Na ONU, Bolsonaro se exime de erros na gestão da pandemia e choca ao culpar índios por incêndios
Política
Na Assembleia Geral da ONU, o presidente disse que o Brasil é vítima de uma campanha de desinformação sobre a Amazônia. Mas as imagens dos incêndios falam por si. Com relação à pandemia, Bolsonaro afirma ter sido vítima do Judiciário brasileiro, que o deixou de mãos atadas na luta contra o coronavírus.
Diante de uma Assembleia Geral que celebrava o 75º aniversário da ONU, com o lema “O futuro que queremos”, o presidente Jair Bolsonaro inaugurou na terça-feira, 22, a reunião de líderes atacando com o mesmo estilo de sempre. Primeiro aos meios de comunicação, por supostamente “espalhar o pânico entre a população” ao longo da pandemia de coronavírus. Depois, sobre os incêndios na Amazônia e no Pantanal, Bolsonaro tentou mais uma vez livrar seu governo das críticas por sua gestão no combate às queimadas ilegais, afirmando, assim como fizera em seu discurso do ano passado, que o Brasil é “vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação”. Sem mencionar as investigações sobre a ação criminosa de fazendeiros, tanto na Amazônia como no Pantanal, o presidente afirmou que “índios e caboclos” causam as queimadas para sua sobrevivência – novamente, sem citar fatores como a ação de garimpeiros e grileiros.
Com mais de 137 mil mortes pela covid-19 confirmadas, o Brasil é atualmente o segundo país com mais vítimas da doença, atrás apenas dos Estados Unidos. Logo no início de seu discurso, Bolsonaro se colocou na defensiva. Afinal, como explicar o desastre nacional para um mundo que conhece a sua terrível comparação do coronavírus com uma “gripezinha”?
Segundo o presidente, a culpa não cabe a ele. Pelo contrário. Ele teria sido vítima do Judiciário brasileiro, que o deixou de mãos atadas na luta contra a pandemia e cedeu poderes aos governadores. Quem observa a situação mais de perto sabe que Bolsonaro se recusou a lutar contra a pandemia, que descreveu como “histeria”. E pior ainda: ele se baseou na cloroquina, medicamento antimalárico comprovadamente ineficaz contra a Covid-19, e colocou o Ministério da Saúde sob o comando de um general que havia organizado a logística dos Jogos Olímpicos do Rio.
Mas a negação de qualquer culpa ou responsabilidade faz parte da mentalidade populista de Bolsonaro. Assim como inflar a própria atuação sempre que algo está indo bem. De acordo com Bolsonaro, o auxílio emergencial pago a mais de 65 milhões de brasileiros para enfrentar a crise gerada pela pandemia protegeu a economia de um desastre ainda maior. Isso é verdade. No entanto, ele não disse ao público internacional que foi o Congresso Nacional quem pressionou o governo a liberar o auxílio. E ele simplesmente mentiu quando disse que as parcelas do auxílio somam 1.000 dólares por pessoa.
O negacionismo de Bolsonaro se torna ainda mais óbvio em relação à destruição ambiental em curso na Amazônia. As nuvens de fumaça podem ser percebidas até em grandes cidades do extremo sul do Brasil, e a sua gigante propagação também pode ser vista em imagens de satélite da Nasa. E o fato de que o governo Bolsonaro está impedindo as autoridades ambientais de proteger as florestas é evidenciado pelos cortes drásticos nos orçamentos ambientais. Até membros de seu próprio governo admitem abertamente a paralisia das autoridades de fiscalização ambiental.
Ainda assim, Bolsonaro também repetiu diante da plateia virtual da Assembleia Geral da ONU seu mantra de que ninguém protege mais a natureza do que o Brasil e que apenas a comunidade mundial malévola se recusa a reconhecer isso. “Somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”, disse Bolsonaro. Instituições internacionais estariam envolvidas em maquinações sombrias para prejudicar o seu governo e o Brasil, com a participação de associações brasileiras “aproveitadoras e impatrióticas”.
Com isso, o presidente se dirige não apenas a organizações como o Greenpeace e o WWF e a ativistas como o ator Leonardo DiCaprio, mas também contra a própria ONU. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 25, deveria ter sido realizada no Brasil em 2019. Mas Bolsonaro se opôs. Reiteradamente, ele acusou a ONU de querer tirar a Amazônia do Brasil com a ajuda do acordo climático de Paris.
Mas é claro que Bolsonaro não se interessa pela imagem do Brasil no mundo. Em tempos de redes globais de informação e graças à cobertura vigilante da mídia, o mundo hoje sabe muito bem o que está acontecendo nas florestas brasileiras. Nesse ponto, Bolsonaro não tem nada a ganhar. O discurso dele se dirige à própria população, a quem tem que responder sobre as mortes provocadas pelo coronavírus, a crise econômica devido à pandemia e a destruição do meio ambiente. E a quem ele – ao contrário da opinião pública bem informada no exterior – ainda pode imputar sua distorção dos fatos.
Atribuir a culpa a poderes obscuros estrangeiros agrada a muitos brasileiros. As ameaças das fileiras da União Europeia de não ratificar o acordo comercial com o Mercosul vêm a calhar para que Bolsonaro se mostre vítima de intrigas internacionais.
Dois problemas movem o mundo atualmente: a pandemia da Covid-19 e as mudanças climáticas. Ambas as crises têm dimensões globais e só podem ser resolvidas em nível global. Um estadista inteligente, portanto, usaria instituições globais como a ONU para encontrar soluções. Antes de mais nada, para interesse do seu próprio país. Mas Bolsonaro não pensa em soluções. Como populista profissional, ele aceita as crises com gratidão, para poder colocar a culpa em inimigos imaginários.