Primeira semana de Bolsonaro já demonstra o caos que está por vir
Governo
Além de aprovar medidas antissociais e contra direitos humanos, o presidente e sua equipe econômica bateram cabeça sobre IOF, Imposto de Renda e Previdência
Os primeiros dias do governo de Jair Bolsonaro mostram que o país enfrentará muitas dificuldades durante o mandato do militar ultraconservador. Os desencontros de Bolsonaro com sua equipe suscitaram altas preocupações acerca da capacidade do novo presidente de governar o país e da estabilidade do governo. O primeiro desentendimento começou quando Bolsonaro afirmou, em entrevista ao SBT, que o governo iria propor idade mínima para a aposentadoria de 62 anos para homens e 57 anos para muheres. Não explicou se isso dizia respeito ao serviço público ou ao regime geral ou se essas são idades iniciais ou finais de uma transição.
O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, teve que, diante de um mercado surpreso, usar de sua criatividade para convencer que o presidente usou os números apenas para enfatizar que seria uma mudança suave. “Quando o presidente fala alguns números, de 62 anos e 57 anos, quis dar tranquilidade de que não vai haver ruptura, vai ser feita transição lenta e gradual preservando direito das pessoas, tendo um olhar humano para reforma e preservando direitos”, declarou.
Os desencontros continuaram no dia seguinte, após cerimônia de troca do Comando da Aeronáutica, quando o presidente afirmou que o governo iria reduzir a alíquota máxima do Imposto de Renda para pessoas físicas dos atuais 27,5% para 25%. Atualmente, a alíquota máxima é cobrada dos contribuintes que ganham a partir de R$ 4.664,68 por mês. Mas durante bate-papo com a imprensa, revelou, também, que o governo pretende aumentar a alíquota do IOF.
Bolsonaro afirmou que a medida era para compensar a prorrogação até 2023 de incentivos fiscais para empresas das áreas da Sudam – Amazônia e da Sudene – Nordeste, lei sancionada pelo próprio presidente no dia anterior.
O presidente disse, ainda, que o aumento da alíquota seria “mínimo”, mas reconheceu não ter certeza da magnitude da elevação. Ele afirmou que a alta se daria “contra sua vontade, em razão da sanção dos incentivos” e assegurou que seu compromisso é não aumentar mais impostos.
“O presidente se equivocou” – Não durou muito a versão de que haveria aumento no imposto. Ainda de tarde, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, reformulou o pensamento. “Não haverá nenhum aumento de impostos”, garantiu. Ele afirmou que “o presidente se equivocou” ao falar sobre IOF e sobre a redução da alíquota do Imposto de Renda. “A questão do IOF é que foi uma das alternativas para dar sustentação à prorrogação. Ele assinou a sanção e assinou também um decreto que dá a garantia para execução sem aumento de impostos, é isso. É que uma das hipóteses que havia sido aventada pela equipe econômica para poder dar sustentação à continuidade do programa seria o corte de benefícios ou aumento do IOF. Quando isso chegou para análise hoje pela manhã isso confrontava diretamente todo o compromisso que o governo assumiu ao longo da campanha eleitoral de redução da carga tributária. Está resolvido. Ele se equivocou, ele assinou a continuidade do projeto da Sudam e da Sudene”, ressaltou o chefe da Casa Civil.
A falta de sintonia entre Jair Bolsonaro e seus auxiliares foi ainda mais evidenciada quando o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, juntou-se ao coro de Onyx Lorenzoni e também assegurou que não há, por ora, a hipótese de mexer no IOF. “Ele sancionou a apresentação de projetos da Sudam e da Sudene, mas limitou o usufruto do benefício à disponibilidade de recursos previstos na lei orçamentária de 2019”, explicou.
Diante do panorama, o superministro da Economia, Paulo Guedes, que já havia visto o presidente defender uma reforma da Previdência mais branda do que ele almeja, desmarcou os compromissos públicos. Preferiu o silêncio. O ministro-chefe da Casa Civil, no entanto, falou em seu nome para desmentir os anúncios do mandatário. “Paulo Guedes me ensinou que, antes de diminuir impostos, precisamos sair desse buraco de 139 bilhões”, disse, citando o déficit das contas públicas.
O caso do IOF, do Imposto de Renda e da Previdência mostram que o mesmo governo que faz e arrebenta nas redes sociais é mirim na comunicação interna – perdido entre promessas de campanha, o medo de desagradar setores econômicos e a necessidade de recursos para a gestão do país. Durante a campanha eleitoral, a falta de experiência política de Guedes e de noções de administração pública e econômica de Bolsonaro geraram alguns desentendimentos, como no caso das propostas para redução das alíquotas do IR e do retorno da taxação sobre dividendos recebidos por acionistas de empresas.
Paulo Guedes foi alçado à condição de superministro com duas tarefas básicas: tapar o rombo fiscal e religar as fornalhas da economia. Antes de aceitar o desafio, avisou que o esforço seria grande e penoso. Recebeu carta branca. Deve cobrar a revalidação da carta.
O governo mal começou e a inépcia de Bolsonaro em matéria econômica já deixa no ar uma grande interrogação: quem manda? Bolsonaro lembra que o insubstituível é ele. Fato. E, portanto, é sua a última palavra, apesar das promessas de “carta branca” aqui e ali. Em sua coluna no El País, a jornalista Eliane Brum, ressalta que “o capitão está encantado por ter um intelectual ligado à Escola de Chicago dizendo a ele o quanto é especial. Um “herói” da Operação Lava Jato lhe tecendo elogios. E, principalmente, generais batendo continência ao capitão. Mas a realidade é implacável com as ilusões”, afirma.
Como bem lembra o jornalista Leonardo Sakamoto em seu blog, “independente de como vão tocar esse relacionamento, seria bom se os mandachuvas que governarão o país pelos próximos quatro anos resolvam seus problemas internamente e, só depois, comuniquem ao público. Pessoas, empresas e organizações tomam decisões para seu presente e futuro baseados em declarações do governo federal, precisam de fatos concretos para não perderem dinheiro. Se não puderem confiar na veracidade delas, então o próprio governo se torna nocivo à sociedade”.