Meta de Guedes de acabar com os gastos mínimos com educação e saúde pode naufragar
Política
Senadores sinalizam que PEC Emergencial só tratará de auxílio financeiro para famílias pobres que sofrem com os impactos socioeconômicos da pandemia. A tentativa da equipe econômica era condicionar a aprovação do auxílio emergencial ao fim de percentuais mínimos de gastos de estados e municípios com saúde e educação.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, caminha para sofrer sua segunda grande derrota política em 2021. Depois da abrupta troca de comando na Petrobras, o símbolo liberal do governo Bolsonaro assiste à desidratação da PEC Emergencial, a Proposta de Emenda Constitucional que tinha como um de seus objetivos desvincular as receitas com Saúde e Educação do orçamento do setor público brasileiro. A ideia da equipe econômica era retirar da Carta a regra que garante gastos mínimos com os dois setores e, como compensação, aprovar novas rodadas de pagamento do auxílio emergencial, encerrado em dezembro. Hoje, a tendência é que essa proposta naufrague no Senado.
No momento de extrema vulnerabilidade que o país se encontra, o governo Bolsonaro, pretende fragilizar o SUS e acabar com o Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica. Seria dar mais um passo na destruição do colchão social feito há duras penas no Brasil desde a redemocratização. Se aprovar a tal “desvinculação”, eufemismo para reduzir despesas com educação e saúde, o Congresso será cúmplice de mais um retrocesso que só vai pavimentando o caminho do país rumo à barbárie.
Insensível, radical e inapropriada para o momento, foram alguns dos adjetivos usados por alguns parlamentares para se referir à PEC que tramita desde novembro de 2019 no Legislativo.
Previsto para ser votado nesta quinta-feira, 25, no Senado, o projeto só deve ser discutido entre os senadores. Os parlamentares entendem que a prioridade do momento é definir a retomada do auxílio emergencial e votar as propostas relacionadas à vacina contra Covid-19. Representantes de 60 entidades sociais, sindicais, científicas e acadêmicas de todo o país pressionaram os congressistas a não votarem a PEC 186/2019.
Os nove governadores da região Nordeste, majoritariamente opositores ao governo Jair Bolsonaro, também se manifestaram contrários à proposição. “A agenda que o povo cobra é a vacina e o auxílio emergencial. Isso não se pode se dar às custas de mais um ataque cruel aos direitos da população”, afirmou a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT).
A rejeição à proposta uniu espectros distintos da política brasileira. Um dos que apresentaram sugestões de mudanças ao texto original foi o senador José Serra (PSDB-SP), um dos tradicionais antagonistas do PT, que lidera a oposição no Senado. Em uma emenda que tem ganhado apoio na Casa e deve ser a responsável por manter o piso constitucional de gastos com saúde e educação, Serra disse que o governo Bolsonaro negligencia os retrocessos econômicos e sociais da pandemia. “Essa atuação negligente tem criado uma situação emergencial que demanda uma discussão acerca da viabilização fiscal e jurídica da prorrogação do auxílio financeiro emergencial. Nesse sentido, entendo que mudanças estruturantes no texto constitucional não devem ser discutidas na mesma arena das questões que envolvem o socorro emergencial”, afirmou o parlamentar.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) é outra parlamentar que faz pressão a favor de mudanças no parecer do relator da PEC, Marcio Bittar (MDB-AC). “Querem matar o presente e o futuro do país. É, no mínimo, menosprezar a inteligência da população brasileira. É dar com uma mão e tirar com a outra. A equipe econômica do governo aproveitou o momento de comoção causado pelas mortes e pelo impacto econômico da pandemia para dar a desculpa esfarrapada de que é preciso recursos para bancar a prorrogação do auxílio e, com isso, acabar com a obrigação de estados e municípios investirem o mínimo constitucional na saúde e na educação”.
Os movimentos fizeram com que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sinalizasse aos seus pares que a votação de fato deverá ocorrer apenas na próxima semana. E de maneira fatiada. Ou seja, mantendo essencialmente o trecho que trata da recriação do auxílio emergencial. Esse benefício foi uma proposta que vigorou por nove meses em 2020. Custou cerca de R$ 51 bilhões ao governo. Nos cinco primeiros meses, pagou R$ 600 às famílias pobres que foram atingidas economicamente pela pandemia de coronavírus. Nos quatro últimos meses, o valor reduziu para R$ 300. Agora, para ser retomado por quatro meses a partir de março, no valor de R$ 250, os congressistas terão de incluí-lo nessa PEC Emergencial.
Desvinculação – O fim dos mínimos constitucionais para gastos com saúde e educação foi a alternativa encontrada pelo relator da PEC, Marcio Bittar (MDB-AC), em acordo com o governo, para garantir recursos voltados ao auxílio. Estados e municípios devem destinar 25% da receita de impostos e transferência para a educação. Na saúde, essa obrigação é de 12% para os estados e de 15% para os municípios. Se essa desvinculação de receitas for aprovada, o Congresso terá de definir os repasses mínimos para saúde e educação a cada ano.
No estágio de desenvolvimento do Brasil, faltam recursos para as duas áreas. Acabar com os gastos mínimos de estados e municípios seria um golpe duro no SUS e nos avanços educacionais das últimas décadas. “A Constituição de 1988 quis proteger os mais pobres, mais dependentes da saúde e da educação pública, do que os mais ricos. Em plena pandemia, situação que agrava a desigualdade social, parte do Congresso e a equipe econômica preparam um golpe contra os mais pobres. Essa é a única leitura que pode ser feita da tentativa de condicionar a aprovação de um auxílio emergencial ao fim de percentuais mínimos de gastos de estados e municípios com saúde e educação. O auxílio emergencial é bem-vindo. Deveria ter valor e duração maiores. Mas não pode ser usado como moeda de troca para uma nova tungada no andar de baixo”, afirma o colunista do UOL, Kennedy Alencar.