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Reforma política: mais do mesmo

Anunciada como a solução das distorções do sistema eleitoral brasileiro, a reforma política desconfigurou-se ao longo dos debates e votações e acabou minguando, sem nenhuma expectativa de substancial transformação nas eleições e campanhas políticas. Literalmente, “para inglês ver”. O que sobrou da reforma? Na reta final, a reforma política se subdividiu em apenas três partes: o projeto que cria o fundo eleitoral bilionário com recursos públicos; o que fixa como o dinheiro do fundo será dividido; e ainda a Emenda Constitucional 97/17, que decreta o fim das coligações partidárias a partir de 2020 e cria a cláusula de desempenho para os partidos a partir de 2018.

Outras propostas, que davam corpo à reforma, foram deixadas de lado ao longo do caminho. A mudança mais polêmica, retirada pelos deputados do texto original, era a transição do atual sistema – chamado de proporcional – para o “distritão” nas eleições de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, e “distrital misto” para 2020, quando serão escolhidos os vereadores. Hoje, no sistema proporcional, para um deputado se eleger, é necessário calcular seu número de votos combinado com a quantidade de votos dados ao partido ou à coligação. Se o distritão fosse aprovado, o sistema de escolha de deputados federais, estaduais e vereadores nas duas próximas eleições se tornaria majoritário e seriam eleitos os candidatos mais votados. No distrital misto, o eleitor vota duas vezes: uma vez nos candidatos e outra em nomes de uma lista apresentada pelo partido.

Os congressistas excluíram também do projeto a possibilidade de partidos com afinidade ideológica se unirem em federações, o que substituiria parcialmente as coligações. As siglas que fariam parte das federações teriam de atuar juntas durante a campanha eleitoral e, posteriormente, como um bloco parlamentar durante a legislatura. A Câmara havia também retirado do texto original uma proposta para acabar com a chamada janela partidária, que estabelece que os parlamentares não podem mudar de partido num período de seis meses antes da eleição. Mas, segundo a versão final aprovada, será possível mudar de legenda no mês de março do ano eleitoral sem a punição prevista de perda do mandato.

Para que qualquer mudança na legislação eleitoral entrasse em vigor no pleito do ano que vem, segundo o princípio da anualidade eleitoral, deveria ser aprovada até o prazo final, que foi dia 7 de outubro, um ano antes do primeiro turno das eleições de 2018, o que levou os congressistas a acelerarem, em muito, a votação das matérias. Na Câmara, os deputados aprovaram o projeto com as regras eleitorais, relatado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), às 3h da madrugada. E, 12 horas depois, por volta das 15h, o Senado aprovou o mesmo projeto. Na prática, a reforma política foi costurada em 12 horas entre a madrugada da Câmara e a aprovação no Senado.

Fundo EleitoralA pressa da classe política foi em garantir o financiamento das campanhas por meio do imoral “fundão eleitoral”, de R$ 1,7 bilhão, composto por 30% das emendas impositivas apresentadas pelas bancadas e pela compensação fiscal paga às emissoras de rádio e de TV pela propaganda partidária, que será extinta. A proposta foi aprovada pelas duas casas e sancionada com vetos a divisão dos recursos e a previsão de que valores do fundo financiassem apenas candidatos majoritários. Além do fundão, os partidos ainda contarão com o Fundo Partidário, que já existe, no valor de cerca de R$ 850 milhões.

Fim das coligações e cláusula de barreira – Pautas mais sensíveis, como o fim das coligações partidárias e a criação da cláusula de desempenho foram aprovadas e promulgadas pelo Congresso, porém com vigência a partir de 2020. O objetivo da EC 97/17, segundo parlamentares, é reduzir o número de agremiações no parlamento, o que pode facilitar a formação de consensos, diminuindo os custos políticos para os presidentes da República conseguirem aprovar projetos. Cabe lembrar que muitos dos casos de corrupção descobertos nas duas últimas décadas tiveram como origem justamente a compra de votos e distribuição de cargos pelo Planalto na tentativa de fazer avançar projetos de lei e emendas constitucionais.

Confira como será o nível de exigência para que as legendas tenham acesso ao Fundo Partidário:

Eleições de 2018 – Os partidos terão de obter, nas eleições para deputado federal, pelo menos 1,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com ao menos 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 9 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação.

Eleições de 2022 – Os partidos terão de obter, nas eleições para a Câmara, pelo menos 2% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com ao menos 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 11 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação.

Eleições de 2026 – Os partidos terão de obter, nas eleições para a Câmara, pelo menos 2,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com ao menos 1,5% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 13 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação.

Eleições de 2030 – Os partidos terão de obter, nas eleições para a Câmara, pelo menos 3% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com ao menos 2% dos votos válidos em cada uma delas; ou ter eleito pelo menos 15 deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação.

Levantamento mostrou que, se as regras previstas para 2018 estivessem em vigor nas eleições de 2014, 14 partidos que hoje possuem acesso ao Fundo Partidário e ao tempo gratuito de rádio e TV perderiam esses direitos. Entre os partidos que teriam sido afetados caso a regra estivesse valendo na eleição de 2014, seis têm atualmente representantes na Câmara: PEN, PHS, PRP, PSL, PT do B e Podemos – antigo PTN. Outros oito, que não elegeram deputados em 2014, também seriam atingidos: PCB, PCO, PMN, PPL, PRTB, PSDC, PSTU e PTC.

Censura na internetUm dos artigos vetados pelo presidente no texto foi a emenda que previa censura prévia na internet durante as eleições. Incluída na reforma política, sem alarde, pelo deputado Aureo (SD-RJ), a medida determinava que a simples denúncia feita por qualquer usuário da internet ou de redes sociais contra “informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato” obrigaria os sites a suspenderem o conteúdo em até 24 horas, mesmo sem uma decisão judicial.

Candidaturas avulsas – Um dos dispositivos aprovados no bojo da reforma política é o da proibição de candidaturas avulsas, ou seja, sem filiação partidária. O tema polêmico, já obteve parecer favorável da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. A PGR sustentou que, com base no Pacto de São José da Costa Rica e por ausência de proibição constitucional, é possível haver candidaturas avulsas no sistema eleitoral brasileiro. O pacto, firmado na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 e ratificado pelo Brasil em 1992, prevê a todos cidadãos “votar e ser eleito em eleições periódicas” e “de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

O STF ainda vai discutir se é constitucional um candidato sem filiação partidária poder disputar eleições. Na sessão do dia 5 de outubro, por unanimidade, o Tribunal reconheceu a repercussão geral da matéria tratada no Recurso Extraordinário com Agravo – ARE 1054490, no qual um cidadão recorre de decisão que indeferiu sua candidatura avulsa a prefeito do Rio de Janeiro nas eleições de 2016.

Segundo a decisão, a questão tem relevância social e política para que o caso seja futuramente analisado pelo Tribunal. “Reconhecendo a repercussão geral, teremos tempo de nos preparar, estudar e marcar um encontro com este assunto mais à frente”, afirmou o relator, ministro Luís Roberto Barroso”. (Com Estadão, Diap e O Globo)







CNTS

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