Saída de Cuba do Mais Médicos afeta 28 milhões de pessoas
Saúde
Governo cubano atribuiu decisão a 'declarações ameaçadoras e depreciativas' de Bolsonaro. Na campanha, o presidente eleito disse que expulsaria médicos cubanos com base na prova Revalida. E afirmou que 'ditadura cubana' demonstra 'irresponsabilidade' e explora seus cidadãos.
A decisão de Cuba de retirar seus médicos do programa brasileiro Mais Médicos pode deixar 28 milhões de pessoas sem assistência médica, sobretudo em regiões mais desfavorecidas e de difícil acesso, alertam organizações de saúde e autarquias de todo o país. Segundo o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde e a Frente Nacional de Prefeitos, de 5.570 municípios, 3.228 têm médicos apenas do programa Mais Médicos, e em sua maioria profissionais caribenhos. Ainda de acordo com a entidade, 90% da população indígena brasileira são atendidas pelo programa.
Cuba decidiu sair deste programa depois de críticas do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Ao longo da campanha, Bolsonaro disse que expulsaria os médicos cubanos do país. O político colocou com uma das promessas de campanha a utilização do exame de revalidação do diploma de médicos formados no exterior, o Revalida, para mandar os cubanos embora.
O programa Mais Médicos foi lançado em 2013 pelo governo da presidente Dilma, com o objetivo de, através da presença de médicos de outros países, suprir a carência desses profissionais nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades brasileiras. Segundo dados do Ministério da Saúde de Cuba, atenderam mais de 113,3 milhões de pacientes em mais de 3.600 municípios brasileiros. Os médicos cubanos constituem 80% dos médicos do programa, que levou a mais de 700 municípios um médico pela primeira vez na história.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conasems, mostrou-se preocupado, já que a maioria dos médicos cubanos trabalha “em áreas vulneráveis e com baixos índices de fixação profissional”, como o Norte, o Nordeste e as periferias das grandes cidades, onde o interesse dos profissionais brasileiros em ocupar as vagas é menor.
Vale ressaltar que os locais onde os cubanos atuam foram oferecidos antes a médicos brasileiros, que não aceitaram trabalhar nessas localidades. Em cinco anos do Programa Mais Médicos, nenhum edital de contratação de médicos brasileiros conseguiu contratar essa quantidade de profissionais. O maior edital contratou 3 mil brasileiros.
Para o Conselho Nacional de Saúde – CNS, os impactos da saída dos médicos cubanos do Brasil serão desastrosos. Pois, o que está em risco é a vida de milhares de pessoas que ficarão desassistidas pela falta de interesse do mercado em atuar nessas áreas que não trazem lucro para empresas e profissionais. É o descaso de um governo que não demonstra ter compromisso com a população mais carente do país.
A avaliação da CNTS é que os médicos sejam profissionais capacitados e que se há irregularidade no programa, ele precisa ser corrigido, mas não ao custo do sofrimento da população que ficará desassistida da atenção básica de saúde.
O ministro da Saúde, Gilberto Occhi, vai propor ao presidente eleito Jair Bolsonaro chamar médicos formados usando recursos do Fundo de Financiamento Estudantil – Fies para substituir os cubanos que estão sendo retirados do programa Mais Médicos.
O ministro não explicou, no entanto, como seria feita essa chamada específica dos médicos formados com recursos do Fies. A proposta já tinha sido levantada anteriormente, mas não havia sido sugerida ao novo governo. Gilberto Occhi admitiu ainda que em 2017, no último edital, os brasileiros não quiseram ocupar vagas em várias localidades e foi preciso chamar estrangeiros.
Situação Trabalhista – O acordo com a instituição cubana responsável pelos profissionais, firmado via Organização Panamericana de Saúde – Opas, prevê que um imposto seja cobrado dos médicos que estiverem em missão no Brasil. O valor líquido repassado é de R$ 3 mil, enquanto o governo cubano fica com R$ 8,8 mil, pagos mensalmente – menos uma taxa operacional que fica com a Opas. Além desse valor, os médicos também recebem auxílio-moradia e auxílio-alimentação das prefeituras.
Essa forma de remuneração gerou polêmica, uma vez que os demais participantes do programa, brasileiros e estrangeiros, recebem o valor integral de R$ 11.865,60, via um contrato individual e não coletivo. De um lado, defensores desse modelo apontam que ele é correto por ser o pagamento por uma missão médica contratada de outro país e que o valor da dedução não é tão maior que os impostos sobre renda cobrados em alguns países. De outro, críticos afirmam que o ideal seria que os médicos recebessem o mesmo que profissionais de outras nacionalidades e, caso necessário, o Brasil pagaria, à parte, pelo serviço da empresa cubana de saúde.
Em novembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal – STF validou o Mais Médicos e autorizou a dispensa da validação de diploma de estrangeiros ao julgar ações que questionavam pontos do programa federal, como acordo que paga salários mais baixos para médicos cubanos.