Em nova “boiada”, Ricardo Salles enfraquece normas ambientais
Meio Ambiente
Conselho presidido pelo ministro do Meio Ambiente derruba quatro resoluções de preservação ambiental, duas delas de proteção às áreas de vegetação nativa. Esvaziado pelo presidente Jair Bolsonaro, o Conama é controlado majoritariamente pelo governo e conta com participação praticamente nula da sociedade civil.
No momento em que a sociedade brasileira está horrorizada com as queimadas que devastam nossa vegetação natural e prejudicam a saúde e o sustento da população, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, vê a oportunidade de avançar com a desregulamentação da proteção ambiental e com sua estratégia de “passar a boiada”, que ficou evidente a partir da divulgação de reunião ministerial realizada em abril.
Desta vez, a “boiada” é ampla e prevê, em uma tacada só, a revogação de resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama que dispõem sobre áreas de preservação permanente, licenciamento ambiental para a irrigação e nova resolução que abre brecha para permitir a queima de resíduos de agrotóxicos em fornos de cimento. Tudo isso foi aprovado ontem, 28, a toque de caixa e sem debate público.
Foram revogadas quatro resoluções que tratavam de preservação ambiental em todo o país, sendo duas delas referentes à proteção de áreas de vegetação nativa, como manguezais e restingas. As decisões foram tomadas na 135ª reunião do Conselho, que é presidido pelo ministro Ricardo Salles. Esvaziado pelo presidente Jair Bolsonaro, o Conama é hoje controlado majoritariamente por ministérios e membros do governo federal, e conta com participação praticamente nula da sociedade civil.
As resoluções 302 e 303, derrubadas na segunda-feira, definiam regras rígidas de proteção às áreas de manguezais e restingas do litoral brasileiro, restringindo o desmatamento e a ocupação nesses locais de preservação ambiental. As normas entraram em vigor em 2002.
Os manguezais e restingas são regiões ricas em biodiversidade. Citados pela imprensa brasileira, especialistas disseram temer que a revogação das duas resoluções prejudique áreas sensíveis do meio ambiente marinho do país.
O fim dessas regras abre caminho, por exemplo, para a especulação imobiliária nas áreas de vegetação das praias do litoral brasileiro – as resoluções consideravam como áreas de preservação ambiental – APPs as regiões de restinga de 300 metros a partir da linha do mar.
O Conama ainda revogou outras duas resoluções ontem. Uma delas, de 1999, proibia a queima de resíduos de agrotóxicos – como materiais de embalagem – em fornos usados para a produção de cimento. Isso porque a queima, além de liberar substâncias tóxicas na atmosfera, pode contaminar produtos de cimento produzidos mais tarde nesses fornos.
A regra seguia uma recomendação da Organização Mundial da Saúde – OMS de que lixos tóxicos sejam incinerados apenas em ambientes controlados, pois podem causar danos à saúde humana.
A outra resolução revogada, datada de 2001, previa a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para projetos de irrigação, definindo critérios de eficiência de consumo de água e energia para a aprovação desses empreendimentos. Esse tipo de licenciamento é importante para que a retirada da água autorizada considere o impacto no ambiente do entorno, na vegetação, nas nascentes dos rios, no uso comunitário e coletivo da água. Mas agora a regra foi abolida.
Especialistas preveem diversos impactos negativos com a medida, especialmente na agricultura familiar, que é grande fonte de alimento saudável para o país. “A crise socioambiental vai acelerar. Se não houver água, uma bacia hidrográfica fluente, todo o conjunto de biodiversidade será prejudicada”, disse Paulo Roberto Martini, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe e ex-conselheiro do Conama.
O Ministério Público Federal – MPF participou da reunião, mas não tinha poder de voto. A representante do órgão, a procuradora regional da república Fátima Borghi, se posicionou contrária à revogação das resoluções, e afirmou que as decisões serão questionadas na Justiça. “Reitero que o MPF tomará as providências cabíveis”, disse a procuradora.
Segundo Borghi, as mudanças nas regras foram feitas sem as audiências públicas necessárias, e o Conama não tem competência jurídica para derrubar tais resoluções.
Esvaziamento do Conselho – O Conama é o principal órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente, sendo responsável pelas regras para uso dos recursos, controle da poluição e da qualidade do meio ambiente em geral.
O Conselho foi alvo de um decreto controverso de Bolsonaro em 2019, que reduziu o número de cadeiras do órgão de 96 para 23 e praticamente anulou a participação da sociedade civil. Com a reformulação, os Ministérios da Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, Desenvolvimento Regional, Casa Civil e a Secretaria de Governo mantiveram representantes no Conselho.
A sociedade civil, que tinha 23 representantes no colegiado e contava com ambientalistas, membros de povos indígenas e tradicionais, trabalhadores rurais, policiais militares e corpos de bombeiros e cientistas, agora tem direito a apenas quatro cadeiras.
“O Conama é um órgão de proteção ambiental, e se a maioria dos assentos é dada para os que defendem interesses que nada têm a ver com o propósito de proteger o meio ambiente, as propostas vencedoras serão sempre as deles. Qualquer coisa proposta já passa, porque eles [o governo] têm maioria”, disse à Deutsche Welle Brasil, José Leonidas Bellem de Lima, procurador do MPF em São Paulo.
Em nota, a organização ambientalista Greenpeace afirmou que as revogações das resoluções são reflexo do esvaziamento do órgão e da limitação da participação da sociedade civil, promovidos pelo governo Bolsonaro. “Enquanto as queimadas devastam nossos biomas e prejudicam nossa biodiversidade, a saúde e o sustento da população, o ministro Ricardo Salles, mais uma vez, mostra que, ao ser inimigo da participação social, o governo é inimigo da coletividade”, diz o texto.
Para o Greenpeace, com as mudanças nas regras ambientais a gestão Bolsonaro ainda mostra que “governa para os setores que mais se beneficiam em curto prazo da desregulamentação da proteção ambiental, como o agronegócio, imobiliários e industriais”.