Governo altera Lei de Acesso à Informação e aumenta sigilo em dados
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Decreto permite que servidores comissionados, dirigentes de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista poderão classificar informações e dados públicos como ultrassecretos, o que os manteria inacessíveis por 25 anos.
São 25 dias de governo, mas o presidente Jair Bolsonaro já conseguiu pavimentar o caminho para o seu primeiro descumprimento explícito de promessa. No dia 7 de janeiro, ao dar posse para os presidentes dos três mais importantes bancos públicos do país – Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES –, Bolsonaro voltou a dizer o que havia indicado na campanha eleitoral, mas agora na condição de líder máximo do país: no seu governo, haveria “transparência acima de tudo”. “Todos os nossos atos terão que ser abertos para o público”, disse em discurso.
Não é o que se ver com o Decreto 9.690/2019, assinado pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, que mudou a regulamentação da Lei de Acesso à Informação – LAI, para permitir que servidores comissionados, dirigentes de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista poderão classificar informações e dados públicos como ultrassecretos, o que os manteria inacessíveis por 25 anos.
Antes do decreto, apenas o presidente da República, o vice-presidente, os ministros de Estado, os comandantes das Forças Armadas e os chefes de missões diplomáticas e consulares permanentes no exterior podiam classificar dados como ultrassecretos. A decisão das últimas duas categorias – comandantes e diplomatas – precisava ainda ser ratificada por ministros, num prazo de 30 dias. Em geral, esse tipo de selo é aplicado em casos muito específicos, como quando o conteúdo pode afetar, de alguma forma, a segurança do Estado e da sociedade.
A Lei de Acesso à Informação foi assinada em 18 de novembro de 2011 pela então presidente Dilma Rousseff. Ela entrou em vigor no ano seguinte, em 16 de maio de 2012, e garante a qualquer pessoa o direito de ter acesso a documentos e informações sob a guarda de órgãos públicos, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e em todos os níveis de governo: União, estados e municípios.
Só algumas informações não seriam acessadas, segundo as regras originais: aquelas consideradas sigilosas. A Lei de 2012 previa três graus possíveis de sigilo: ultrassecreto (25 anos de confidencialidade), secreto (15 anos) e reservado (5 anos). Na categoria ultrassecreta, por exemplo, somente agora as pessoas podem demandar acesso a documentos mais sensíveis produzidos em 1994 – época da elaboração do Plano Real.
Críticas – Entidades que atuam em defesa da transparência do setor público no Brasil se manifestaram contra o decreto do governo federal, que muda as regras da Lei de Acesso à Informação. Os grupos consideraram que a expansão do número de funcionários que poderão classificar documentos e informações públicas como sigilosas é um “retrocesso” ao princípio da Lei e vai dificultar o combate à corrupção.
Diretor-executivo da Transparência Brasil, entidade que monitora ações do poder público, o economista Manoel Galdino diz que as alterações podem representar um retrocesso na publicidade dos atos do governo. “Há hoje, no Brasil, um certo grau de subjetividade para definir algo que coloca risco à sociedade e ao Estado. [A mudança] sugere que a gente vai ter mais variação de critérios para classificar como ultrassecreto, o que pode representar um risco à transparência”, comenta.
Galdino integra o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU – Controladoria-Geral da União. O colegiado, formado por membros da sociedade civil e do Executivo, é o responsável por discutir esse tipo de mudança. A própria minuta da Lei de Acesso, aprovada em 2011, foi rascunhada pelo grupo.
Segundo Galdino, o conselho não foi consultado pelo governo. “Tivemos uma reunião no dia 12 de dezembro, que foi, inclusive, a posse dos novos membros. O ministro [da CGU, Wagner Rosário] foi bem claro ao dizer que as eventuais alterações na LAI seriam discutidas junto aos membros do conselho, seriam apresentadas lá, e não houve isso. Foi uma mudança que nos pegou de surpresa. Não sabemos por que o governo fez”, declarou.
Organizações como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – Abraji e Transparência Internacional também criticam o decreto, que consideram “esquisito” e “bastante prejudicial”. Uma das preocupações das entidades é que não há critérios claros para determinar que tipo de informação pode representar um risco à sociedade ou ao Estado e que deveria ser, portanto, sigilosa. Ao ampliar o leque de servidores para escalões mais baixos, os especialistas temem que haja menos uniformidade nesse processo e que, consequentemente, levem a um “uso infundado e exagerado desse instrumento”.