Histórico e ameaça de nova reforma da Previdência

Antônio Augusto de Queiroz*

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 já foram aprovadas seis emendas à Constituição com mudanças na Previdência, nos três regimes: Geral, Próprio e Complementar. São as Emendas Constitucionais (EC) nºs 03/1993, 20/1998, 41/2003, 47/2005, 70/2012 e 88/2015.

A EC nº 03/1993, promulgada durante o governo Itamar Franco, instituiu o caráter contributivo da Previdência no serviço público, ao determinar que “as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei”.

A EC nº 20/1998, aprovada durante o governo FHC, promoveu ampla reforma da Previdência:

I – Para todos os regimes: A instituição de critérios financeiros e atuariais nos regimes previdenciários; a substituição do tempo de serviço por tempo de contribuição; o fim da aposentadoria especial do professor universitário; e a extinção da aposentadoria proporcional.

II – Para os servidores públicos: A adoção de idade mínima, sendo de 55 para mulheres e 60 para homens na regra permanente, com redução de sete anos na regra de transição; a exigência de dez anos no serviço público e cinco no cargo; a previsão de adoção, por lei complementar, da previdência complementar para os servidores públicos.

A EC nº 41/2003, no governo Lula, ampliou as exigências da reforma anterior em relação aos servidores públicos:

A ampliação de 10 para 20 anos do tempo de permanência no serviço público para aposentadoria integral do servidor que ingressou no serviço público até 31/12/2003; o fim das regras de transição da EC 20; a instituição do redutor de pensão; o fim da paridade para novos servidores; o fim da integralidade para novos servidores, com cálculo pela média; a instituição da cobrança de contribuição de aposentados e pensionistas, incidente sobre a parcela acima do teto do Regime Geral da Previdência Social – RGPS; a adoção de tetos e subtetos na administração pública; e a previsão de adoção, por lei ordinária, da previdência complementar do servidor.

A EC nº 47/2005, aprovada também no governo Lula, suaviza os efeitos perversos da EC 41 e institui regra de transição, em relação à paridade e integralidade, desde que o servidor conte com mais de 25 anos de serviço público, com redução da idade mínima de 60 anos para homens e 55 para mulheres se a soma da idade com o tempo de serviço supere a fórmula 85/95, sendo indispensável, pelo menos, 35 anos de contribuição, no caso do servidor homem, e 30, no caso da servidora mulher. E isenção do dobro do teto do INSS na parcela do provento de aposentadoria ou pensão quando o beneficiário for portador de doença incapacitante.

A EC nº 70/2012, aprovada no governo Dilma, assegura a integralidade para a aposentadoria por invalidez, porém, só abrange quem ingressou no serviço púbico até 31 de dezembro de 2003.

A EC nº 88/2015, aprovada também no governo Dilma, amplia de 70 para 75 anos a idade para efeito de aposentadoria compulsória.

No plano infraconstitucional houve dezenas de mudanças em matéria previdenciária nos últimos 20 anos, duas das quais só no ano de 2015, sendo uma negativa e outra positiva. A mudança negativa foi o fim da vitaliciedade da pensão. Ela foi instituída pela Medida Provisória 664 e transformada na Lei nº 13.135/2015 para assegurar apenas quatro meses de benefício para o pensionista, caso ele não preencha as novas exigências ou requisitos.

De acordo com a nova regra, válida para os regimes geral e próprio dos servidores, a pensão por morte será devida além dos quatro meses – e condicionada à idade do beneficiário – somente se forem comprovadas as seguintes carências: pelo menos 18 contribuições mensais ao regime previdenciário; e pelo menos dois anos de casamento ou união estável anteriores ao óbito do segurado, as quais asseguram ao pensionista/beneficiário usufruir do benefício:

1) por três anos, se tiver menos de 21 anos de idade; 2) por seis anos, se tiver entre 21 e 26 anos de idade; 3) por dez anos, se tiver entre 27 e 29 anos de idade; 4) por 15 anos, se tiver entre 30 e 40 anos de idade; 5) por 20 anos, se tiver entre 41 e 43 anos de idade; e 6) vitalício, com mais de 44 anos de idade.

A mudança positiva foi a flexibilização do Fator Previdenciário. Ela foi instituída pela Medida Provisória 676 e transformada na Lei nº 13.183/2015 com o objetivo de amenizar os efeitos perversos do fator e permitir, alternativamente, que o segurado possa garantir a aposentadoria sem o redutor se atender aos requisitos da fórmula 85/95. A fórmula consiste na soma do tempo de contribuição com a idade, desde que o segurado conte com pelo menos 30 anos de contribuição, se mulher; e pelo menos 35 anos de contribuição, se homem.

A fórmula 85/95 será aumentada, gradualmente, para 95/100 até o ano de 2027, na seguinte proporção: a) 86/96, a partir de 31 de dezembro de 2018; b) 87/97, a partir de 31 de dezembro de 2020; c) 88/98, a partir de 31 de dezembro de 2022; d) 89/99, a partir de 31 de dezembro de 2024; e e) 95/100, a partir de 31 de dezembro de 2026.

Como, pela regra do fator, ninguém consegue chegar à integralidade com menos de 60 anos de idade, mesmo com a fórmula progressiva, a nova regra beneficia quem ingressou mais cedo no mercado de trabalho. A fórmula 85/95 já tinha sido instituída para o servidor público pela EC nº 47/2005.

