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Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados

Brasil está há dois meses sem ministro da Saúde em meio a uma pandemia

Saúde

Durante gestão interina de Eduardo Pazuello, a cloroquina ganhou cada vez mais protagonismo nas políticas públicas oficiais do governo federal, houve apagão de dados e o número de casos e mortos decolaram.

Nesta quarta-feira, 15, o Brasil tem um “mesversário” sem muitos motivos para comemorar. Há exatos dois meses, o Ministério da Saúde está sob o comando do interino Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército. Desde a saída do oncologista Nelson Teich – que assumiu no dia 17 de abril, no lugar do também médico Luiz Henrique Mandetta, e pediu demissão em 15 de maio –, a pasta segue com uma gestão recheada de militares que mudou protocolos e rotinas do combate à Covid-19, além de enfrentar dificuldades para cumprir algumas promessas, como a distribuição de 46 milhões de testes.

Neste período, o mais difícil até aqui da pandemia do coronavírus, o país viu o número de casos e mortos decolarem. Em 14 de maio, o Brasil tinha uma média de 9.627 casos diários; ontem, eram 36.650. Em relação aos óbitos, a média passou de 686 mortes para 1.056 no mesmo período. Totalizando, até o momento, 1.926.824 casos e 74.133 mortes.

Com a chegada dos militares à pasta, representados no posto máximo pelo ministro interino, Eduardo Pazuello, o Ministério mergulhou em um clima interno de medo e desconfiança. Na visão de funcionários, cientistas e gestores públicos, a pasta está à deriva justamente quando deveria conduzir o enfrentamento à crise sanitária mais grave do século. “É uma situação sem precedentes no mundo. As entidades globais não conseguem entender como o país que é o segundo em número de óbitos do mundo não tem um ministro efetivo, apenas um interino que não se pronuncia e não transmite nenhum tipo de mensagem num momento crítico do país”, diz Miguel Nicolelis, coordenador do comitê científico do consórcio de governadores do Nordeste.

Ao longo da gestão de Pazuello, em alguns casos, a pasta, que deveria seguir à risca evidências científicas, fez claramente a vontade do presidente Jair Bolsonaro, como nas orientações sobre o uso dos remédios cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, e na frustrada tentativa de alterar a forma de divulgação dos dados da doença. Nesse tempo, o ministério também passou a recomendar que as pessoas passem a buscar unidades de saúde mesmo com sintomas leves.

Cloroquina – Uma das primeiras ações de Pazuello foi publicar o protocolo de tratamento para a Covid-19 que inclui a hodroxicloroquina mesmo quando ainda não há comprovação científica da eficácia do medicamento para a doença. O remédio tem sido defendido por Bolsonaro desde o começo da crise. Depois disso, a pasta passou a informar haver vários estudos favoráveis ao uso dos remédios em pacientes com sintomas leves, embora nenhum deles na parte superior da chamada “pirâmide de evidências”, ou seja, não passaram pelas duas etapas que reúnem com mais segurança evidências favoráveis à aplicação dos medicamentos.

No começo de junho, por pressão de Bolsonaro, o Ministério da Saúde sob comando militar fez uma série de mudanças na forma de divulgação dos números da doença, que puseram em xeque a credibilidade das estatísticas oficiais. Os dados, que eram divulgados às 19h, passaram a ser divulgados apenas perto das 22h, e com isso, segundo disse o próprio Bolsonaro, “acabou matéria do Jornal Nacional”.

O Ministério da Saúde também passou a publicar apenas a quantidade de casos confirmados nas 24 horas anteriores, sem informar o total acumulado. E anunciou que passaria a divulgar a quantidade de mortes ocorridas naquele dia. Como entre os óbitos confirmados nas últimas 24 horas há sempre casos ocorridos em dias anteriores, a mudança faria com que os números parecessem menores do que realmente são.

Todas as mudanças feitas foram suspensas graças a uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal – STF. Ele determinou que o Ministério retomasse a forma tradicional de divulgação dos números, considerando todos os casos confirmados nas últimas 24 horas, e informando o total acumulado.

