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Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Crise criada por Bolsonaro revela a incapacidade de mediação política do presidente

Governo

Jair Bolsonaro ainda age e fala como candidato mesmo após 50 dias do início do seu governo. E não há um assessor próximo com influência sobre ele e bom senso para convencê-lo de que a campanha acabou e o jogo a partir de agora é outro. Às vésperas de apresentar ao Congresso Nacional a principal agenda do seu governo, a reforma da Previdência, o mandatário do país não se reuniu com nenhuma liderança do Congresso para debater a pauta, muito menos com parlamentares do seu próprio partido, uma das maiores bancadas da Casa. Pior ainda, cria suas próprias crises. No percalço mais recente, o laranjal do PSL.

Bolsonaro humilhou publicamente, chamando de “mentiroso” nas redes sociais e na TV, um de seus mais próximos aliados, o então ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. O militar reformado não teve coragem de demitir o ministro por conta própria, chamando o filho que ele chama de “pitbull” para ajudar na tarefa de fritura pública. O presidente demitiu um ministro suspeito de participar de esquema de candidaturas-laranja alegando motivo de foro íntimo, mas mantém outro, também envolvido no esquema, Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo, no cargo em que está.

A operação que resultou no afastamento de Gustavo Bebianno revelou-se uma inútil e desastrosa iniciativa política. Foi inútil porque o envio do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência para o olho da rua, não afastou o laranjal do PSL da figura do presidente, pois o ministro Marcelo Álvaro Antônio, envolvido no mesmo escândalo, continua dando expediente na pasta do Turismo. Foi desastrosa porque Bolsonaro conseguiu manter o problema velho criando duas encrencas novas: ganhou um desafeto detentor de muitos segredos – Bebianno foi coordenador da campanha presidencial – e tornou-se um interlocutor inconfiável aos olhos dos congressistas, com os quais o Planalto terá de negociar a aprovação da reforma da Previdência e do pacote anticrime.

Depois de dar um tiro no próprio pé, Bolsonaro precisará batalhar muito para livrar-se dos efeitos da crise que criou para si mesmo. O primeiro desafio será manter Bebianno calado mesmo após ele dizer que “não se dá um tiro na nuca do seu próprio soldado, é preciso ter um mínimo de consideração com quem esteve ao lado dele o tempo todo”. Após a exoneração do ministro, o presidente divulgou um vídeo, em suas redes sociais, tecendo elogios ao ministro “mentiroso”, tudo para impedir que este se torne homem-bomba de seu governo.

Simultaneamente, o presidente precisará convencer deputados e senadores de que sua palavra merece crédito mesmo depois de ter jogado ao mar um ministro declaradamente leal. Além disso, precisará convencer os parlamentares que governa sem a influência dos filhos. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, foi um dos que veio a público criticar a influência da prole do mandatário máximo do país. “A impressão que dá é que o presidente está usando o filho para pedir para o Bebianno sair. E ele é presidente da República, não é? Não é mais um deputado, ele não é presidente da associação dos militares. Se ele está com algum problema, ele tem que comandar a solução, e não pode, do meu ponto de vista, misturar família com isso porque acaba gerando insegurança, uma sinalização política de insegurança para todos”, declarou.

Não há espaço para filhos na liturgia do poder. Muito menos quando provocam mais confusão em um ambiente de disputas políticas onde a liderança do presidente tem peso determinante no encaminhamento das políticas de governo. O problema é que Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro também têm cargos eletivos e milhões de votos, conquistados na esteira do carisma e da popularidade do pai.

Até quando o Brasil poderá continuar aparentemente sem leme e sem saber ao certo quem está tomando decisões à sombra? Manda o presidente ou mandam seus filhos? Mandam os militares que ele levou para o Governo? Mandam os dois ministros mais importantes, o da Economia, Paulo Guedes, e o da Justiça, Sergio Moro?

O que se sabe por hora é que há fantasmas com nomes e sobrenomes que perseguem hoje Bolsonaro e colocam sua presidência em perigo. Entre esses fantasmas estão o ex-policial, Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flavio Bolsonaro e amigo de longa data de Jair Bolsonaro, que teve uma movimentação milionária flagrada pelo COAF, e a quem a polícia não consegue interrogar.

Há também Adriano Magalhães, ex-policial procurado e desaparecido por possivelmente estar envolvido na morte de Marielle, teve a sua mãe e sua esposa trabalhando no gabinete do então deputado e hoje senador Flavio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente, que inclusive o condecorou.

Isso sem mencionar os egos exaltados e as disputas internas envolvendo os parlamentares do PSL.

Enquanto isso, o vice-presidente Hamilton Mourão, está virando o eixo da balança e se tornando o apagador de incêndios, e que não pode ser demitido porque foi sacramentado nas urnas junto com o presidente. Se no passado os vice-presidentes eram jarras de enfeite no poder, desta vez o vice aparece como quem toma decisões, desfaz confusões e aconselha prudência.

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