Em três meses, quase triplica o número de mortes de profissionais da enfermagem no Brasil
Coronavírus
Com a negligência do governo, falta de investimento no SUS e desvalorização dos profissionais, país é recordista mundial em número de casos e óbitos de profissionais de saúde. O Brasil já perdeu 350 profissionais da enfermagem e 217 médicos.
De acordo com informações do Conselho Federal de Enfermagem – Cofen publicadas na última semana, quase triplicou o número de mortes de enfermeiros durante a pandemia. Os dados são do Observatório da Enfermagem, site criado pelo Cofen para concentrar os números de infectados, mortos e internados. Conforme o Observatório, pelo menos nove profissionais morreram em menos de 24 horas, elevando de 341 para 350 o número de óbitos na categoria no país.
Em maio, o país registrava 130 óbitos e o Brasil já era recordista mundial. “A triste e desonrosa – para o país – medalha de ouro ainda é nossa”, diz o Cofen em nota.
Os Estados Unidos e a Itália, países que foram epicentros da pandemia do novo coronavírus, juntos, registraram 204 óbitos de enfermeiros, segundo dados de julho do National Nurses United e Federação Nacional dos Enfermeiros da Itália – FNOPI.
Foi o caso do trabalhador do Serviço de Assistência Especializada de Porto Velho, em Rondônia, e membro do Conselho Regional de Enfermagem do Estado, Raimundo Socorro Lopes Lamarão, faleceu na segunda-feira passada, 10, vítima da Covid-19.
“A negligência do governo de Jair Bolsonaro gera comportamentos de risco na sociedade, que tem a sensação de que a doença não é tão grave e intensifica o afrouxamento do isolamento social. Isso aumenta o risco do número de óbitos e casos da doença entre a população e com isso os profissionais de saúde ficam mais expostos, se contaminam e morrem mais”, afirma o diretor do Cofen e enfermeiro em Brasília, Gilney Guerra. Para ele, se o país tivesse mais investimento no Sistema Único de Saúde estes números seriam bem menores.
SUS sucateado antes da pandemia – “Só agora muitas pessoas entenderam o valor do SUS, que mesmo sucateado tem sido determinante para salvar vidas. Se as unidades de saúde tivessem mais equipadas, os profissionais de enfermagem tivessem mais treinamentos e os Equipamentos de Proteção Individual – EPI fossem de melhor qualidade estes números seriam menores, não só para os trabalhadores da saúde, mas para toda sociedade”, afirma o diretor do Cofen.
Em julho, segundo relatório do Tribunal de Contas da União – TCU, o Ministério da Saúde, que está sem ministro efetivo há três meses, investiu apenas 26% dos recursos que recebeu para o combate a pandemia. E é um dinheiro que poderia ter ajudado a salvar muitas vidas, aponta o enfermeiro.
Denúncia em Tribunal Internacional – No dia 27 de julho, a Rede Sindical Brasileira UNISaúde, que representa mais de um milhão de profissionais do setor no país, denunciou Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional, Corte sediada em Haia, na Holanda, que julga graves violações de direitos humanos, como genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. A organização acusa Bolsonaro de crime contra a humanidade e genocídio por sua atuação na pandemia. Já é a quinta representação contra o governo.
Profissionais da saúde são os mais impactados – São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Amazonas e Mato Grosso foram os estados que mais registraram óbitos de profissionais de enfermagem. São as mulheres, entre 41 e 50 anos, a maioria entre os que perderam a vida para a Covid-19, segundo o Observatório da Enfermagem.
Entre os profissionais, os enfermeiros são os que mais morrem pela doença, mas os trabalhadores da saúde como um todo são as maiores vítimas da pandemia.
Dos casos confirmados de síndrome gripal por Covid-19, segundo a Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, os que mais são contaminados são os técnicos e auxiliares de enfermagem (62.633), seguidos dos enfermeiros (26.555) e médicos (19.858).
217 médicos mortos pela Covid-19 – Levantamento feito pelo Sindicato dos Médicos de São Paulo – Simesp, na última semana, quando o país registrou a marca de 100 mil óbitos pela doença, revelou que a categoria perdeu 217 médicos vítimas da Covid-19. São Paulo, Rio de Janeiro e Pará foram os estados que mais perderam médicos que estavam na linha de frente do combate à doença.
A maioria dos mortos é homem com mais de 60 anos, grupo considerado de risco pela Organização Mundial de Saúde – OMS.
Desvalorização dos profissionais de saúde – Para a médica e diretora do Simesp, Daniela Menezes, não se pode normalizar as mortes e os casos de coronavírus como Bolsonaro tem tentado minimizar desde o início da pandemia. O governo, segundo ela, o descaso do governo federal com a doença, tratando como a gripezinha, desconsiderando as mortes da população e dificultando as ações de saúde no combate à doença, é que mantêm uma curva ascendente no país.
Além disso, ela afirma que a categoria também tem enfrentado um aprofundamento da precarização do trabalho nesta crise em todos os âmbitos. “Neste momento de pandemia, deveríamos estar vendo uma valorização dos profissionais da saúde, porém, o Estado tem contratado terceirizado, sem vínculo empregatício, sem garantia de direitos e muito menos garantias de retorno ao posto de trabalho, caso o profissional precise de uma licença de saúde, inclusive nos casos de Covid-19”, ressalta.
Gilney também lembra o descaso com os profissionais de enfermagem, que não tem um piso salarial digno, mesmo com nove Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional.
“Nós estamos morrendo por dar à cara a tapa e combatendo esta doença de frente, assim como também fazemos no combate a várias doenças, como tuberculose, dengue, H1N1, cuidando de idosos e crianças sem olhar raça, credo e classe social. A valorização tinha que vir há muito tempo. As palmas da população a gente aceita como homenagem, agora dos políticos a gente quer mais!”, enfatiza o enfermeiro da capital federal.
Além disso, aponta ele, Bolsonaro vetou indenização que poderia ressarcir os profissionais de saúde por terem combatido uma boa guerra e isso mostra mais uma vez o valor que este governo dá para a categoria.
“O soldado que vai para guerra e morre a família é indenizada e é condecorada e nós, que também estamos numa guerra contra um vírus que mata milhões de pessoas, não temos este direito. Esta doença pode ter sequelas e os profissionais de enfermagem muitas vezes são arrimos de famílias, como será a vida destes profissionais que sobreviverem e que estão combatendo esta guerra diariamente?”, questiona Gilney.