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Foto: Renato Alves/Agência Brasília

MEC quer que escolas leiam slogan de Bolsonaro, cantem Hino e filmem

Educação

Ao invés de se preocupar com as deficiências do ensino brasileiro, que vão desde falta de materiais à morte dentro da sala de aula, ministro da Educação quer adestrar professores e alunos

A boçalidade dos ministros do governo de Jair Bolsonaro parece não ter fim. Ontem, 25, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, enviou para todas as escolas públicas e privadas do país e-mail pedindo para que, no primeiro dia de aula, “professores, alunos e demais funcionários da escola fiquem perfilados diante da bandeira do Brasil, se houver na unidade de ensino, e que seja executado o Hino Nacional”. Mais ainda, que filme as crianças durante o ato e encaminhe os vídeos para o Ministério e para a Secretaria de Comunicação Social do Governo.

Foto: Reprodução

O ministro pede que a filmagem inclua trechos da leitura de mensagem que ele próprio redigiu para as crianças, os mestres e os servidores. Diz o seguinte: “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”.

Os “novos tempos” de que fala o ministro foram inaugurados em 1º de janeiro, dia da posse de Jair Bolsonaro. São tempos estranhos, que provocam enorme saudade daquela época em que laranja era apenas uma fruta cítrica e que o Brasil queria formar cidadãos e não adestrar professores e alunos.

Solicitar às escolas que filmem crianças repetindo o slogan publicitário usado na campanha eleitoral do atual presidente é desrespeitoso e ilegal.
Fere o princípio da impessoalidade, fazendo prevalecer o interesse privado sobre a coisa pública. Fere o Estatuto da Criança e do Adolescente, que proíbe a filmagem desautorizada de crianças. E fere qualquer aspiração de democracia, que dá lugar ao autoritarismo e à arbitrariedade.

Luciano Godoy, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, ouvido pela BBC Brasil, disse que um slogan de campanha eleitoral não pode ser usado em mensagens oficiais. “A propaganda do governo deve ser impessoal e não pode fazer propaganda oficial, por isso os governos desde FHC adotam um slogan diferente daquele da campanha, para não cair nesta ilegalidade.”

Godoy avalia ainda que o pedido de gravação fere a privacidade de alunos, professores e funcionários das escolas. “A Constituição garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, e o Estatuto da Criança e do Adolescente é ainda mais rigoroso com isso. Por isso, que sempre que é feita uma imagem da criança em alguma atividade escolar, os pais precisam autorizar.”

Ele diz também que o uso da expressão “Deus acima de todos” vai contra a liberdade religiosa. “O Estado brasileiro é laico. Quando um documento oficial, ainda mais da área de educação, usa esse termo, está ali fazendo uma opção, que pode ser da grande maioria das pessoas, mas que não é de todas”, afirma.

Seguidor ferrenho das ideias de Olavo de Carvalho, Vélez já havia deixado claro que confunde as tarefas de Estado com a militância ideológica, onde já defendeu o fim das cotas, a volta das disciplinas moral e cívica e educação superior apenas para ricos. Em vez de mirar as deficiências do ensino básico, como a falta de vagas, de material escolar, de comida para os alunos, de professores mal remunerados e doentes e com alunos mortos a tiros dentro da sala de aula, o ministro tem desperdiçado tempo com discursos contra a suposta influência do “globalismo” e do “marxismo cultural” sobre os professores.

O ministro é um crítico da “doutrinação”, mas sua circular representa exatamente o que ele diz combater: a tentativa de despejar conteúdo chapa-branca pela goela dos alunos.

O comunicado é típico de ditaduras, e não só pelo ufanismo de almanaque. Depois do golpe de 1964, que Vélez já definiu como uma data “para comemorar”, os militares estimularam o culto à bandeira e a pregação ufanista nas escolas. Chegaram a impor a disciplina educação moral e cívica, outra patriotada que o ministro quer ressuscitar. E atualmente, sob o pretexto de enquadrar os alunos, é cada vez maior o número de escolas militarizadas no país.

Para além do absurdo de entregar a responsabilidade de educar os jovens a quem não tem a formação necessária para isso, causa verdadeiro horror saber que, dentre as medidas que estão sendo adotadas nesses estabelecimentos, está a de exigir o corte de cabelo curto para os alunos, bem como a proibição do uso de bijuterias e outros acessórios. Pensar que em pleno século 21 alguém ainda associa disciplina e bom comportamento com o tamanho das madeixas revela, por si só, o pensamento retrógrado de quem está promovendo essa política.

É triste ver um governo que tem a monumental responsabilidade de comandar e estabelecer diretrizes para que tenhamos um ensino de qualidade, que deveria ser o farol a iluminar os caminhos de milhões de crianças e adolescentes, estar mais preocupado em adestrar professores e alunos e não em formar cidadãos.

Recuo: Após diversas críticas de educadores e juristas, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, reconheceu nesta terça-feira, 26, que errou ao pedir que as escolas filmassem as crianças cantando o Hino Nacional, sem a autorização dos pais. Entretanto, o ministro não falou nada referente ao slogan da campanha do presidente Jair Bolsonaro. “Eu percebi o erro, tirei essa frase, tirei a parte correspondente a filmar crianças sem a autorização dos pais. Evidentemente, se alguma coisa for publicada, será dentro da lei, com autorização dos pais”, afirmou antes de participar de audiência pública no Senado para apresentar aos senadores diretrizes e os programas prioritários da pasta.

O MEC informou, por meio de nota, que enviará ainda nesta terça a escolas do país carta atualizada do ministro para que seja lida pelos responsáveis pelas instituições de ensino de forma voluntária no primeiro dia letivo deste ano. A nova carta retirou trecho que foi utilizado durante a campanha de Jair Bolsonaro à Presidência. “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração”.

Fonte: Com informações da BBC Brasil, UOL, O Globo, G1 e Congresso em Foco
CNTS

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