Manobra do governo e submissão da Câmara

A data de 27 de junho poderia ficar marcada como o dia de uma grande vitória dos profissionais da enfermagem. Infelizmente, por manobra vergonhosa do governo, o PL 2.295/00, que regulamenta a jornada de trabalho da categoria, não foi a votação no plenário da Câmara dos Deputados. Pressionado pelo setor privado da saúde, o governo subjugou os parlamentares da base aliada, para que não assinassem a lista de presença e, em consequência, não dessem o quórum necessário e a votação fosse suspensa. A galeria lotada de profissionais vindos de todos os estados reagiu com vaias e alertas de que os traidores não terão voto da classe nas próximas eleições.
 
Os debates da véspera anunciavam a possível aprovação do projeto. Diante de mais uma mobilização, com a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Enfermagem e pressão durante a reunião do Colégio de Líderes, na tarde do dia 26, na Câmara, o PL 2.295, foi incluído na pauta para votação em regime de urgência no dia seguinte. Era o momento oportuno para sua apreciação, tendo em vista não existir nenhuma Medida Provisória trancando a pauta. A CNTS e demais entidades que compõem o Fórum 30 horas já – Enfermagem unida por um só objetivo mantiveram em Brasília dirigentes de vários estados em vigília, aguardando pela conquista. A inclusão na pauta contava com apoio de todos os líderes partidários, que assinaram requerimento neste sentido. Cerca de 1,7 milhão de profissionais aguardavam ansiosos pelo resultado em plenário.
 
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Logo pela manha, em sessão extraordinária, foi aprovada a inclusão do projeto na pauta de urgência. Mas, nos bastidores, o governo arquitetava contra. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, se reuniu com lideranças das bancadas para pedir o adiamento da votação sob o argumento de ter encomendado à Fundação Getúlio Vargas – FGV estudo sobre o impacto financeiro da adoção das 30 horas nas unidades de saúde. Uma preocupação maior do setor privado, pois em muitos estados e municípios a jornada de 30 horas já está em vigor.
 
E vale ressaltar que em meados de 2011, portanto, há quase um ano, o Ministério criou uma comissão para fazer o mesmo estudo. Técnicos do Ministério, dirigentes das entidades que compõem o Fórum e representantes do setor patronal se reuniram várias vezes para discutir a questão. Levantamentos foram feitos pelo governo, pelos trabalhadores e pelo patronal, porém, com divergências nos números. Nova reunião estava marcada para este 25 de junho na busca de consenso. O estudo dos trabalhadores, elaborado pelo Dieese, havia sido reexaminado, mas o encontro foi cancelado pelo Ministério ante a justificativa de ter solicitado novo estudo à FGV. Os patrões também anunciaram que outro levantamento seria feito pela Universidade de São Paulo – USP. Fica a pergunta: por que brincar de reunir e fazer estudo, tomar tempo dos profissionais, se não havia a intenção de, pelo menos, usar como subsídio?
 
A tática usada para não assumir responsabilidades não é nova e não vem somente do Ministério da Saúde. A pasta e também o Ministério do Trabalho já emitiram, em 2010, notas técnicas favoráveis ao PL 2.295, que depois foram ignoradas. A então candidata à Presidência da República, Dilma Rousseff, se comprometeu a apoiar a proposta, mas pelo visto, foi-se o tempo que palavra empenhada era questão de honra.
 
“Nesta oportunidade, assumo com vocês, se eleita Presidente da República, o compromisso de apoiar a aprovação de iniciativas legislativas que garantam a jornada de trabalho de 30 horas semanais para os profissionais de enfermagem, como o Projeto de Lei nº 2295/00 na Câmara dos Deputados, bem como as medidas necessárias para a sua implementação, uma prática já presente em vários municípios e estados brasileiros”, disse ela, por meio de carta enviada a lideranças durante congresso da categoria.
 
E disse mais: “Entendo que a enfermagem é uma profissão essencial para a construção e consolidação do SUS. Por isso, apoio a luta da categoria por visibilidade e valorização profissional. A redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais é uma reivindicação justa e necessária, porque contribui para a melhoria da qualidade do serviço à população”. A carta foi endossada pelo então coordenador da campanha e hoje ministro Padilha, “reafirmando nossos compromissos com a consolidação do SUS e a defesa da vida e, neste contexto, a valorização dos profissionais de enfermagem e suas reivindicações”.
 
