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Muito barulho por nada (por enquanto): Lei 13.429/2017

 Luiz Alberto dos Santos*

O Congresso Nacional discute, desde 1998, propostas legislativas sobre a terceirização de mão-de-obra, a fim de suprir lacuna na regulamentação do tema, que vem sendo, há muito, ocupada pela jurisprudência trabalhista, em especial a Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho.

A terceirização é tema sensível no mundo do trabalho, e em especial na Administração Pública. Se, no setor privado, o empregador tem liberdade para admitir e demitir, cabendo debater se é ou não conveniente que use empregados próprios para todas as suas tarefas ou parte delas, no serviço público, essa questão é mais sensível, pois o ingresso no cargo ou emprego público depende de concurso, e a demissão é mais difícil, seja por conta na estabilidade no cargo, seja por conta da necessidade de motivação, já reconhecida pelo STF, no caso de empresas que prestam serviços públicos. Ampliar a terceirização no serviço público, assim, pode levar à nulificação do concurso público, em dimensão nunca imaginada.

Na esteira desse debate, em março de 1998, o Executivo apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.302, que alterava dispositivos da Lei 6.019/1974. Dispondo sobre as relações de trabalho nas empresas de trabalho temporário e nas de prestação de serviços a terceiros, favorecia, em síntese, as condições institucionais para intermediação da mão-de-obra ao admitir, em tese, a terceirização em quaisquer atividades, por prazo indeterminado, em contrariedade com a Súmula 331 do TST. Aprovado pela Câmara dos Deputados, onde sofreu alterações, a proposição foi recebida pelo Senado Federal em 13 de dezembro de 2000, tendo sido aprovado em dezembro 2002 na forma de Substitutivo.

Em seu retorno à Câmara dos Deputados, a matéria teve nova apreciação pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público e pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, tendo sido apresentado, em maio de 2003, pelo Relator da matéria, Deputado Sandro Mabel, parecer favorável ao substitutivo do Senado Federal. Contudo, face à controvérsia em torno do tema, e a ampla rejeição dos trabalhadores, organizações sindicais e movimentos sociais organizados, de operadores do direito e de entidades representativas da sociedade civil, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou à Casa a Mensagem 389/2003, solicitando a sua retirada, o que, se não levou à imediata devolução da matéria, obstaculizou a sua apreciação naquela Casa.

No entanto, sem que a matéria fosse definitivamente retirada ou concluída, o Deputado Mabel apresentou novo Projeto de Lei 4.330, de 2004, que foi, ao final, após longas discussões, aprovado pela Câmara em 2015, e remetido ao Senado, onde aguarda, como PLC 30/2015, apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) e pela Comissão de Assuntos Econômicos.

Todavia, surpreendeu a todos a decisão do Presidente da Câmara dos Deputados de colocar em votação o Projeto de Lei que lá esperava apreciação do pedido de retirada desde 2003. O Presidente Rodrigo Maia considerou que o pedido se achava “prejudicado”, por haver a matéria sido aprovada tanto pela Câmara quanto pelo Senado e, num gesto autoritário, ignorou questões de ordem e protestos pela apreciação preliminar do pedido de retirada de Lula. A matéria foi aprovada em 23 de março e remetida à sanção. Foi, então, sancionada com vetos pelo Presidente Temer. O STF igualmente negou-se a interferir no processo, indeferindo mandados de segurança ajuizados por parlamentares. A matéria já está sendo questionada por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade da Rede e do PT.

Desde a sanção da nova Lei, avolumam-se as críticas tanto no meio sindical quanto político e jurídico ao seu teor, que além de resultar de um processo legislativo confuso e atabalhoado – produzindo uma lei defasada no tempo – estaria a precarizar e fragilizar a situação dos empregados que passarão a ser regidos pelos seus mandamentos, seja em empresas de trabalho temporário, seja nas demais situações de prestação de serviços.

Contudo, um exame mais cuidadoso do texto afinal promulgado como Lei não permite concluir que os efeitos pretendidos pelos defensores do PL 4.032, de 1998, convertido na Lei 13.439, de 2017, tenham sido atingidos.

A Súmula 331, do TST, é clara ao definir que “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário [Lei 6.019, de 3.1.74]”, e que não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância [Lei 7.102, de 20.06.83], de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio da Tomadora, desde que inexistente a pessoalidade a subordinação direta.”

Com tal interpretação, o TST pretendeu superar a disputa sobre o que é ou não passível de terceirização, visto que desde a vigência do Decreto-Lei 200, de 1967, já vinha ocorrendo a terceirização nas chamadas “atividades-meio”.

