Bolsonaro ataca governadores, distorce falas do passado e contesta dados de mortos por Covid-19
Política
Não durou muito o “tom moderado” do presidente da República, na quinta-feira, 11, Bolsonaro voltou a distorcer a decisão tomada pelo STF; disse que nunca foi contra a vacina, mesmo com falas e recusas do seu governo de comprar o insumo. Além disso, o presidente ainda chamou de 'estado de sítio' toque de recolher no DF.
No dia seguinte ao fazer o básico por usar máscara e adotar tom moderado em discurso sobre a pandemia, o presidente Jair Bolsonaro voltou a distorcer dados, negar omissão do governo federal e atacar governadores que tentam conter o avanço da pandemia no país. As declarações foram feitas em videoconferência organizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae. Na participação, que durou pouco mais de meia hora, em ao menos cinco vezes, o presidente disse informações inverídicas.
O presidente disse que mortes ainda sob suspeita da Covid-19 são somadas a dados oficiais para inflar números da pandemia. “Tenho vários atestados de óbito comigo. Várias comorbidades. E lá embaixo está escrito: ‘Suspeita de Covid’. Entra na estatística de morte por Covid-19”, disse Bolsonaro, no momento em que criticava determinações de governadores para reduzir a circulação de pessoas.
Além de não apresentar provas, o presidente contradiz dados do próprio Ministério da Saúde. Diariamente a pasta divulga balanço da pandemia e aponta o número de óbitos que tem a Covid como suposta causa, mas ainda estão em investigação. Os dados de quarta-feira, 10, por exemplo, mostram 2,286 mortes por Covid-19 foram confirmadas nas 24 horas anteriores – um recorde. Destas, 1.773 ocorreram nos últimos três dias. O restante, em outras datas. Além disso, a Saúde informou que 2.930 mortes estavam em investigação para confirmar se foram causadas pela Covid-19 ou não.
O Ministério tem cartilhas sobre a notificação de óbito por Covid e até mesmo para pessoas infectadas, mas que morreram de outras causas, como uma queda após um escorregão. Segundo a pasta, a investigação médica definirá se a Covid-19 foi a causa direta do falecimento e se o caso fará parte das estatísticas da pandemia. A pasta também admite o diagnóstico clínico, ou seja, sem um teste da Covid-19, mas lista alguns critérios, como ter tido contato com alguém com caso confirmado.
Ainda que casos tenham sido indevidamente somados aos dados da Covid-19, o número de óbitos além do esperado durante a pandemia, escancaram a gravidade da doença. Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conass, morreram 234,8 mil pessoas a mais no País até 1.º de fevereiro, na comparação sobre a média para o mesmo período em anos passados. Desde essa data, diversos Estados ainda entraram em colapso.
A afirmação distorcida de Bolsonaro foi feita no momento em que o governo está sob forte pressão pela explosão de internações e omissão para controlar a pandemia. Nesta semana, o Ministério da Saúde admitiu que a campanha de vacinação pode parar por falta de vacinas e que o descontrole do vírus no país é uma preocupação para o resto do mundo.
OMS contra o lockdown – Em seu discurso nesta quinta-feira, 11, o presidente voltou a criticar medidas para evitar a circulação de pessoas para conter a propagação do vírus, como o fechamento do comércio não essencial e “lockdowns”. “O efeito colateral do combate ao vírus está sendo mais danoso que o próprio remédio. Lockdown não é remédio”, declarou. O presidente ainda afirmou que até a “desacreditada” Organização Mundial da Saúde – OMS rejeita o lockdown.
Esta versão contrasta com recomendações de Jarbas Barbosa, vice-diretor da Organização Pan-Americana de Saúde – Opas, braço da OMS na América. Em entrevista ao Estadão neste mês, Barbosa disse que o Brasil deve tomar medidas “enérgicas”, como um lockdown, senão a pandemia só irá piorar.
Ainda questionando as medidas de isolamento, o presidente disse que o toque de recolher no Distrito Federal é um estado de sítio e que, por ser uma medida “extrema”, só ele e o Congresso Nacional poderiam sugerir a medida.
O estado de sítio é um mecanismo que possibilita restrições a direitos ou medidas excepcionais para conter algum tipo de abalo à ordem pública.
“Falamos de estado de sítio quando há uma profunda instabilidade institucional ou uma profunda comoção social: uma rebelião, uma revolução, tentativa de golpe. Neste caso agora, estamos diante de uma situação de crise sanitária, crise de saúde”, afirma Marcelo Weick Pogliese, professor de direito da Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
Além da Constituição prevê que é competência comum dos estados, municípios e da União cuidar da saúde, a Lei 13.979/2020, sancionada por Jair Bolsonaro, autoriza as restrições de circulação.
Corrida pela vacina – Bolsonaro também reagiu a críticas sobre demora para a compra de vacinas. “Abrimos pra comprar com praticamente todos os laboratórios, depois de aprovado pela Anvisa, como sempre disse”, afirmou. “A acusação de negacionista, terra planista, genocida, não cola. Demonstrei aqui que o governo tudo está fazendo, desde o começo. Não podemos eleger um responsável pelo seu insucesso. Todos nós somos responsáveis”, alegou o presidente.
Em 2020, porém, o presidente afirmou que não compraria a Coronavac, desenvolvida na China, por causa da “origem” do medicamento. Também rejeitou propostas da Pfizer e chegou a falar, em tom irônico, que o laboratório não responderia caso alguém se transformasse em jacaré após receber a dose.
Em dezembro, Bolsonaro também disse que a pressa pela chegada dos imunizantes “não se justifica” e que as farmacêuticas é que deveriam estar interessadas em negociar com o governo. “Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, quem quer vender (que tem). Se sou vendedor, eu quero apresentar”, disse Bolsonaro em 28 de dezembro. Na mesma ocasião, disse que não tomaria a vacina quando ela estivesse disponível.
Supremo restringiu ação do governo – Criticado por se omitir diante do avanço da covid-19 no País, Bolsonaro voltou a se defender distorcendo uma decisão do Supremo Tribunal Federal para se eximir de responsabilidade sobre o enfrentamento da pandemia. “Daqui a pouco a gente vai ter meia hora pra sair na rua. E nós continuamos ficando quietos. Vocês podem falar: ‘É um direito deles, de acordo com a decisão do Supremo'”, disse Bolsonaro, em referência ao toque de recolher imposto no Distrito Federal.
Diferentemente do que diz o presidente, a decisão do Supremo assegurou aos Estados e municípios autonomia para tomar medidas que tenham como objetivo tentar conter a propagação da doença, mas não exime a União de realizar ações e de buscar acordos com os gestores locais.
Ação na pandemia – Em outra declaração que representa uma distorção, Bolsonaro disse ter agido desde o início da pandemia. “Desde o primeiro momento, o nosso governo se preocupou e tomou medidas para conter o, ainda desconhecido, Covid-19”, afirmou o presidente.
Apenas em março do ano passado, quando os casos do novo coronavírus já haviam chegado ao país e a OMS declarou a pandemia, Bolsonaro minimizou a doença. Após dizer se tratar de “histeria” e “fantasia”, convocou rede nacional de TV e rádio para dizer que não passava de uma “gripezinha”, além de dizer que a situação não poderia ser tratada como “se fosse o fim do mundo”.