Ministério da Saúde diz ao STF que não tem estoque de seringas para vacinação da Covid-19
Saúde
Em documento assinado pelo ministro Eduardo Pazuello, a União alega que as seringas e agulhas para imunizar a população ficam a cargo dos estados. Sendo que sete estados não têm seringas e agulhas para a campanha de vacinação. São eles: Acre, Bahia, Espirito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco e Santa Catarina.
Em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal – STF, o Ministério da Saúde informou não ter seringas e agulhas para a campanha de vacinação contra a Covid-19. Segundo a pasta, a aquisição desses produtos é geralmente feita pelos estados, que têm um estoque de 80 milhões de unidades, o suficiente para começar a imunização. O Ministério informou também que está adquirindo seringas e agulhas para poder realizar toda a campanha.
As informações da pasta são divergentes, pois, num documento datado de 8 de janeiro, o Ministério estima que há nos estados – excluindo São Paulo – mais de 52 milhões de seringas e agulhas aptas para a vacinação. Em outro, com data de 7 de janeiro, afirma que são 80 milhões de insumos nos estados.
Em sete estados, segundo a pasta, ainda não há estoque suficiente para as pessoas que receberiam as primeiras doses: as de mais de 75 anos, a população indígena e de comunidades ribeirinhas, trabalhadores de saúde. Para os grupos prioritários, a pasta estima que são necessárias 30 milhões de doses para o esquema vacinal completo de duas etapas. De acordo com o Ministério, os estados nesta situação são: Acre, Bahia, Espirito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco e Santa Catarina.
O documento é uma resposta a uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, que havia determinado que o Ministério da Saúde comprovasse o estoque de seringas e agulhas para a vacinação contra a Covid-19.
“Com relação à comprovação dos estoques dos referidos insumos, cumpre-nos informar que, via de regra, as aquisições são realizadas pelos próprios Entes federados, cabendo à União o fornecimento dos imunobiológicos necessários para a execuções das ações de imunização. Por esse motivo, este Ministério não possui estoque disponível para a realização da referida campanha de vacinação”, diz trecho do documento, elaborado em 8 de janeiro e entregue nesta quarta-feira ao STF.
A pandemia do novo coronavírus já provocou a morte de 206 mil brasileiros. Na semana passada, no Palácio do Planalto, o ministro Eduardo Pazuello, visivelmente alterado, afirmou que não existe a falta de seringas no país. “Senhoras e senhores, não existe falta de seringa”. Na ocasião, o ministro se negou a responder perguntas dos jornalistas. As declarações contrastam com a resposta oficial enviada ao Supremo.
No plano nacional de imunização, enviado ao Supremo em outra ação, o Ministério da Saúde afirma que os grupos prioritários, que envolvem doentes crônicos, idosos, profissionais de saúde e de segurança pública, representam 109 milhões de pessoas. Como cada vacina necessita de duas doses, seriam necessárias 218 milhões de seringas e agulhas para atingir este grupo.
Falta de seringas ameaça vacinação de outras doenças – Após fracasso no primeiro pregão para aquisição destes produtos, o Ministério da Saúde mira estoques dos Estados e municípios que servem, todos os anos, para aplicar 300 milhões de doses de vacinas de outras doenças, como sarampo, gripe e febre amarela, por meio do Programa Nacional de Imunizações – PNI.
Alertado pelo menos desde julho pela indústria nacional sobre a necessidade de planejar a procura por insumos, o Ministério só tentou adquirir agulhas e seringas em 29 de dezembro. Das 331 milhões de unidades desejadas, obteve lances válidos para compra de 7,9 milhões. A ideia era que 300 milhões de seringas fossem usadas na campanha para a Covid-19 e, o resto, contra o sarampo. Se desse certo, a compra toda custaria menos de R$ 70 milhões.
Ex-coordenadora do PNI, a epidemiologista Carla Domingues diz que o governo deveria ter organizado a compra de seringas e agulhas ainda no primeiro semestre de 2020. “O começo da vacinação não deve ser adiado pelo fracasso na primeira compra, mas o governo federal tem de pensar no médio prazo e resolver a questão. Temos campanha contra a influenza (gripe), a rotina do calendário da criança. Sabíamos da campanha da Covid-19. Era para comprar a seringa lá em abril ou maio”.
Segundo ela, no “pacto” do SUS, o Ministério centraliza a compra de vacinas e os Estados buscam as seringas. Mas essa lógica é diferente quando há uma pandemia: a União assume a responsabilidade por todos estes insumos, “para fazer compras em grandes escalas”.
“Com essa demora do governo federal, muitos estados já compraram seringas. A desorganização do ministério desestabilizou o mercado. Não é um processo fácil. As compras levam até seis meses. Se era para ficar na mão dos Estados, cabia avisar lá atrás, mas não mandar que usassem seringas da rotina para a campanha contra a covid-19”, afirma Carla, que esteve à frente do PNI até 2019.
Epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes, Ethel Maciel, afirma que é perigoso prejudicar o calendário de imunização de outras doenças. “Tem vacinas da primeira infância que são administradas em meses corretos da criança. Este calendário precisa ser seguido”.
Ela participou de discussões do PNI sobre grupos prioritários na vacinação contra a Covid, mas diz que só soube da falta de seringas durante reunião com o ministro Eduardo Pazuello no começo de dezembro. “Temos de comprar logo. Não tem jeito. Se há problema de preço, foi por falta de planejamento”, afirma Ethel.
Governo mira importação via órgão da OMS – Após o fracasso em pregão para comprar 331 milhões de seringas e agulhas, o governo mudou de estratégia, restringiu exportações desses produtos e retirou imposto para a importação. O Ministério da Saúde também disse que pretende requisitar 30 milhões de estoque excedente da indústria nacional.
O Ministério ainda aumentou a expectativa de adquirir seringas por meio de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde – Opas, braço da Organização Mundial da Saúde no continente, de 40 milhões para 190 milhões. Em pronunciamento, Pazuello afirmou que a primeira parcela de 8 milhões de unidades será entregue em fevereiro.
O preço do negócio com a Opas não foi divulgado pela pasta, mas pode ser mais alto do que o ofertado por empresas nacionais no pregão. Em relatório do mês passado, o Tribunal de Contas da União – TCU diz que havia diferença de até 500% entre o valor da seringa mais barata negociada por meio da organização sobre a menor cifra encontrada pelo Ministério em edital de “registro de preços”.
A discrepância passava para 250% quando eram comparados os maiores valores registrados. À época, o TCU informou que a Saúde pediu nova proposta. A Opas deve fornecer seringas a diversos países da América Latina. Uma autoridade que acompanha as discussões afirma que o pedido do Brasil é alto e a entrega das unidades pode levar meses.
Além do preço de cada unidade, os governos devem desembolsar valores de frete, seguro e taxa administrativa de cerca de 4% sobre o valor total. Segundo documentos do TCU, o Ministério pediu a alteração do frete aéreo para o marítimo para baratear a compra.