Testes e respiradores – Em 24 de junho, o Ministério da Saúde reafirmou o plano da gestão Teich de distribuir 46 milhões de testes à população. Mas, segundo o portal “Localiza SUS”, do próprio ministério, foram distribuídos 12,5 milhões de testes até ontem, ou seja, apenas 27%.

Quando ainda era secretário executivo, às vésperas de assumir o Ministério, Pazuello anunciou em coletiva a compra de 16 mil respiradores que teriam a entrega diluída entre os meses de maio, junho e julho. Até o momento, no entanto, de acordo com a pasta, dos 16.252 ventiladores pulmonares menos da metade, ou 6.549 foram entregues. A pasta afirmou que as entregas têm ocorrido de acordo com a capacidade de produção das empresas. Os cinco contratos firmados pelo órgão para disponibilização do equipamento totalizam R$787,5 milhões. A pasta destacou que embora esteja utilizando seu poder de compra devido à crise sanitária, a aquisição desses equipamentos é responsabilidade dos estados.

Perda de protagonismo – O mais alto órgão da Saúde no país vem perdendo protagonismo durante a crise. Na teoria, seu papel seria definir as regras, regulamentar e financiar as políticas de enfrentamento ao vírus. Caberia a Estados e Municípios executarem a estratégia nacional na ponta. Mas o comportamento errático do presidente – que se posicionou contra as medidas de isolamento social necessárias para frear o contágio do coronavírus – levou o Supremo Tribunal Federal a deixar que prefeitos e governadores tomassem as decisões sobre este ponto.

O governo federal tem usado a decisão como argumento para esvaziar seu papel de coordenador da gestão da epidemia. Virou essencialmente um receptor da demanda posta pelos gestores locais, que frequentemente pedem o envio de respiradores, medicamentos e testes para tratar pacientes infectados. “Houve momentos da pandemia que era impossível estabelecer um diálogo com o Ministério da Saúde. O ministro Pazuello tem se esforçado por um diálogo mais próximo com os secretários”, elogia o presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais da Saúde, Carlos Lula. Mas, segundo especialistas, o Brasil ainda enfrenta uma desarticulação nas ações para conter a epidemia.

“Não estamos olhando o território nacional, apenas porções territoriais. É como se não vivêssemos uma relação entre os entes federados”, avalia o enfermeiro sanitarista Dário Frederico Pasche, doutor em saúde coletiva e membro da Comissão de Política, Planejamento e Gestão da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco. Pasche, que trabalhou por dez anos no Ministério da Saúde, diz que há deficiência propositiva na pasta sobre as ações da pandemia. Ele analisa que manter a pasta sem um chefe titular e sob o comando interino de um militar sem familiaridade com a área é uma estratégia para seguir a linha errática defendida por Bolsonaro, que tem criticado o isolamento social e tentado se eximir da responsabilidade de minimizar as mortes pelo coronavírus, enquanto o país já soma mais de 74 mil óbitos.

“Essa interinidade [de Pazuello] é uma intervenção política. É o álibi para que o Ministério da Saúde não funcione. E ele não funcionando, acaba delegando para os outros entes atividades de coordenação que não competem a eles. Falta inteligência política e coordenação [nas ações de enfrentamento da pandemia] que cabe ao Ministério”, afirma Pasche. Sem orientações claras, municípios têm adotado seu próprio protocolo de tratamento da Covid-19, com vermífugos e outros medicamentos que não têm sequer sua eficácia comprovada. “Temos militares fazendo jogo da necropolítica. Em quase dois meses, não se construiu uma estratégia nacional de combate ao vírus”, acrescenta. Lembrando que Pazuello trocou nomes técnicos da pasta por militares. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, ao menos 28 fardados assumiram cargos variados.

A falta de comando foi alvo de duras críticas por parte do ministro do STF, Gilmar Mendes. Ao participar de um debate online da Revista IstoÉ, o ministro afirmou: “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção, é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”.

Fonte: Com O Globo, El País e IG

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