Brasil enfrenta falta de Coronavac para segunda dose
Saúde
Em cidades de ao menos 18 estados, faltam doses para complementar imunização com a vacina do Butantan. Um problema de organização e que pode ter efeito sobre a proteção contra a Covid-19.
Até o início da segunda-feira, 3, a aplicação da segunda dose da Coronavac, vacina fundamental no programa de imunização brasileiro contra a Covid-19, estava suspensa em pelo menos nove capitais e centenas de outras cidades menores, em 18 estados. A paralisação da vacinação não é exatamente uma novidade no Brasil, já tendo ocorrido em vários estados. Mas antes o que acontecia era a interrupção da convocação de novos grupos prioritários – a aplicação da segunda dose continuava, porque estava reservada.
Agora está faltando vacina também para quem já havia recebido a primeira dose. Isso, aliado ao fato de centenas de milhares de brasileiros não terem voltado para complementar a imunização com a Coronavac, preocupa especialistas.
Segundo uma pesquisa do final de abril da Confederação Nacional de Municípios – CNM, quase um terço das cidades brasileiras ficaram sem a segunda dose da Coronavac. O problema seria mais grave na região Sul do país – ali, quase metade das prefeituras disse ter interrompido a vacinação com a segunda dose.
Na raiz da crise, segundo especialistas e a própria atual gestão do Ministério da Saúde, está uma comunicação de março da pasta de que doses não precisariam ser guardadas para aplicação em que já recebeu a primeira.
A Coronavac é produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Atualmente, cerca de três em cada quatro pessoas vacinadas no Brasil receberam o imunizante.
Por que a segunda dose da Coronavac é tão importante – Duas vacinas são atualmente aplicadas no Brasil: a Coronavac e o imunizante da AstraZeneca, desenvolvido em parceria com a Universidade de Oxford e produzido no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz.
A vacina da AstraZeneca-Oxford deve ter a segunda dose aplicada em intervalo de três meses. Mas a da Coronavac tem melhor eficiência comprovada quando a segunda dose é aplicada em um intervalo de 21 a 28 dias.
Um recente estudo realizado no Chile mostrou que a Coronavac é apenas 16% eficaz após a primeira dose. O estudo, que analisou a eficácia da vacina entre 10,5 milhões de pessoas, descobriu que a proteção contra a forma sintomática da doença aumentou de 16% para 67% com a segunda dose. Como comparação, a vacina da AstraZeneca é 76% eficaz duas semanas após a primeira injeção.
A taxa de eficácia obtida com pessoas que levaram apenas uma aplicação é baixa, registrando 16% – isto é, de 100 pessoas que tiveram contato com o vírus depois de tomar uma dose, 84 se infectaram e apresentaram sintomas.
Os índices de eficácia para casos que demandam internação em enfermaria – 35,65% e em UTI – 42,70% são maiores, mas seguem sendo considerados de baixa proteção. No caso de mortes por Covid-19, a taxa de eficácia com apenas uma dose foi de 40,23%.
A conclusão do estudo chileno foi clara: apenas uma dose da Coronavac não é suficiente para proteger contra uma infecção pelo coronavírus. “A efetividade com uma única dose é baixa. Por isso temos que insistir em que todos tomem a segunda dose para garantir um nível de proteção adequada”, afirma o diretor de pesquisa do Instituto Butantan, Ricardo Palácios.
Incógnita sobre atrasar demais a segunda dose – Os dados de eficácia das vacinas são baseados em protocolos, e segundo especialistas não está claro o que pode ocorrer se as pessoas forem muito além dos 28 dias previstos para a segunda dose.
Ou seja, ainda não existem dados sobre a diferença na taxa de eficácia com o atraso das doses. Existe apenas a certeza em relação à Coronavac: apenas uma dose não garante a imunização.
Segundo recomendação do Ministério da Saúde de 27 de abril, quem não tomou a segunda dose dentro do prazo de até 28 dias deve recebê-la mesmo assim. “É improvável que intervalos aumentados entre as doses das vacinas ocasionem a redução na eficácia do esquema vacinal”, diz o texto.
Especialistas dizem que atrasos devem ser evitados, porque a proteção não é assegurada até que a segunda dose seja aplicada.
No último dia 28, em entrevista coletiva, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse que, mesmo que a pessoa tome a segunda dose 15, 20 ou até 30 dias após a data prevista, não há interferência no esquema vacinal.
A origem da crise – Em nota na última sexta-feira, 30, o Butantan disse não ter “responsabilidade pelo atraso na aplicação da segunda dose da Coronavac”.
“O Butantan produz e entrega a vacina contra a Covid-19 ao Ministério da Saúde, responsável pelo planejamento e distribuição”, disse o Instituto no Twitter. “Até aqui, o Butantan fez suas entregas cumprindo o contrato que assumiu. A programação para usar o estoque da segunda dose para aplicar a primeira dose cabe aos municípios, a partir de orientações do Ministério da Saúde”.
Especialistas apontam que o Ministério da Saúde não seguiu a indicação de epidemiologistas de guardar vacinas que exigem duas doses para garantir a imunização completa.
Segundo o próprio atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, as mudanças na estratégia da vacinação contra a Covid-19 na gestão de seu antecessor, Eduardo Paziello, colaboraram para a atual falta de vacinas em vários estados brasileiros.
Levantamento do jornal O Globo mostrou que municípios em pelo menos 18 estados suspenderam a aplicação da segunda dose da Coronavac: Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Amapá, Sergipe, Rondônia, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e São Paulo.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, mais da metade das capitais do país está com falta de Coronavac, e outras sete têm disponibilidade limitadas do imunizante.
Em fevereiro, Pazuello divulgou a orientação para que as cidades usassem todo o estoque da primeira dose, sem se preocupar com a segunda. O Ministério da Saúde voltou atrás poucos dias depois: a segunda dose deveria ser guardada. Mas apenas um mês depois, o ministério voltou a dizer que todas as vacinas armazenadas para garantir a segunda dose poderiam ser utilizadas como primeira dose.
Em 26 de abril, Queiroga disse, no Senado, que a orientação mudou e que seu Ministério recomenda agora que os estados armazenem metade do estoque para a aplicação da segunda dose.
Outro problema foi a falta de insumos vindos da China, que chegou a levar à paralisação da fabricação e atrasos na entrega da Coronavac. Em 6 de maio, o estado de São Paulo espera entregar mais um milhão de doses da vacina ao governo federal. Não há estimativas oficiais de exatamente quantas doses faltam no Brasil para finalizar a imunização de quem já recebeu a primeira dose.