Pois bem, antes mesmo da efetivação das mudanças constitucionais e infraconstitucionais, já se discute uma nova reforma da Previdência, na qual seriam feitas mudanças profundas para garantir “sustentabilidade” ao sistema previdenciário. Entre as mudanças em debate no governo Michel Temer, segundo opiniões de aliados do presidente interino, estariam:

a) A adoção de idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição dos segurados do INSS e aumento da idade mínima dos servidores públicos, exceto invalidez e aposentadoria especial – mudança constitucional;

b) a fixação da idade mínima em 65 anos para os Regimes Geral e Próprio, bem como para os trabalhadores urbanos e rurais de ambos os sexos – mudança constitucional;

c) a equiparação, de modo gradual, do diferencial do tempo de contribuição das mulheres ao dos homens, bem como dos trabalhadores rurais aos demais na aposentadoria por tempo de contribuição – mudança constitucional;

d) a ampliação da carência para efeito de aposentadoria por idade, que hoje é de 15 anos – mudança infraconstitucional, lei ordinária;

e) a ampliação do tempo de contribuição para efeito de aposentadorias especiais – mudança infraconstitucional, lei complementar;

f) a aposentadoria por idade: aumento de 60 (mulher), 65 (homem) para algo entre 70 e 75 anos para ambos os sexos, incluindo trabalhadores rurais – mudança constitucional;

g) a desvinculação do valor do piso dos benefícios previdenciários do salário mínimo – mudança constitucional, lei ordinária;

h) a diferenciação do piso dos benefícios previdenciários do piso dos benefícios assistenciais, entre os quais também seriam incluídas as aposentadorias rurais – mudança constitucional;

i) a proibição do acúmulo de aposentadorias e destas com pensões – mudança constitucional; e

j) o aumento do valor da contribuição previdenciária, especialmente do servidor público – mudança infraconstitucional, lei ordinária.

Pode parecer exagero na perspectiva de mudança, mas não subestimem o governo Temer, nem em relação à disposição de propor mudanças com esse escopo, nem na capacidade de reunir apoio para aprová-las no Congresso, entre outras razões, porque trata-se de um governo integrado por partidos e pessoas conservadoras e comprometidas com uma agenda neoliberal, expressa na chamada “Ponte para o futuro” que, sinteticamente, propõe:

1) A desindexação geral, inclusive dos reajustes do salário mínimo e dos benefícios previdenciários; 2) a desvinculação orçamentária, desobrigando a União, estados e municípios com percentuais da receita sobre saúde, educação e ciência e tecnologia; 3) a privatização selvagem, com venda de ativos para compor superávit primário; 4) a melhoria do ambiente de negócios, a partir da flexibilização de direitos trabalhistas; e 5) a nova reforma da Previdência, com aumento da idade mínima, entre outras mudanças.

Com a base de que dispõe, o governo não terá dificuldades de encampar medidas impopulares, a começar pelo próprio presidente interino Michel Temer. Vale lembrar que foi o então deputado Michel Temer que relatou em plenário a reforma da Previdência do governo FHC, transformada na Emenda Constitucional 20, que suprimiu diversos direitos dos segurados do INSS e do regime próprio dos servidores. Se o seu parecer tivesse sido aprovado, muitos dos pontos acima citados estariam valendo desde 1998!

Foi também Michel Temer, já como vice-presidente da República, que pilotou a aprovação no Congresso, como coordenador político do governo Dilma, das medidas provisórias 664 e 665, que eliminaram o caráter vitalício das pensões; restringiram o acesso ao seguro-desemprego, ao seguro-defeso e ao abono salarial; além de modificarem o cálculo do auxílio-doença, entre outras restrições ou supressões de direitos. A redução no valor das pensões só não foi aprovada devido à resistência de parlamentares como o então líder do governo no Congresso e ex-ministro da Previdência José Pimentel, que defendeu a inconstitucionalidade da redução.

Uma das primeiras medidas do governo Temer foi incorporar a Previdência Social ao Ministério da Fazenda, transferindo para o domínio da equipe econômica, além da arrecadação previdenciária, que já estava sob controle da Secretaria da Receita Federal do Brasil, também o poder de formular políticas públicas em matéria previdenciária, o que é um verdadeiro despropósito.

Além disso, as equipes econômicas, além de desconhecer a complexidade dos regimes previdenciários do ponto de vista dos direitos que asseguram, não têm a mesma sensibilidade da área social e seu raciocínio é puramente fiscal, preocupado com o corte de gastos.

Isto significa que o caráter solidário tende a desaparecer, prevalecendo uma visão puramente financeira e atuarial e com foco apenas na receita das contribuições previdenciárias dos empregados e empregadores, sem considerar a participação da sociedade, mediante as contribuições sociais e demais tributos sobre o consumo e a renda.

Quanto ao eventual apoio no Congresso, basta lembrar que o novo governo conta com uma enorme base de sustentação, tendo como oposição real apenas o PT, o PCdoB, o PDT, o PSol e o Rede Sustentabilidade, que juntos somam no máximo 100 deputados. É claro que um tema polêmico e complexo como a reforma da Previdência pode provocar dissidências na base, mas isso vai requerer muito esforço, mobilização e pressão sobre os parlamentares.

Por tudo que foi exposto, não resta nenhuma dúvida quanto à disposição governamental de realizar a reforma da Previdência, nem quanto ao seu conteúdo, que será puramente fiscalista, voltado para reduzir despesas com benefícios previdenciários; nem em relação ao empenho em sua efetivação, a começar por entregar a condução desse processo ao Ministério da Fazenda, que deixou claro que, qualquer que seja o resultado das discussões com as entidades sindicais, enviará em curto prazo a reforma da Previdência ao Congresso.

(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap

CNTS

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