Governo admite que ataques à China travam chegada de insumos para vacina
Política
Com a relação conflituosa do governo brasileiro com a China, parlamentares se movimentam para apelar ao país asiático o envio de insumos necessários à produção de vacinas. Índia anuncia a exportação de imunizantes, a partir de hoje, mas Brasil fica fora da lista.
Depois de o governo criar uma relação conflituosa com a China por questões meramente ideológicas, o Brasil, agora, amarga dificuldades de importação de matéria-prima, do país asiático, para a produção de vacinas contra a covid-19. As dificuldades foram provocadas pelo presidente Jair Bolsonaro e por pessoas do entorno dele, como o filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e o próprio ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O chanceler, em vez de desenvolver uma relação diplomática com o gigante asiático, nosso principal parceiro comercial, teceu críticas ao país à frente do Itamaraty.
O problema com a importação da matéria-prima necessária para produção de vacina, o Ingrediente Farmacêutico Ativo – IFA, fez com que a Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz adiasse para março a previsão de entrega das primeiras doses do imunizante da Oxford, que serão produzidas no Brasil e seriam liberadas em fevereiro. No caso da CoronaVac, produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, não há previsão de quando os insumos cheguem para retomar a produção da vacina.
Segundo informações da colunista Carla Araújo, do UOL, embaixadores que acompanham as negociações reconhecem que o governo agiu de forma equivocada na comunicação. A avaliação feita no Ministério das Relações Exteriores é de que os anúncios do governo fizeram “muito barulho” sem os produtos estarem já em mãos brasileiras. “Lamentamos que tenha havido esse ruído de comunicação e a culpa é do governo”, disse um diplomata.
Diante desse cenário, integrantes do governo disseram à CNN Brasil que a ordem interna agora é para que haja um esforço de reaproximação com o governo chinês. Por enquanto, segundo os relatos, o próprio chanceler Ernesto Araújo tem mantido contato diário com o seu correspondente chinês. Porém, apesar dos contatos do chanceler Ernesto Araújo com os chanceleres de China e Índia, as tratativas estão sendo feitas pelos embaixadores. A avaliação do Itamaraty é que o governo brasileiro se comunicou de forma equivocada.
Deputados se mobilizam – No Congresso, parlamentares se movimentam para tentar resolver o problema criado pelo Executivo. As frentes parlamentares Brasil-China e dos Brics na Câmara protocolaram, na embaixada da China, uma carta para o presidente do país, Xi Jinping. No documento, assinado pelo presidente das frentes, Fausto Pinato (PP-SP), deputados pedem que o mandatário intervenha para liberar a exportação do insumo farmacêutico ativo ao Butantan e à Fiocruz.
Além das frentes, o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), marcou para a manhã de hoje um encontro com o embaixador Yang Wanming. A intenção é sensibilizá-lo para mobilizar o governo chinês a enviar os insumos. Maia disse que “o governo brasileiro interditou a relação” com Pequim, depois dos seguidos ataques que o presidente e seus filhos fizeram desde pelo menos novembro, quando deram declarações e publicaram posts culpando os chineses pela pandemia, desconfiando da vacina chinesa e até acusando o país asiático de querer espionar o Brasil por meio da tecnologia 5G de telefonia celular e internet.
Problemas com insumos – Nos dois casos, o Brasil teme não apenas a interrupção no envio de vacinas prontas, mas também a interrupção no fornecimento do IFA. O componente é indispensável para a fabricação dos imunizantes e o estoque nacional é curto. No caso de São Paulo, só chega até o fim do mês.
Um lote de 11 mil litros do IFA está parado no aeroporto de Pequim. O carregamento seria suficiente para a formulação de aproximadamente 18,3 milhões de doses da Coronavac no Brasil. Há 6 milhões de vacinas prontas aqui, além de insumos para a produção de mais 4,8 milhões de doses.
No caso do governo federal, a Fundação Oswaldo Cruz esperava receber do fabricante chinês Wuxi, comissionado da AstraZeneca, insumos para a produção de 1 milhão de doses da vacina de Oxford. O carregamento não chegou na data original, em dezembro, nem na segunda data prevista, 12 de janeiro.
Índia – O estardalhaço feito na semana passada em torno do embarque de uma aeronave para a Índia para buscar os 2 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 atrapalhou bastante e feriu interesses, inclusive os de nações vizinhas ao país asiático. A avaliação no meio diplomático é que houve precipitação ao se anunciar, com alarde, a importação das doses fabricadas por um laboratório indiano, sem que a operação estivesse garantida. Por isso, a estratégia que passou a ser adotada nas negociações com os países fornecedores tem como ponto central a discrição.
Na semana passada, o governo brasileiro divulgou com ênfase a ida de uma missão coordenada pelo Ministério da Saúde à Índia para buscar a uma vacina desenvolvida pelo consórcio da farmacêutica britânica AstraZeneca e da Universidade de Oxford. O lote foi fabricado pelo laboratório indiano Serum. Um avião partiria de Recife, na quinta-feira, 14, e desembarcaria no país, com os imunizantes, dois dias depois.
A missão foi abortada. O governo indiano avisou que ainda não estava preparado para realizar as exportações dos imunizantes, ainda mais quando estava para ser iniciada a campanha de vacinação naquele país. Os indianos ainda sofriam a pressão dos vizinhos.
Ontem, 19, o Ministério das Relações Exteriores da Índia anunciou que iniciaria a exportação da vacina para seis países vizinhos e parceiros-chave, mas não incluiu o Brasil na lista, formada por Butão, Maldivas, Bangladesh, Nepal, Mianmar e Seicheles.