MS ignora rejeição do CNS e deve editar revisão da PNAB este mês

O Ministério da Saúde deve editar, dia 31 de agosto, a portaria com a revisão da Política Nacional de Atenção Básica – PNAB. O anúncio foi feito durante discussão das mudanças nas regras pela Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados, com representantes do governo, de municípios e de entidades de classe. A decisão contraria posição do Conselho Nacional de Saúde – CNS, que aprovou a Recomendação nº 35, de 11 de agosto de 2017, em que rejeita a nova PNAB, nos termos da minuta submetida a consulta pública pela Comissão Intergestores Tripartite – CIT.

O Conselho recomenda ao Congresso Nacional, Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – Conasems, Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conass, conselhos estaduais e municipais de Saúde e as entidades que compõem as instâncias de controle social do SUS, que se comprometam com a ampliação e qualificação do debate sobre a revisão da nova Política.

A PNAB, segundo o Conselho, deve tratar objetivamente dos impactos assistenciais e econômicos das medidas propostas, apresentando estudos e projeções que embasaram a decisão da CIT; a repercussão no rateio e redistribuição dos recursos federais para a atenção básica repassados aos municípios, envolvendo a participação da população usuária, especialistas, trabalhadores e gestores; e que os processos de mobilização das conferências de Vigilância em Saúde contemplem o debate, razões, justificativas e impactos de revisão da PNAB. E recomenda à CIT que não delibere pela revisão enquanto amplo processo de debate estiver em desenvolvimento.

O Conselho considera as deliberações da 15ª Conferência Nacional de Saúde, que reafirmam a importância da PNAB como fundamental para a estruturação do SUS no país; considera que há mais de 20 anos o Brasil tem priorizado e investido no desenvolvimento e expansão da Estratégia de Saúde da Família como modelo prioritário da atenção básica no Brasil, atendendo, em 2017, mais de 120 milhões de pessoas, alcançando resultados na melhoria dos indicadores de saúde da população, conforme apontam estudos nacionais e internacionais.

Considera, ainda, que a minuta de portaria contraria, em diversos pontos, a Resolução CNS n.º 439/2011, que define as diretrizes para a política de atenção básica, obedecidas pela política nacional vigente; não prevê o número mínimo de agentes comunitários de saúde que são obrigatórios em uma ESF e nem exige mais que os mesmos cubram 100% do território, medida que, se efetivada, resultará na redução da cobertura da população além da demissão de milhares de agentes comunitários de saúde; e o contexto no qual foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os recursos da área social, ao mesmo tempo em que se busca aprovar a unificação dos blocos de financiamento do SUS; além da proposta de “plano de saúde acessível”, que visa expandir a cobertura mínima via crescimento da oferta do setor privado.

A consulta pública sobre a minuta da portaria ministerial foi encerrada dia 10 de agosto e teve mais de 6 mil contribuições. Está na fase de consolidação do texto final. Segundo o representante do Ministério da Saúde no debate, Fabio Fortunato, mais da metade das 6.281 emendas foi enviada por trabalhadores da saúde.

Segundo o vice-presidente da CNTS e conselheiro nacional de saúde, João Rodrigues Filho, a principal crítica foi o curto espaço da consulta pública, quando seria necessário mais tempo para refletir a realidade da atenção básica no país. Ele ressaltou ainda a dificuldade na elaboração de um programa que trate da atenção básica, levando em consideração os fatores econômicos do Brasil. “Com a vigência da EC 95/16, que retirou boa parte do orçamento da saúde, não é possível atingirmos a população na ponta. Não há recursos. Sob esta ótica de corte de gastos, o governo agora quer dispensar 40% dos agentes comunitários de saúde. A população mais pobre do país certamente será a mais afetada”, disse.

O deputado Odorico Monteiro (PSB-CE), um dos autores do requerimento para a audiência pública, chegou a pedir para que o Executivo adie a publicação da portaria, mas, segundo o representante do Ministério da Saúde, Fábio Fortunato, a princípio, a data está mantida.

Dificuldades

O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Marco Menezes, avaliou que a consulta pública teve tempo exíguo. “Movimentos e populações querem discutir mais e precisamos avançar com essa discussão. Ela passa por uma revisão ampla do sistema, que inclui também a violência que estamos vivendo. Precisamos repensar o processo de cidadania nesse país”.

