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Foto: Carolina Antunes/PR

Bolsonaro troca seis Ministérios para acomodar Centrão e tentar sair das cordas

Política

Mudanças envolvem Justiça, que vai para o delegado da PF Anderson Gustavo Torres, ligado ao senador Flávio Bolsonaro, e Secretaria de Governo, que ficou com deputada Flávia Arruda (PL-DF). Também houve mudanças na Defesa, Casa Civil e Advocacia-Geral da União.

O presidente Jair Bolsonaro fez uma reforma ministerial que mexe com quase um quarto de seus 22 Ministérios, incluindo a estratégica pasta da Defesa em um governo que deseja exibir simbiose com as Forças Armadas. Sob pressão com a crise do coronavírus, que transformou o Brasil num epicentro mundial de mortes e ameaça comprometer a recuperação econômica, o Planalto trocou seis ministros para evitar a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito e barrar qualquer tentativa de abertura de processo de impeachment.

Com a dança das cadeiras, Bolsonaro busca atender as demandas de sua base parlamentar, cujo eixo é o volátil grupo do Centrão, depois de o presidente da Câmara, Arthur Lira, ameaçar o governo em alto e bom som.  “Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais”, disse, numa referência explícita ao impeachment. As mudanças ocorreram nas pastas de Relações Exteriores, Defesa, Casa Civil, Secretaria de Governo, Justiça e Advocacia Geral da União. Outros dois cargos ainda devem ser trocados nesta semana: Meio Ambiente, um calcanhar de Aquiles para a imagem do governo no exterior, e Secretaria-Geral da Presidência, conforme interlocutores do governo informaram à reportagem do El País.

Houve ainda mudança em funções de segundo escalão, como a Secretaria da Educação Básica, do Ministério da Educação. E está prevista também uma troca em toda a diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, esses são dois dos setores que compõem a maior parte dos recursos do MEC, uma das pastas de maiores verba da Esplanada dos Ministérios. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi preservado, desde que cedesse os cargos ao Centrão. Outras alterações estão previstas para ocorrerem em órgãos vinculados ao Ministério da Economia, como a Dataprev e o Serpro. O mesmo grupo também está de olho em indicações em cargos de segundo e terceiro escalões do Ministério da Saúde, recém-assumido por Marcelo Queiroga em substituição ao general Eduardo Pazuello.

Deixaram de vez o Governo os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, da Defesa, Fernando Azevedo e Silva e da AGU, José Levi Melo Amaral. Eles serão substituídos, respectivamente, pelo diplomata Carlos Alberto França, considerado pouco expressivo, o general Walter Braga Netto e o advogado André Mendonça. Os dois últimos já estavam na gestão, nos Ministérios da Casa Civil e da Justiça. Para o lugar de Braga Netto, houve um novo remanejamento: ocupará a função o general Luiz Eduardo Ramos, que deixa a Secretaria de Governo que acomodará a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF). A Justiça agora está a cargo do delegado da Polícia Federal Anderson Torres, que era até esta segunda-feira Secretário da Segurança Pública do Distrito Federal na gestão Ibaneis Rocha (MDB). Torres é uma indicação pessoal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), de quem é amigo, e tem o apoio de parte da bancada do MDB e do Centrão.

A queda de Ernesto Araújo já era dada como favas contadas, depois dos seguidos atritos que ele teve com o Senado Federal e com representações diplomáticas de outros países, principalmente com a da China. Os chineses são os principais parceiros comerciais do Brasil. A escolha do sucessor de Araújo surpreendeu boa parte dos analistas. Em princípio, o favorito era Luís Fernando Serra, atual embaixador em Paris que é visto como um radical, assim como o ministro demissionário. Porém, Bolsonaro escolheu seu antigo chefe do cerimonial e atual chefe da assessoria especial da Presidência, Carlos Alberto França, um discreto diplomata que nunca chefiou postos no exterior. A principal diferença entre o entrante e Araújo é que o novo ministro não é adepto da doutrina de Olavo de Carvalho, o escritor da ultradireita tido como o ideólogo do bolsonarismo. A ala ideológica do governo está cada vez mais enfraquecida.

Radicalizando a Defesa – De todas as seis trocas, a menos esperada era na Defesa. Sempre que precisava se aconselhar com a ala militar, Fernando Azevedo era chamado para a conversa, ao lado de Braga Netto, Ramos e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno. “O general Fernando sempre desenvolveu um bom trabalho. Ninguém nunca imaginou que ele deixaria o cargo”, apontou o presidente da chamada “bancada da bala” na Câmara, capitão Augusto Rosa (Republicanos-SP).

A relação de Bolsonaro com o seu ministro da Defesa se desgastou nos últimos meses porque ele não declarava apoio formal ao seu governo. E também porque se negava a demitir duas figuras que o presidente considerou que o afrontavam, o comandante do Exército, Edson Pujol, e o chefe do Departamento-Geral de Pessoal da mesma força, o general Paulo Sérgio.

No ano passado, Pujol se demonstrou preocupado com a proliferação do coronavírus. Em uma solenidade, negou-se a tocar na mão do presidente Bolsonaro e o cumprimentou com um toque de cotovelos. Já Paulo Sérgio concedeu uma entrevista no fim de semana ao Correio Braziliense na qual destacou que no Exército morria menos pessoas de Covid-19 do que no restante da população porque a instituição decidiu apostar em campanhas de distanciamento social, uso de máscaras, isolamento e testagem em massa para evitar contaminações nos quartéis. Foi na contramão do que prega o presidente, um negacionista da crise.

Ao deixar o cargo, Fernando Azevedo deixou no ar a insatisfação e traçou uma linha que diz não ter querido cruzar enquanto ministro. “Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, disse em sua carta de demissão. No meio militar e entre quem estuda o tema há a preocupação de que ocorra um recrudescimento das ações e de que o presidente tente trazer ainda mais o Exército, a Marinha e a Aeronáutica para a seara política. Alguns veem Braga Neto como mais alinhado a Bolsonaro e, portanto, mais radical que seu antecessor. No Congresso, o novo ministro sempre foi chamado de “o interventor”, por já ter sido nomeado interventor federal na área da Segurança Pública no Rio de Janeiro, durante a gestão do presidente Michel Temer (MDB).

Outros rumos – Outro que desagradou a Bolsonaro nos últimos meses foi José Levi, da AGU. Ele se negou a assinar uma ação apresentada no Supremo Tribunal Federal – STF que tinha como objetivo impedir que Estados e Municípios decretassem lockdowns como medidas de restrição de circulação de pessoas para evitar a proliferação do coronavírus. O presidente firmou a ação sozinho e ela foi rejeitada pelo STF.

Com a demissão, o presidente decidiu enviar de volta à AGU seu fiel aliado, André Mendonça, que estava no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Dessa maneira liberou mais uma vaga para indicação de parlamentares. O delegado Anderson Torres chegou a ser cogitado para assumir a Polícia Federal no ano passado, mas não obteve o apoio necessário à época. Agora, ele teve apoio de parte da bancada do MDB e do Centrão, além do apadrinhamento do senador e primogênito do presidente. A expectativa é que ele promova novas mudanças na pasta.

A expectativa em Brasília é que o núcleo ideológico do governo seja quase totalmente desfeito com a demissão de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente. O presidente sofre pressão para trocá-lo nos próximos dias. Outro que deve ser substituído é Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Ele é deputado federal e nos últimos meses tem tido sua influência reduzida na gestão.

Fonte: El País

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