faltam medicamentos para pacientes internados nas UTIs de 21 estados e no Distrito Federal. Isso significa a perda de vidas que poderiam ser salvas.
O levantamento foi em hospitais que são referência para tratamento da Covid-19 com leitos de UTI e revela: 22 medicamentos estão em falta. São sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares usados nos pacientes que precisam ser intubados.
A situação mais crítica é em Mato Grosso: da lista dos 22 medicamentos, 13 estão em falta no Estado, 12 estão em falta no Ceará e no Maranhão; 11 no Amapá e no Tocantins; dez no Rio Grande do Norte e em São Paulo.
Há semanas, secretários municipais e estaduais da saúde levam essa demanda ao Ministério da Saúde. Uma resposta mais efetiva da pasta sobre o problema foi apresentada na segunda-feira, 29: um acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS para importar parte dos medicamentos, um novo edital de licitação para aquisição e a requisição do que ainda não havia sido vendido em contratos pelas farmacêuticas. Ainda assim, o governo federal não tem como garantir que conseguirá suprir a demanda de remédios pelo período de sete dias reclamada pelos Estados, quando o Brasil já soma mais de 1,3 milhão de infectados, 552.000 deles hospitalizados.
A demanda por esses medicamentos têm crescido durante a epidemia, que tem elevado tanto o volume de pacientes nas UTIs quanto o tempo de permanência deles ali, aumentando também a quantidade de medicamentos utilizados. Isso provocou aumento da busca por esses remédios, cujos preços explodiram. Há casos em que o consumo de um mês está sendo igual ao consumo de 2019 inteiro, e o Conass alerta para o risco de colapso.
“Os gestores hospitalares se comunicam e conseguem emprestando um pouquinho para o outro. E vai dando um jeito. Essa é palavra, desculpa o termo, mas é assim. Agora, se não houver aquisição de grande volume para colocar produto para pelo menos 30 dias nos hospitais, podemos, sim, ter, nas próximas semanas, colapso da falta desses medicamentos, o que acarreta na impossibilidade da instituição na intubação”, explica Heber Dobis, assessor técnico do Conass.
A presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira – Amib, Suzana Lobo, explica que, sem os remédios, os pacientes não podem ser intubados. Diz que não dá para tratar um paciente de forma adequada sem aplicar essas medicações. “Eles precisam de analgésicos, eles precisam de sedativos, porque senão eles vão… Isso vai permitir uma adaptação ao ventilador, um conforto, e esses analgésicos e sedativos são fundamentais nesse processo”, afirma.
Cloroquina para 18 anos – O Ministério da Defesa informou que há 1,8 milhão de comprimidos de cloroquina em estoque no Laboratório do Exército. O valor representa 18 vezes a produção anual do medicamento nos anos anteriores. Sem eficácia comprovada contra o coronavírus, a cloroquina é usada para combater a malária.
Desde o início da crise, o governo brasileiro concentra energia para garantir a cloroquina no tratamento de pacientes com a Covid-19. O presidente Jair Bolsonaro tem sido um grande defensor do medicamento, mesmo quando ainda não há estudos conclusivos sobre a eficácia da cloroquina para tratar a Covid-19. Dois ministros da Saúde desembarcaram do governo por conta de divergências com o presidente.
O Exército aumentou em 80 vezes a produção da cloroquina durante a crise. O ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, publicou novo protocolo para que esse remédio – muito utilizado no Brasil para tratar malária – passasse a ser usado já nos sintomas iniciais da doença. Mais recentemente, o Ministério da Saúde o ampliou para ser aplicado em grávidas e crianças com a Covid-19. Foi nesse contexto que o governo chegou à marca de 4.374.000 comprimidos de cloroquina distribuídos em todo o país durante a crise.
Questionado se o governo federal não errou ao focar na distribuição de um medicamento sem eficácia comprovada em vez de gastar energia para garantir que não faltassem medicamentos para entubação de pacientes mais graves com o novo coronavírus, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, defendeu o uso da cloroquina para evitar que os infectados tenham seus casos agravados. Disse que há estudos que mostram bons resultados, mas não citou concretamente nenhum deles, e afirmou que a Índia tem mostrado resultados positivos com o seu uso associado a outros medicamentos. “O que se busca é apenas preservar a autonomia do médico em prescrever conforme sua análise clínica”, diz.
O secretário executivo ainda afirmou que é comum ação como essa em tempos de pandemia e que evidências mais robustas devem sair em breve, provavelmente daqui a um ano. Sobre a falta de medicamentos para entubação, Franco disse que o desabastecimento foi causado pelo aumento do custo diante da alta procura e defendeu que o governo não se omitiu de suas responsabilidades.