O PL 2.295 foi aprovado no Senado em final de 2009, portanto, aguarda apreciação na Câmara há 12 anos. Nas várias mobilizações, apontadas por deputados como grandes momentos de democracia na história da Casa, inúmeras lideranças anunciaram apoio à causa, requerimentos foram assinados por todos os líderes para inclusão da proposta na pauta do plenário; a proposta foi aprovada por unanimidade nas comissões; inúmeros pedidos para votação em regime de urgência foram apresentados por parlamentares à Mesa Diretora; sugestão aprovada em reuniões do Colégio de Líderes.
 
Para que servem as discussões democráticas se prevalecem a imposição da vontade do governo e a submissão do Legislativo? Não foram poucas as vezes, nem poucos os deputados, que antecederam o veredito: o PL 2.295 tem apoio da maioria dos deputados, mas se o governo não quiser a proposta não será votada. Será que os líderes manifestam apoio, assinam requerimentos somente para saírem bonitos na foto? Por mais absurdo que seja, parece que funciona assim, senão para todos, pelo menos, para a maioria.
 
Isso se explica pelo fato de não convocarem seus liderados para a votação, para a qual bastava a presença de 257 deputados, metade mais um da composição da Câmara. Muitos deputados estavam em plenário, mas não assinaram a lista de presença, enquanto outros permaneciam nos gabinetes. Tanto é verdade que o número de parlamentares necessários para iniciar as votações foi atingido uma hora antes do previsto para o fim da sessão, às 19 horas.
 
Até o serviço oficial de comunicação da Casa anunciou: “O presidente da Câmara, Marco Maia, defendeu a aprovação hoje (27) à tarde do Projeto de Lei 2295/00, do Senado, que fixa em 30 horas a carga de trabalho semanal de profissionais de enfermagem (enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e parteiras). “Nós não temos nenhum problema em relação a este projeto dos enfermeiros. Não é um projeto que tenha impacto financeiro e que traga problemas ao País. Trata-se de uma categoria relevante”, disse Maia”.
 
E anunciou ainda: “O presidente disse que consultou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no último sábado, sobre o assunto. Segundo Padilha, a proposta não causará impacto nenhum nas contas públicas. “Minha percepção é esta também”, disse Marco Maia”, que, por várias vezes, se comprometeu a incluir o projeto na pauta de votação e sempre se esquivou sob o argumento da pauta trancada por medida provisória. Agora, ele anuncia a votação até o final do ano.
 
Deputados ligados à saúde criticaram a inclusão do tema dos royalties na mesma sessão em que haveria a votação da jornada dos enfermeiros. Houve até bate-boca entre Maia e o deputado Mendonça Prado (DEM-SE), acusado de estar “fazendo proselitismo”. “Quem colocou essa proposta em votação foi este deputado e o senhor nunca me procurou para defender os enfermeiros”, disse Maia.
 
Marco Maia apontou que foi a falta de acordo que inviabilizou a votação de duas propostas incluídas na pauta: a regulamentação da jornada de 30 horas semanais para a enfermagem e as novas regras de distribuição dos royalties do petróleo. O líder do PT, deputado Jilmar Tatto (SP), negou a manobra. E apresentou o ridículo argumento de que “o plenário está esvaziado porque os deputados já retornaram às suas bases para as convenções partidárias e festas juninas”. O líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), no entanto, respaldou o pedido do ministro de adiar a votação. As posições divergentes acabaram por criar um clima de tensão entre os três.
 
Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que o adiamento vai dar tempo para o governo entrar em acordo com os gestores de saúde, que vão ter de aumentar o número de profissionais com a redução da jornada. “Estamos fazendo um compromisso de que vamos, em determinado momento, chamar todos os líderes para fazer o diálogo desta matéria”, disse. O presidente da Câmara garantiu que a polêmica não se encerrou nesta quarta-feira e que as duas propostas voltarão ao plenário em pouco tempo. “Vamos fazer um esforço para destrancar a pauta na próxima semana. Eu não vou descansar enquanto não colocarmos em votação essas matérias”, disse. Porém, foram tantas as promessas não cumpridas.
 
“A CNTS e suas federações filiadas e sindicatos vinculados há anos lutam pela regulamentação da jornada de trabalho para os profissionais da enfermagem. E não será o fato de perder uma batalha que vai tirar seus dirigentes da árdua luta. A Confederação seguirá em frente na busca dessa conquista, que trata de uma questão de coerência e justiça”, assume o presidente, José Lião de Almeida, em coro com os demais dirigentes da entidade. Compromisso e palavra que serão cumpridos. É preciso lutar e é possível vencer!

CNTS

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