Assim, no entender dessa jurisprudência, constitui fraude aos princípios norteadores do Direito do Trabalho a dissimulação de verdadeira intermediação de mão-de-obra. A terceirização é admitida, somente, na contratação de empresa especializada em atividades paralelas ou de suporte, desde que não haja distorção em sua essência e finalidade, com a substituição dos empregados próprios por outros oriundos de empresa interposta. Caso contrário, se configura o vínculo direto com o tomador de serviços, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais que protegem a relação de emprego.

Em nenhum momento o texto da Lei aprovada e sancionada anula essa jurisprudência, ou a torna incompatível com o teor da Lei.

Basta ver que, ao tratar especificamente das empresas de prestação de serviços (visto que a Lei 6.019, de 1974, passa a tratar tanto das relações de trabalho na empresa de trabalho temporário, quanto na empresa de prestação de serviços e nas respectivas tomadoras de serviço e contratante), a lei não permite expressamente a contratação de trabalhadores terceirizados para o atendimento de necessidades permanentes das empresas em atividades-fim.

É certo que, ao dar nova redação ao art. 2º e ao art. 9º da Lei 6.019, deixa inequívoco que as necessidades de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços, que podem ser providas por empresas de trabalho temporário, poderão cobrir tanto a atividade meio, quanto a atividade fim. A demonstração da necessidade que gera a contratação temporária continua sendo requisito para a validade do contrato.

No entanto, no caso das empresas de prestação de serviços, a Lei apenas as define como “a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos”, e como contratante “a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos” sem delimitar se em área fim ou meio. E o contrato de prestação de serviços, nos termos do art. 5º-A deverá conter a “especificação do serviço a ser prestado” e o seu prazo, quando for o caso.

Assim, não será essa a Lei que permitirá, doravante, a terceirização ampla e irrestrita, para atividades-fim, e tampouco a lei que esgotará a necessidade de um regramento protetivo do trabalhador terceirizado licitamente.

No tocante à responsabilidade do contratante, a Lei apenas repete o que já é o entendimento da Súmula 331, ou seja, de que a contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário ou a prestação de serviços.

Assim, para os que pretendem ver na Lei 13.329, de 2017, uma forma de contratar os seus trabalhadores indiretamente, mediante empresas de prestação de serviços sem os requisitos e direitos assegurados pela CLT, em caráter amplo e irrestrito, para executar, em suas dependências ou fora delas, atividades fim, ela representa uma falsa promessa, e nada resolve do ponto de vista do interesse empresarial.

Para o trabalhador, da mesma forma, os direitos assegurados são pífios, frente ao quadro de enorme desvantagem desses trabalhadores terceirizados no mundo do trabalho, tanto em termos de remuneração quanto demais direitos.

O risco, porém, de uma lei ampla, que permita a total terceirização de atividades, subsiste na medida em que o PLC 30, de 2015, ora em tramitação no Senado, visa superar esse debate explicitando a possibilidade não somente de terceirização, mas de quarteirização de atividades meio e atividades fim, embora avance em aspectos como a responsabilização solidária do contratante, e a equiparação de alguns direitos entre terceirizados e empregados próprios.

A relatoria da matéria, sob a alçada do Senador Paulo Paim, na CCJC do Senado, pretende enfrentar as fragilidades do PLC 30, colocando em termos adequados a sua formulação, e impedindo, assim, a consolidação da precarização ampla nas relações de trabalho.

Acham-se pendente de julgamento, no STF, três processos, que poderão alterar esse cenário.

A ADPF 324, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, e os Agravos em Recurso Extraordinário 791.932 e 713.211, este de relatoria do ministro Luiz Fux, poderão fixar novo entendimento, a partir da tese de que “a proibição genérica de terceirização calcada em interpretação jurisprudencial do que seria atividade fim pode interferir no direito fundamental de livre iniciativa, , criando, em possível ofensa direta ao art. 5º, inciso II, da CRFB, obrigação não fundada em lei capaz de esvaziar a liberdade do empreendedor de organizar sua atividade empresarial de forma lícita e da maneira que entenda ser mais eficiente, afrontando a “liberdade de contratar prevista no art. 5º, II, da CF”, que seria conciliável com a terceirização dos serviços para o atingimento do exercício-fim da empresa.

Até lá, porém, prevalece a Súmula 331, e não será por meio de interpretações “extensivas”, ou mesmo teleológicas, da Lei nº 13.429, de 2017, que os defensores da terceirização ampla colocarão por terra a Constituição de 1988.

(*) Advogado, mestre em Administração e doutor em Ciências Sociais. Ex-subchefe da Casa Civil (2003-2014); consultor legislativo do Senado Federal.

CNTS

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