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Foto: Mariana Raphael/Saúde-DF

Estudo estima 27 mil mortes até 2030 com impacto do teto de gastos na Saúde

Saúde

Grupo internacional de pesquisadores projetou simulação de cenário de cortes e concluiu poder haver aumento de 5,8% na mortalidade em comparação com cenário atual.

Artigo publicado no periódico BMC Medicine prevê que os possíveis cortes de gastos federais para o programa Estratégia da Saúde da Família decorrentes da Emenda Constitucional 95/2016 podem levar a 27,6 mil mortes evitáveis até 2030, aumento de 5,8% na mortalidade em comparação com o cenário atual. A emenda do teto de gastos foi proposta pelo governo de Michel Temer e aprovada no Congresso em 2016.

Segundo reportagem da BBC Brasil, os pesquisadores simularam ainda outro cenário hipotético, somando à redução no tamanho da população coberta pelo Estratégia da Saúde da Família a hipótese do eventual fim do programa Mais Médicos. Segundo essa projeção, haveria aumento de 8,6% na mortalidade, o que representa cerca de 48,5 mil óbitos evitáveis entre 2017 e 2030.

A Estratégia da Saúde da Família e o Mais Médicos são dois importantes representantes no Brasil de políticas públicas de saúde da chamada “atenção primária”, que valoriza o contato próximo e preventivo de profissionais da saúde com a população. Isto ocorre, por exemplo, com visitas rotineiras de médicos às casas dos pacientes. No caso do Estratégia da Saúde da Família, cada território com cerca de 4 mil pessoas recebe um conjunto com número mínimo de profissionais – médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e especialistas em saúde bucal – e de equipamentos e ações educativas.

Por meio de modelos matemáticos complexos, os autores do artigo estimaram a mortalidade anterior aos 70 anos de idade e decorrente de causas consideradas sensíveis à atenção primária. É o caso de doenças infecciosas, tais como febre amarela e sarampo, e deficiências nutricionais, como anemia e desnutrição. Segundo o artigo, estes tipos de doenças e deficiências seriam os mais impulsionados com os cortes e afetariam as populações mais vulneráveis como, conforme apontam os autores, negros e aqueles que vivem em municípios mais pobres.

“A redução da cobertura da atenção básica nesses lugares tem efeitos maiores porque eles têm causas de mortalidade mais ligadas à pobreza”, explica à BBC Brasil, Davide Rasella, pesquisador italiano que liderou o estudo. “São doenças e deficiências básicas que o sistema de atenção primária é mais capaz de resolver de forma efetiva. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, não só economicamente, mas também em termos de saúde”, afirma.

Rasella é pesquisador associado à Universidade Federal da Bahia – UFBA, à Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz e à London School of Hygiene and Tropical Medicine, na Inglaterra. Ele é especialista em avaliações de impacto de políticas públicas e ganhou destaque em 2013 ao publicar artigo no periódico The Lancet sobre o papel do programa Bolsa Família na redução da mortalidade infantil.

No artigo publicado agora na BMC Medicine, Rasella contou com a colaboração de pesquisadores da UFBA, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e do Imperial College de Londres, no Reino Unido.

Ainda segundo os estudiosos, as projeções publicadas ainda são conservadoras, pois fazem recorte etário e consideram apenas a mortalidade por causas consideradas como sensíveis à atenção primária. Esta tipificação acompanhou classificações internacionais e do Ministério da Saúde. Os autores devem publicar, nos próximos meses, uma projeção da mortalidade especificamente em menores de cinco anos nesses cenários de austeridade.

Teto dos Gastos – Para projetar o impacto da Emenda Constitucional 95 na população alcançada pela Estratégia da Saúde da Família e, então, na mortalidade, os pesquisadores usaram dados de notas técnicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea de 2016. Estes documentos estimaram os impactos do teto dos gastos – na época em que foram escritos, o projeto ainda tramitava no Congresso – na despesa per capita em saúde até 2036.

A emenda limitou o crescimento das despesas primárias federais ao reajuste da inflação por 20 anos. Este teto é global, ou seja, não limita gastos para áreas específicas. A saúde é mencionada nominalmente, na verdade, para limitar o piso mínimo – e não o teto – de aplicação na área.

Mas especialistas apontam que, se o bolo todo tem que parar de crescer, isso possivelmente afetará áreas essenciais como educação e saúde – ainda mais com a perspectiva de aumento e envelhecimento da população nos próximos anos e, portanto, de incremento nas demandas do setor.

Considerando o crescimento previsto da população brasileira de 10% até 2036, pesquisadores do Ipea estimaram que, com a emenda, o gasto federal per capita na saúde pode cair de estimados R$ 446 em 2017 para R$ 411 em 2036 – em valores de 2016. No entanto, esta projeção considerou piso mínimo de aplicação na saúde de 13,2% da receita corrente líquida, quando, após a tramitação, o valor ficou um pouco maior, em 15%.

O desenho da pesquisa – No artigo, dados da cobertura atual da Estratégia da Saúde da Família e do Mais Médicos de 5.507 municípios brasileiros foram combinados com as projeções do Ipea e dados sociodemográficos –retrospectivos e tendências, a partir de dados do IBGE e Banco Mundial, por exemplo.

A principal unidade estudada foi, justamente, a municipal – e não a população brasileira de uma só vez, por exemplo. Isto permite obter projeções e observar comportamentos de forma mais precisa.

“Recorremos a técnicas de microssimulação: escrevemos modelos matemáticos que simularam a trajetória e as consequências do que acontecia em cada um dos 5 mil municípios”, explica Rasella.

O cientista lembra que outros estudos já mostraram os efeitos positivos da saúde da família na redução de hospitalizações e da mortalidade infantil, além de uma educação da população que pode desestimular, por exemplo, hábitos de risco para saúde.

Fonte: BBC Brasil

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