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Os índices de saúde do trabalhador

Por meio da portaria 573, no primeiro semestre deste ano, o então Ministério do Trabalho e Previdência Social – MTPS disponibilizou o acesso a algumas informações organizadas pela Previdência Social sobre Acidentes de Trabalho. O acesso integral a essa base de dados é uma reinvindicação histórica do movimento sindical brasileiro para conhecer, de forma transparente e qualificada, as informações sobre as razões que colocam o Brasil entre os países com maior gravidade e vulnerabilidade de adoecimento no exercício do trabalho.

Esta Nota Técnica pretende esclarecer o alcance das informações disponibilizadas e o contexto em que se inserem os indicadores de saúde e doença do trabalhador no Brasil.

O contexto e suas limitações

O campo de pesquisa e investigação sobre saúde do trabalhador, assim como as bases de dados oficiais organizadas, padecem de dois conjuntos de problemas. Em primeiro lugar, o ponto de partida para a análise e posterior proposição de medidas de intervenção na temática funda-se na premissa da saúde e segurança do trabalho ou do trabalhador.

Nessa perspectiva o olhar sobre as condições de trabalho e sua relação com a saúde do trabalhador define um campo de intervenção, seja das políticas públicas ou da regulação privada, voltada para a proposição de regras e controles que assegurem proteção ao trabalhador para o exercício de suas atividades, procurando amenizar riscos que possam desembocar em acidentes de trabalho e adoecimento.

De acordo com essa visão, caberia às empresas e organizações assegurar uma boa prescrição do trabalho a ser executado, prover adequado ambiente de trabalho (boa luminosidade, baixos índices de barulho, limpeza do ambiente etc.), cabendo ao trabalhador conhecer as regras e se ajustar adequadamente a elas (usar os equipamentos de proteção individual – EPIs, ler e interpretar os manuais).

Disso decorre, entre outros impactos, o reconhecimento de determinados gravames no exercício do trabalho e a ideia de subjacente responsabilização do trabalhador pelos eventuais acidentes e adoecimentos quando está trabalhando (falta de uso dos EPIs) e/ou falta de controle efetivo das políticas públicas (inexistência ou inadequação das normas regulamentadoras, por exemplo) e por fim, a organização de um conjunto de informações estatísticas que sustentam esta visão parcial e limitada das condições de saúde ou adoecimento dos trabalhadores (indicadores de luminosidade, insalubridade, sonoridade, acidentes típicos, mutilações físicas etc.).

Quais são os limites desse campo de visão e de medição? O principal aspecto negligenciado é o reconhecimento de que as questões relacionadas à saúde do trabalhador são determinadas mais pela dinâmica da gestão e da organização do trabalho em certo ambiente, como a extensão e intensidade da jornada de trabalho, as escolhas tecnológicas, a pressão por metas e resultados, entre outros e, menos pela inadequação do ambiente do trabalho e da inobservância dos trabalhadores ao trabalho prescrito.

Outro aspecto não considerado refere-se ao estabelecimento de padrões-limite para esforço ou exposição a agente tóxico, que dependem das características do grupo (sexual, geracional, étnico, cultural) e das características individuais dos sujeitos trabalhadores, ou seja, os limites são também pessoais.

O segundo problema, é a dificuldade de circunscrever ou entender as diferentes manifestações decorrentes do exercício do trabalho na saúde do trabalhador.

O que é doença do trabalho? Em grande parte do campo da pesquisa científica, dos indicadores oficiais e do entendimento patronal, a doença do trabalho é a manifestação “visível” de um “acidente” expresso numa lesão corporal que cause a morte, perda ou redução, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho. Por este entendimento, as estatísticas sobre saúde do trabalhador deveriam focar os riscos físicos, biológicos, químicos que o exercício do trabalho poderia trazer ao trabalhador; e nenhuma ou pouca atenção, portanto, aos riscos psicossociais que estão fortemente vinculados ao exercício do trabalho contemporâneo (estresse, depressão).

Nesse contexto, desconsiderar as diferentes manifestações do adoecimento no trabalho é negligenciar – com notórias intenções políticas – uma compreensão sistêmica sobre o trabalho e as suas manifestações na saúde do trabalhador.

A dimensão do problema

No Brasil, segundo dados do Anuário Estatístico do então Ministério da Previdência Social (MPS) houve, em 2013, cerca de 559 mil acidentes de trabalho notificados através de Comunicado de Acidentes de Trabalho (CAT), sendo aproximadamente 452 mil caracterizados como acidentes típicos, 112 mil como acidentes de trajeto, 15 mil registros de doenças ocupacionais e 2.800 mortes.

Somando-se as estes dados as informações referentes ao Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) que são registros que buscam estabelecer relações causais entre as doenças e os acidentes e a prática do trabalho, o número de acidentes de trabalho no Brasil teria sido de aproximadamente 718 mil, em 2013.

Embora já expressivos, esses dados ainda estão muito aquém de retratar a realidade dos acidentes de trabalho no país, vez que há um elevado grau de subnotificação e sub-registro dessas informações. De um lado, porque as estatísticas oficiais não abrangem os trabalhadores informais (cerca de 50% dos ocupados no Brasil), os trabalhadores públicos de regime estatutário e os autônomos e, de outro, porque há uma ação permanente de descaracterizar os acidentes e as doenças do trabalho, além da recusa de emissão das CATs por parte das empresas e organizações. No caso das pequenas e médias empresas, o problema do sub-registro é ainda mais grave, pois estima-se que menos de 20% dos acidentes de trabalho são notificados. Agregue-se a este quadro a inadequação do sistema pericial no Brasil, que mostra baixa sensibilidade e pouca vontade política para captar os vários tipos de adoecimentos ocupacionais previstos na legislação. Os desenhos e processos institucionais ainda contribuem para a prática do sub-registro entre as empresas, principalmente nos afastamentos inferiores a 15 dias quando não há necessidade de perícia médica pelo INSS e o trabalhador é avaliado pelo próprio médico do trabalho da empresa.

 A dimensão desse problema ficou bem evidenciada a partir das informações da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada pelo IBGE, em 2013, que mostra que cerca de 5 milhões de pessoas com 18 anos ou mais sofreram acidente de trabalho nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa. O cruzamento das informações da PNS com aquelas divulgadas pelo então MPS para o mesmo ano indica que para cada acidente de trabalho registrado pela Previdência Social, há quase sete acidentes não declarados oficialmente (metade destes inclusive de trabalhadores formais e segurados pela Previdência Social).

Essa subdeclaração atende a interesses econômicos e políticos facilmente identificáveis. De um lado, mascaram a crua realidade do trabalho no interior das empresas e organizações impedindo o melhor alcance das políticas públicas tanto na correta identificação dos problemas, quanto na ação para debelá-los, e de outro, contribuem para a redução – quando não isenção plena – das penalidades financeiras e sanções administrativas às empresas e organizações com grandes e graves números de acidentes e adoecimento pelo exercício do trabalho.

Como se sabe, as informações sobre acidentes de trabalho compõem o cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), indicador que serve de base para o cálculo do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), de modo que quanto maior o número de acidentes, maior é a contribuição das empresas ao SAT. Por isso, há elevada tendência à subdeclaração, além de uma ação constante para mudança das regras com vistas à redução dos indicadores de acidentalidade, como a tentativa recente do setor empresarial em querer notificar os acidentes e adoecimentos apenas para o CNPJ raiz da empresa, em detrimento da quantificação pelo total de estabelecimentos das empresas/organizações como atualmente é feito.

A assessoria que o DIEESE presta às entidades sindicais é reveladora deste quadro deocultação da gravidade dos indicadores da saúde do trabalhador. Em que pesem as ações patronais no sentido de precarizar informações, o Sistema de Acompanhamento de Greves (SAG), do DIEESE, indicou que, entre 2010 e 2012, houve aumento de 146% nas paralisações que incluíam em suas reinvindicações o tema da Saúde do Trabalhador. Em outra dimensão, o Sistema de Acompanhamento das Contratações (SACC) do DIEESE é revelador da dificuldade de se negociar cláusulas de proteção à saúde do trabalhador que, em geral, reiteram a legislação e/ou são insuficientes para responder à complexidade das situações de trabalho nos vários setores produtivos.

(Fonte: Dieese)

CNTS

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