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Foto: Walterson Rosa/MS

Ministério da Saúde continua colocando obstáculos à vacinação infantil

Saúde

Nesta semana, o Ministério divulgou nota onde sustenta que a vacinação de crianças não é obrigatória e que cabe aos governos estaduais atuar "na medida de suas competências". Um dos argumentos usados é de que o fármaco contra a Covid-19 faz parte do Plano Nacional de Operacionalização - PNO da vacinação contra o novo coronavírus, e não no Programa Nacional de Imunizações - PNI – constituído por 19

Apesar de já ter indicado a vacinação contra a Covid-19 para crianças de 5 a 11 anos, o Ministério da Saúde voltou a promover o desestímulo da vacinação infantil. A pasta divulgou em seu site, no início da semana, uma extensa nota técnica dedicada unicamente a fornecer argumentos jurídicos para sustentar que a vacinação de crianças não é obrigatória e que cabe aos governos estaduais atuar “na medida de suas competências”.

Um dos argumentos usados é de que o fármaco contra a Covid-19 faz parte do Plano Nacional de Operacionalização – PNO da vacinação contra o novo coronavírus, e não no Programa Nacional de Imunizações – PNI – constituído por 19 vacinas, todas obrigatórias, segundo a legislação. O documento é assinado pela secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Melo, e pelo diretor de programa, Danilo de Souza Vasconcelos.

O primeiro parágrafo do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA informa que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias, mas a nota técnica do Ministério faz uma ginástica teórica ao distinguir o PNO e indicar que não integra o PNI, pois está subordinado à Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19. Ou seja, a vacinação contra o novo coronavírus, teoricamente, não se submeteria às mesmas obrigações legais que as campanhas de vacinação do PNI.

Em outra publicação no site do Ministério, sugere que pais e responsáveis “procurem a recomendação prévia de um médico antes da imunização” das crianças, ainda que essa recomendação não seja obrigatória e endossada por sociedades médicas. A orientação para que os responsáveis “procurem a recomendação prévia de um médico antes da imunização” promoveu mais desinformação. A pasta publicou uma nota na qual ressalta a não obrigatoriedade da vacinação de crianças e “apenas visa à verificação de eventuais contraindicações e em caso de comorbidades”.

No entanto, o Ministério não explica em que situação a recomendação médica antes da aplicação é aconselhada. “A única exigência para a aplicação do imunizante é que pais ou responsáveis estejam presentes no ato da vacinação e expressem a concordância na admissão da dose”, trouxe a nota.

A cobrança de uma prescrição chegou a ser cogitada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mas a medida foi rejeitada por governadores e criticada por especialistas. Depois disso, ele recuou e desistiu de cobrar o documento.

Crime – Diante do movimento que prejudica a vacinação pediátrica contra a Covid, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça – CNPG emitiu uma nota de 56 páginas que indica a obrigatoriedade da vacinação para crianças de 5 a 11 anos. O não cumprimento da exigência, aponta a nota técnica, fere o Estatuto da Criança e do Adolescente, o que configura crime.

“Uma vez que a Anvisa autorizou o uso do imunizante e diante da expressa recomendação da autoridade sanitária federal, a vacina contra Covid-19 para essa faixa etária é obrigatória em todo o território nacional. A vacina é um direito das crianças e um dever dos pais ou dos (das) responsáveis, de modo que a omissão no cumprimento desse dever inerente ao poder familiar pode ensejar a responsabilização destes (as), na forma prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e detalhada na fundamentação desta nota técnica”, diz o documento.

O CNPG ressalta, porém, que a não apresentação da vacinação contra a Covid “em nenhuma hipótese, possa significar a negativa da matrícula ou a proibição de frequência à escola, em razão do caráter fundamental do direito à educação”. O Conselho ressalta que “há o reconhecimento de que a vacinação protege as crianças, ao reduzir os agravos e o risco de morte por Covid-19, e daí surge a obrigatoriedade da vacinação, amparada pelo ECA e pela Constituição Federal, para todos que convivem”. Veja a íntegra da nota, clicando aqui. 

Em decisão no último dia 19, um dia antes da assinatura da nota técnica, o ministro Ricardo Lewandowski determinou que os chefes dos Ministérios Públicos estaduais são obrigados a assegurar o cumprimento do direito de menores de 18 anos serem vacinados contra a Covid-19. A decisão, tomada a pedido da Rede Sustentabilidade, reconheceu que o Ministério da Saúde fere o ECA ao reiterar a não obrigatoriedade da imunização infantil.

Descredibilizar o programa de imunizações – Para Lígia Kerr, que integra a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19 representando a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, o posicionamento da Secovid é mais um esforço do governo para descredibilizar o Programa Nacional de Imunizações.

“Essa nota é uma aberração. Quem deveria ser responsável pelo plano de operacionalização da vacinação é o PNI. É uma tentativa de esvaziar o programa, jogando a responsabilidade para a Secovid. Isso é uma distorção, nunca foi e não deveria ser assim. A vacinação é aprovada pela Anvisa e o governo, através do PNI, deveria implementá-la”, afirma Lígia Kerr.

“Essa divisão entre PNI e PNO é mais um dos sintomas da desorganização de um governo que não comprou a vacina em quantidade suficiente e em tempo, criou crises e continua não apoiando a imunização de crianças”.

Carla Domingues, que foi coordenadora do PNI por nove anos, nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, alerta que as constantes tentativas do Ministério da Saúde de alimentar dúvidas sobre a vacinação de crianças têm consequências práticas no cotidiano da população.

Ela lembra que esforços similares de desacreditar vacinas ocorreram na campanha de adultos e adolescentes, mas observa que a investida subiu o tom na imunização infantil. “É contraproducente e surreal. Se há pessoas hesitantes, isso tem uma grande participação do Ministério da Saúde. Já passamos do estágio do receio, estão criando pânico na população. Se o Ministério colocou a vacinação como uma ação prioritária e de Estado por 50 anos, e passa a alimentar dúvidas sobre vacinas, dizer que elas farão mal, os pais vão acreditar nisso”, conclui.

Fonte: Com O Globo e Correio Braziliense
CNTS

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