26
Foto: AP Photo/Leo Correa

Três anos depois, mais um mar de lama e sangue

Brasil

Em 5 de novembro de 2015, o Brasil e o mundo assistiram, perplexos, ao maior desastre ambiental do país. A tragédia de Mariana, como ficou conhecida, causada por rompimento de barragem na cidade histórica mineira, levou à morte de 19 pessoas e ao derramamento de 32 bilhões de litros de rejeitos no Rio Doce, que se espalharam por mais de 600 km. A obra pertencia à Samarco, mineradora controlada pela anglo-australiana BHP Billiton e pela brasileira Vale.

Pouco mais de três anos depois que os rejeitos destruíram distritos e deixaram milhares de moradores da região sem água, sem casa e sem trabalho, e sem punição pelos responsáveis, sem ninguém preso, a história se repete no mesmo Estado, desta vez, na cidade de Brumadinho, também na região metropolitana de Belo Horizonte.

O volume do vazamento agora é menor, 12,7 bilhões de litros. Mas desta vez, em Brumadinho, há mais vítimas: 60 mortes haviam sido confirmadas até a manhã desta segunda-feira, 28, e centenas de pessoas, em sua maioria funcionários da Vale, estão desaparecidas.

Dois crimes ambientais que envolvem mesma mineradora, a Vale, a mesma região, o mesmo tipo de construção e que geraram perdas humanas e ambientais irreparáveis demonstram que o país não aprendeu nada com seus erros.

A máxima brasileira nos mostra que é errando que se aprende a errar. O país parece vocacionado para os grandes erros. A alma dos poderosos do país não se satisfaz com pequenas falcatruas e desastres insignificantes. Nosso mar de lama é sempre maior que o dos outros. O rombo é de bilhões de reais. O rejeito tóxico de minérios é de milhões de metros cúbicos.

Segundo revelou a jornalista Cristina Serra, autora do livro sobre Mariana, o colapso da barragem era uma tragédia anunciada. O processo de licenciamento foi um faz de conta, atipicamente rápido para estrutura da complexidade de uma barragem, cheio de falhas e omissões.

Não custa lembrar ainda que, na época do desastre, a legislação brasileira nem sequer exigia das empresas que instalassem sirenes para alertar trabalhadores e povoados próximos em caso de emergência. Com esse cenário, não é difícil imaginar que as mineradoras fazem, basicamente, o que bem entendem.

Logo após o desastre de Mariana, o Ministério Público de Minas Gerais fez a campanha Mar de Lama Nunca Mais, que recebeu 60 mil assinaturas da população dando suporte a projeto de lei que tornava o processo de licenciamento de grandes empreendimentos mais rigoroso. O projeto foi engavetado e os deputados mineiros aprovaram mudança na legislação exatamente no sentido contrário, afrouxando as regras.

No Congresso Nacional não foi diferente, projeto do Senado que endurecia a Política Nacional de Segurança de Barragens – PNSB não prosperou na Casa e foi arquivado no final do ano passado, em razão do término da legislatura iniciada em 2015.

A mesma Casa, conforme detalhou O Globo, aprovou o nome de Victor Bicca, indicado pelo ex-presidente Michel Temer ao cargo de diretor-geral da Agência Nacional de Mineração – ANM, sem nem ao menos debaterem sobre a falta de segurança de barragens no país. A inquirição de Bicca não teve nenhuma pergunta sobre a situação das barragens e riscos de acidentes. O interesse dos senadores tinha outros focos, como a possibilidade de a agência atender ao lobby empresarial e facilitar a liberação de mineração em terras indígenas, o aumento da produção de metais e o papel do Ibama em áreas de exploração, considerado um entrave para o desenvolvimento do país.

No âmbito Executivo, desde a campanha, o atual presidente brasileiro sempre demonstrou desdém para gestão e proteção ambiental e chegou a cogitar o fim do ministério do Meio Ambiente. Seu governo já se mostrou favorável à intenção de flexibilizar o licenciamento ambiental e dar mais autonomia às empresas para a gestão de projetos que demandem gestão de recursos naturais. “Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio. Essa festa vai acabar” afirmou Jair Bolsonaro durante a campanha.

Nas palavras do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, o governo precisa oferecer às empresas “celeridade, agilidade, estabilidade e segurança jurídica na concessão de licenças ambientais”.

Na esfera jurídica, diversos processos criminais se arrastam lentamente na Justiça Federal, mas sem nenhuma punição concreta. A mineradora Samarco, dona da barragem que se rompeu há três anos, sofreu 68 penalidades na Justiça, que totalizam quase R$ 552 milhões, 67 estão em fase de recurso. Apenas uma, parcelada em 59 vezes, começou a ser quitada: o valor corresponde a 1% do total.

Fossem as punições aos executivos das mineradoras exemplares por ocasião da tragédia de Mariana, houvesse endurecimento de leis ambientais e mais controle do poder público, provavelmente não presenciaríamos essa tragédia ambiental, social e humana em Brumadinho. O que a população espera agora é que este desastre sirva, ao menos, para levar a uma reflexão mais profunda sobre as propostas em pauta, todas no sentido de facilitar o licenciamento para as empresas. Ou o discurso de Bolsonaro em Davos de que somos o país que mais preserva o meio ambiente servirá apenas para gringo ver.

Fonte: Com informações do O Globo, Metrópoles, El País, Folha de São Paulo, UOL e Nexo Jornal
CNTS

Uma opinião sobre “Três anos depois, mais um mar de lama e sangue

  • Flávio Barbosa

    Novamente o governo faz vista grossa com um problema que poderia ser evitado. É triste saber que ainda não houve por parte da justiça um respeito pelos familiares da primeira tragédia, espero que dessa vez os culpados sejam punidos com mais rigor.

Deixe um comentário para Flávio Barbosa Cancelar resposta

Enviando seu comentário...
Houve um erro ao publicar seu comentário, por favor, tente novamente.
Por favor, confirme que você não é um robô.
Robô detectado. O comentário não pôde ser enviado.
Obrigado por seu comentário. Sua mensagem foi enviada para aprovação e estará disponível em breve.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *