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Foto: Nelson Jr./STF

Na volta do recesso, STF lembra que o presidente não está acima da lei

Política

Ministros decidem manter a demarcação de terras indígenas na Funai, proíbem a destruição de material obtido por hackers e interpela Bolsonaro para que explique sobre a morte do pai do presidente da OAB.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal – STF retornaram do recesso na quinta-feira, 1, e tomaram três decisões desfavoráveis ao governo Jair Bolsonaro. Duas delas constrangem diretamente o presidente e, a outra, o ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Bolsonaro foi alvo de decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que lhe deu prazo de 15 dias para atender a um pedido do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Felipe de Santa Cruz. A decisão não tem a força de exigência, mas tem valor simbólico.

Santa Cruz pede esclarecimentos sobre o que Bolsonaro afirmou a respeito de seu pai, Fernando Santa Cruz, que militava em um movimento revolucionário contrário à ditadura militar e desapareceu enquanto estava sob custódia do estado. Bolsonaro insinuou sem provas que o pai de Santa Cruz foi assassinado pelos militantes da organização de esquerda na qual ele militava e classificada pelo presidente como “grupo terrorista”. A Comissão Nacional da Verdade – CNV indicou que o pai do presidente da OAB teria sido morto por órgãos de repressão da ditadura militar.

Se um presidente da República sabe o paradeiro do corpo de alguém que está sendo procurado pela família por mais de 40 anos, deve responder. “O pedido de explicações, previsto no artigo 144 do Código Penal, tem por objetivo permitir ao interpelado esclarecer eventuais ambiguidades ou dubiedades dos termos utilizados. Assim, como de praxe nesses casos, notifique-se o interpelado, o senhor Presidente da República, para, querendo, apresentar resposta à presente interpelação, no prazo de 15 dias”, afirmou a decisão de Barroso.

Outra derrota de Bolsonaro foi decisão por unanimidade do Supremo que manteve suspensa a Medida Provisória – MP 886/2019 que visa transferir da Funai – Fundação Nacional do Índio para o Ministério da Agricultura a responsabilidade de demarcar terras indígenas. Bolsonaro atropelou o Congresso e reeditou medida provisória que já havia sido derrubada. Uma manobra de “agressiva inconstitucionalidade”, definiu a ministra Cármen Lúcia.

Último a falar, Celso afirmou que o presidente cometeu uma “inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição”. “Uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação dos Poderes”, enfatizou.

O decano criticou a ditadura militar, sempre louvada pelo presidente. Ele lembrou que um governo que não se submete às leis é incompatível com a democracia. “Parece ainda haver, na intimidade do poder, um resíduo de indisfarçável autoritarismo”, afirmou. Também alertou para o perigo de um “processo de quase imperceptível erosão” das liberdades da sociedade civil.

Moro – As decisões mais relevantes de ontem atingiram também Moro, alvejado desde 9 de junho pelas divulgações, pelo site The Intercept Brasil e outros veículos, do conteúdo das mensagens atribuídas a ele e a procuradores da Operação Lava Jato, oriundas, segundo investigação policial, da invasão de contas no aplicativo Telegram.

Por ironia, a decisão que mais complica a vida de Moro partiu do ministro Luiz Fux, citado em termos positivos numa mensagem atribuída a ele. “In Fux we trust” (em Fux, confiamos), diz a mensagem, publicada às vésperas de Moro conceder a entrevista em que passaria a insinuar que o conteúdo divulgado pelo Intercept pode ter sido adulterado.

Fux determinou a preservação do material obtido com os acusados de invadir a conta no Telegram de quase mil alvos, entre eles dezenas de autoridades. Noutra decisão, o ministro Alexandre de Moraes determinou que tudo seja enviado ao Supremo em 48 horas.

A decisão de Fux chega em um dia de intenso embate entre a força-tarefa da Lava Jato e o Supremo, depois da publicação, no início da manhã, de reportagem do The Intercept e da Folha de S. Paulo que mostra que, mesmo sem competência para investigar magistrados, Dallagnol pediu informações e incentivou cerco ao ministro Dias Toffoli, além de investigar irregularmente o também ministro do STF, Gilmar Mendes.

Em declarações à Folha na quinta-feira, Mendes afirmou que as revelações dos diálogos reforçam a certeza de que “o Brasil está diante da maior crise que se abateu sobre o aparato judicial desde a redemocratização”. Segundo ele, as conversas provam que os procedimentos da Operação Lava Jato “atingiram, num só ato, dois pilares do sistema: a PGR e a Justiça Federal” e “e explicitam os abusos perpetrados pela denominada força-tarefa”, além de reclamar “as providências cabíveis por parte de órgãos de supervisão e correição”. “Como eu já havia apontado antes, não se trata apenas de um grupo de investigação, mas de um projeto de poder que também pensava na obtenção de vantagens pessoais”, criticou Mendes.

O destempero do presidente – Em 11 dias, Bolsonaro defendeu o nepotismo; disse que a fome no Brasil era uma “grande mentira”; atacou o Nordeste; difamou a jornalista Miriam Leitão; afirmou que dados de satélite mentem sobre o aumento no desmatamento da Amazônia; defendeu censura à Agência Nacional de Cinema; atacou a repórter da Folha de São Paulo Talita Fernandes que questionou o porquê dele ter levado parentes ao casamento do filho em um helicóptero da FAB; ameaçou prisão ao jornalista Glenn Greenwald e agrediu seu companheiro e filhos; menosprezou o respeito ao meio ambiente, dizendo que apenas veganos se importam com isso; e brincou com a dor alheia ao dizer que poderia contar ao presidente da OAB o paradeiro de seu pai, Fernando Santa Cruz, preso e torturado pela ditadura e desaparecido desde 1974. Diante da repercussão, refugou como sempre, dando outra declaração – de que ele foi morto por organizações de esquerda. Nos registros da Comissão da Verdade, ele foi morto pelo Estado.

Seja destempero ou estratégia as declarações de Jair Bolsonaro, as decisões dos ministros do Supremo mostram ao presidente que ele não está acima da lei como imagina. Porém, no mesmo dia em que foi derrotado no STF, Bolsonaro lamentou na sua live diária nas redes sociais, da Justiça “se metendo em tudo”.

Fonte: Com O Globo, UOL, El País, G1 e Jota Info
CNTS

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