Sobrevivente, Temer preocupa-se com a possibilidade de novas denúncias
* Fellype Sales
Remontando o início do século XX, quando no Brasil ainda imperava o coronelismo com o voto de cabresto e os eleitores – mais conhecidos como ‘curral eleitoral’ – eram obrigados a votar conforme o grande fazendeiro queria, o presidente Michel Temer e seus aliados encarnaram o espírito absolutista e declararam guerra aos deputados da base aliada que votassem a favor da denúncia, suprimindo destes o direito de votar conforme suas consciências. O vice-líder do governo, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), chegou a afirmar que “quem não votar a favor do presidente Temer estará fora da base do governo. O deputado tem que decidir se é governo ou não é governo. Se acredita no novo Brasil ou não”, disse Perondi, ao concluir que não há espaço para dúvidas. Esta dicotomia político-ideológica desguarnecida de qualquer boa intenção para com o povo brasileiro, antes, precursora das reformas trabalhista e previdenciária, em nada contribui para a saída da crise em que o Brasil se encontra.
Ainda que tenha conseguido se livrar de uma possível investigação pelo STF, Temer sai enfraquecido após a votação na Câmara que arquivou a denúncia. O placar de 263 votos a 227, ratificando o relatório do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) pelo arquivamento das acusações do procurador-geral da República, revelou o quanto a base de apoio do presidente na Câmara encolheu. Desde o início do mandato efetivo, em agosto do ano passado, os aliados de Temer na Câmara diminuíram em 63% – de 413 deputados para pouco mais de 270.
O PSDB, aliado mais importante de Temer, demonstrou durante a votação que está dividido. Dos 47 deputados que a legenda dispõe, 21 votaram pela continuidade da denúncia. Com este cenário um tanto desfavorável, Temer é apenas um sobrevivente, não um vencedor consolidado. Interlocutores do Planalto deixaram escapar que a principal preocupação do governo, por agora, é a possibilidade de a PGR apresentar nova denúncia contra o presidente, o que atrasaria o calendário de votações das propostas de interesse do governo e do empresariado – maior apoiador fora do meio político.
Para liquidar a pendência com a justiça, que tem provas contundentes, Temer rapidamente tratou de abrir o balcão de negócios com os deputados indecisos, liberando verbas de programas e emendas – R$ 15 bilhões ao todo –, e criando novos cargos comissionados – entre junho e julho foram ampliadas mais de 500 novas vagas. A mesma velocidade parece inexistente quando o assunto é solucionar o problema do desemprego que assola 13,5 milhões de brasileiros, que permanecem na invisibilidade social. O aumento vertiginoso da violência no país, com 279 mil mortes confirmadas somente em 2016, comparado a países em guerra como a Síria que, em quatro anos, morreram 256 mil pessoas, parece não assolar o presidente que, inerte, ainda ousou repassar ao bolso dos brasileiros o fruto de sua má gestão, aumentando impostos, que atingiram, além da gasolina, o preço dos alimentos.
Além da resistência do movimento sindical, que neste momento une forças contra o retrocesso, a única saída para esta crise multisetorial que assola o país é a conscientização política por parte da classe trabalhadora, com efeitos para as eleições do ano que vem. Há de se levar em consideração o histórico dos candidatos, partido, coligações e apoiadores de campanha. As bases precisam saber dos efeitos nocivos de um Congresso tão voltado aos interesses do setor patronal. A vivência de hoje só é possível devido à redução da bancada sindical, que nas eleições de 2014 perdeu 37 assentos, passando de 83 parlamentares para 46.
Assim como em um tabuleiro de xadrez, a posição ocupada ante o oponente é fundamental para o caminho até a vitória. O importante agora é resistir, marcar posição e seguir na luta firme por um país sem corrupção em que os governantes atendam os interesses dos governados, já que para isso é que foram eleitos.