App do Ministério da Saúde que recomendava cloroquina até para bebês é retirado do ar
Saúde
Plataforma foi criada para auxiliar profissionais de saúde, mas qualquer pessoa podia acessá-la. Governo federal diz que aplicativo havia sido ‘ativado indevidamente’, mas que retirada é ‘momentânea’.
Após receber críticas por recomendar medicamentos sem eficácia comprovada e que podem até agravar o quadro clínico de pacientes com suspeita de covid-19, a plataforma TrateCOV foi retirada do ar. O sistema foi lançado pelo Ministério da Saúde na semana passada, em Manaus, e era destinado à orientação de profissionais de saúde sobre possíveis tratamentos do novo coronavírus. Em nota, o Ministério alegou que o aplicativo havia sido “invadido e ativado indevidamente” e disse que a retirada foi “momentânea”. “Informamos que a plataforma TrateCOV foi lançada como um projeto-piloto e não estava funcionando oficialmente, apenas como um simulador”, reiterou.
O aplicativo foi criticado nos últimos dias por insistir em recomendar medicamentos cuja ineficácia para o tratamento do novo coronavírus já foi comprovada em estudos, caso da cloroquina e a hidroxicloroquina, por exemplo. Isso motivou uma recomendação e um pedido de retirada da plataforma do ar, abertos pelo Conselho Federal de Medicina – CFM e pelo deputado federal Marcelo Freixo (PSOL).
Como mostrou o Estadão, o aplicativo recomendava o uso de antibióticos, cloroquina, ivermectina e outros fármacos para náusea e diarreia ou para sintomas de uma ressaca, como fadiga e dor de cabeça, inclusive para bebês. O uso de remédios sem comprovação científica preocupa especialistas, que veem risco de reações adversas, resistência bacteriana e efeitos desconhecidos em longo prazo. O aplicativo recolhia dados do paciente como idade, peso, altura e comorbidades. A idade, no entanto, não interferia na pontuação de “gravidade” apresentada pelo sistema – nem, portanto, no tratamento sugerido.
Segundo o governo federal, o diagnóstico ocorria por meio de um sistema de pontos que obedecia “rigorosos critérios clínicos”. O teste com o produto foi feito em Manaus, onde mais de 340 profissionais de saúde foram cadastrados no sistema.
Segundo o CFM, uma análise técnica e jurídica identificou “inconsistências” na plataforma, tais como permitir o acesso por não médicos, dar validação “a drogas que não contam com esse reconhecimento internacional”, induzir à automedicação e à interferência na autonomia dos médicos e, por fim, não deixar claro “em nenhum momento, a finalidade do uso dos dados preenchidos pelos médicos assistentes”. “Diante do exposto, o CFM pediu ao Ministério da Saúde a retirada imediata do ar do aplicativo TrateCov”, manifestou-se em nota divulgada na quinta-feira, 21.
MPF pede explicações – O Ministério Público Federal – MPF cobrou explicações do Ministério da Saúde sobre a ferramenta TrateCov que recomenda o uso de medicamentos sem comprovação científica contra a Covid-19 como a cloroquina. A cobrança foi feita por meio de um ofício enviado ontem ao Ministério. Os procuradores querem saber, entre outras coisas, em quais evidências científicas o governo se baseou para que a ferramenta sugerisse determinados medicamentos como tratamento precoce contra a Covid-19. O sistema está fora do ar no momento.
Entre as perguntas estão: “Quais as evidências científicas utilizadas para que a sugestão de prescrição de medicamentos seja feita por pontos”; “quais os critérios clínicos usados para a sugestão de cada um dos medicamentos”; e “quais órgãos e servidores responsáveis pela operação do aplicativo e guarda dos dados”.
O MPF pediu ainda que o Ministério da Saúde forneça uma cópia do processo administrativo que contém os documentos referentes à criação do aplicativo. A pasta tem 10 dias úteis para responder às perguntas.