A pesquisadora Lígia Giovanella – Ensp/Fiocruz, citou o subfinanciamento do SUS como principal responsável pelas deficiências do atendimento básico no país – segundo ela, o Estado brasileiro gasta metade do que seria recomendado com a saúde de seus cidadãos. Ela defendeu também o custo-benefício dos investimentos na área. “A APS não é barata: requer investimentos consideráveis, mas é mais eficiente do que qualquer outra alternativa”, disse.

Márcia Valéria Morosini, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz, apresentou pesquisa recente sobre dificuldades de trabalhadores técnicos da saúde da família, como a falta de qualificação adequada, ausência de formação para os gestores, precariedade do vínculo de trabalho, dificuldades na contratação de médicos em regimes de 40h e, mais recentemente, o aprofundamento da lógica gerencialista na área; e distinções no investimento para a qualificação dos trabalhadores. “Não se reconhecem os profissionais de nível médio e técnico como responsáveis pela qualidade e pelos resultados”, resumiu Morosini.

Luciana Dias de Lima, da Ensp/Fiocruz, analisou que a PNAB atual “teve papel fundamental na conformação do pacto federativo na saúde” e exaltou avanços como a expansão da Estratégia de Saúde da Família – ESF, a descentralização dos serviços, a consolidação de um modelo nacional para atenção básica no SUS e a redistribuição de recursos financeiros para privilegiar regiões mais carentes. Em paralelo a estes avanços, a pesquisadora identificou limitações como a persistência de desigualdades regionais e fragmentação e dificuldades de integração regional de políticas, ações e serviços.

Em relação à revisão da PNAB, Lima lançou três questionamentos: a flexibilização do modelo de atenção e do uso dos recursos transferidos, que, em suas palavras, “substitui o certo pelo duvidoso”; a perda do poder coordenador do Ministério da Saúde e manutenção da fragilidade dos estados na regulação da implantação da atenção básica, que cria um vácuo na coordenação da PNAB em nível supra e intermunicipal; e o fato de as mudanças estarem sendo propostas e serem implementadas “em um contexto de ameaças aos direitos sociais, forte restrição fiscal e orçamentária com agravamento da situação de subfinanciamento do SUS”.

A representante do Centro de Estudos Brasileiros de Saúde – Cebes, Liu Leal, disse que a proposta do MS pode significar um desmonte do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e da capilaridade do SUS, colocando em risco muitos empregos. “Nesse momento de desmonte das políticas públicas, esse trabalhador está sendo preterido enquanto interlocutor estratégico”. Ela lembrou que a discussão não “é exclusiva do gestor e que o conjunto da sociedade tem que ser ouvido e participar ativamente do debate”.

Aumento dos serviços ofertados

A intenção da revisão da Política Nacional de Atenção Básica, segundo o governo, é reforçar o programa Saúde da Família como estratégia prioritária para expansão e consolidação da atenção básica. O texto aumenta o leque de serviços ofertados nas unidades de saúde e permite que os usuários possam se vincular a mais de uma unidade básica se tiver necessidade.

A PNAB foi instituída em 2006 e é um dos principais instrumentos de desenvolvimento e consolidação do. Em 2015, começou o debate para incorporar as inovações e experiências acumuladas nos últimos anos, porém preservando a essência dos documentos de 2006 e 2011.

O diretor do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, Allan Nuno Alves de Sousa, rebateu as críticas e disse que desde 2015 o Ministério vem discutindo o aperfeiçoamento da Política, ouvindo acadêmicos, especialistas e entidades do setor. “Fizemos um exercício de acomodação, desejos e interesses. Esta é a primeira vez que uma PNAB foi fruto de um amplo debate, com o escrutínio de todos os envolvidos. E vamos continuar priorizando a Estratégia de Saúde Família, com cuidado longitudinal e multiprofissional”.

O novo texto da PNAB não trata de financiamento, mas o assunto foi citado pelo representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, Luiz Augusto Fachinni. A atenção básica é financiada pelo Piso da Atenção Básica – PAB, que tem duas formas de financiamento. O PAB fixo está em R$ 24 por ano, por habitante, o que dá R$ 2 por habitante, por mês. Então uma cidade com 300 mil habitantes recebe R$ 600 mil por mês para a atenção básica.

Outra forma de financiamento é o PAB variável, que depende do desempenho da gestão do município e do cumprimento de metas específicas. Uma equipe pode custar R$ 40 mil reais. Se o PAB variável ficar em R$ 8 mil, o restante sai do orçamento municipal. (Com Agência Câmara Notícias e ENSP/Fiocruz)






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