Ernesto Araújo articulou para barrar adesão do Brasil ao consórcio Covax Facility
Política
O Brasil perderia 41 milhões de doses de vacinas por conta da lógica deturpada do chanceler brasileiro, que via no consórcio um fortalecimento da Organização Mundial da Saúde, atacada por Donald Trump e bolsonaristas. O fato de ser uma aliança global também incomodava o chanceler, publicamente contrário ao globalismo – seja lá o que o termo queira dizer.
Os ecos da submissão imoral do Brasil aos Estados Unidos, adotada como estratégia de política externa do governo Bolsonaro, ainda se fazem sentir meses após a saída de Donald Trump da Casa Branca, com prejuízos incalculáveis ao país. Segundo informações do colunista Guilherme Amado, da revista Época, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, atualmente em franco processo de fritura, articulou contra a adesão do Brasil ao consórcio de vacinas Covax Facility, formado em 2020 pela Organização Mundial da Saúde – OMS.
Pela lógica deturpada de Araújo, a entrada do país no consórcio iria fortalecer a OMS, que vinha sendo atacada pelo então presidente Donald Trump desde o início da pandemia. A agência das Nações Unidas foi acusada por Trump de proteger a China na crise sanitária do novo coronavírus. Trump chegou a suspender repasses financeiros à entidade, gesto também adotado pelo Brasil, que passou a atrasar pagamentos à organização.
“O fato de ser uma aliança global também incomodava o chanceler, publicamente contrário ao globalismo – seja lá o que o termo queira dizer”, escreveu Amado. De acordo com o colunista, a situação foi contornada com a intervenção da embaixadora Nazareth Azevêdo, à época representante do Brasil para a ONU em Genebra.
A diplomata viu-se obrigada a explicar ao relutante ministro sobre os riscos de o país ficar sem imunizantes caso optasse por ficar de fora do consórcio. “Depois de muitas negativas, o chanceler se dobrou, e agora diz que sempre trabalhou pela vacina”, denunciou Amado.
Mesmo assim, o Brasil optou por receber do consórcio o equivalente a uma cobertura vacinal para apenas 10% da população, quando poderia ter escolhido doses para imunizar até 50% dos brasileiros. O Brasil já recebeu um milhão de doses da vacina de Oxford e tem previsão de obter outras 41 milhões de doses.
Liderado pela OMS, o consórcio Covax Facility é uma coalização de cerca de 150 países que estimula o desenvolvimento e a distribuição de vacinas contra a Covid-19.
Acuado, Araújo ataca senadora Kátia Abreu – Pressionado pelo Congresso e vários outros setores da sociedade para deixar seu posto, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, resolveu contra-atacar o Senado, após parlamentares cobrarem publicamente sua demissão. O chanceler divulgou nas redes sociais o conteúdo de uma conversa reservada com a senadora Kátia Abreu (PP-TO) durante um almoço no Itamaraty, insinuando que ela teria defendido interesses da China.
“Em 4/3 recebi a senadora Kátia Abreu para almoçar no MRE. Conversa cortês. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, à mesa, disse: “Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado.” Não fiz gesto algum”, escreveu Ernesto em sua conta no Twitter neste domingo. “Desconsiderei a sugestão inclusive porque o tema 5G depende do Ministério das Comunicações e do próprio Presidente da República, a quem compete a decisão última na matéria”.
A senadora Kátia Abreu é presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, onde cresce um movimento para barrar a análise de qualquer indicação de embaixador, prerrogativa do colegiado, enquanto Ernesto continuar como ministro do governo de Jair Bolsonaro.
O ataque de Ernesto Araújo provocou forte reação de outros senadores no domingo, 28. Nas redes sociais, os parlamentarem saíram em defesa de Kátia, criticaram o chanceler e voltaram a pedir sua saída. “Ernesto e democracia não andam juntos”, publicou Simone Tebet (MDB-MS).
“O Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições. Alguém que agride gratuitamente e desnecessariamente a Comissão de Relações Exteriores e o Senado Federal”, escreveu a senadora Kátia Abreu, em nota à imprensa.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), diz que afirmação de Ernesto Araújo sobre Kátia Abreu atinge todo o Senado. “A tentativa do ministro Ernesto Araújo de desqualificar a competente senadora Kátia Abreu atinge todo o Senado Federal. E justamente em um momento que estamos buscando unir, somar, pacificar as relações entre os poderes. Essa constante desagregação é um grande desserviço ao país”, afirmou.
Diplomatas pedem saída do ministro – Não são apenas os parlamentares que querem a saída de Ernesto Araujo, Um grupo de cerca de 300 diplomatas divulgou no sábado, 27, carta na qual criticam a postura adotada pelo ministro das Relações Exteriores e pedem que o chanceler deixe o cargo. “Nos últimos dois anos, avolumaram-se exemplos de condutas incompatíveis com os princípios constitucionais e até mesmo os códigos mais elementares da prática diplomática. O Itamaraty enfrenta aguda crise orçamentária e uma série numerosa de incidentes diplomáticos, com graves prejuízos para as relações internacionais e a imagem do Brasil”, afirma o texto.
A situação teria se agravado com a condução da política externa no contexto da pandemia. “A crise da Covid-19 tem revelado que equívocos na condução da política externa trazem prejuízos concretos à população. Além de problemas mais imediatos, como a falta de vacinas, de insumos ou a proibição da entrada de brasileiros em outros países, acumulam-se danos de longo prazo na credibilidade internacional do país”, destaca o documento.
Diplomacia com viés ideológico – A insatisfação de diplomatas com a condução do Itamaraty vem de longa data. Integrante da ala ideológica do governo de Jair Bolsonaro e indicado ao cargo por Olavo de Carvalho, Araújo deixou de lado os princípios da diplomacia brasileira e pautou sua gestão na visão radical do guru.
O ministro promove constantemente teorias conspiratórias sobre uma suposta conspiração comunista internacional que pretende tomar o poder na América Latina e teses consideradas absurdas por historiadores como “o nazismo de esquerda”.
Fã declarado de Donald Trump, Araújo alinhou ainda o Brasil incondicionalmente ao então governo do republicano e acabou isolando o país no cenário internacional, além de reforçar uma política de hostilidade a grandes parceiros comerciais, como a União Europeia e a China.
Ao longo da pandemia, Araújo insistia na tese do “comunavírus”, que seria uma conspiração “comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter completamente a democracia liberal e a economia de mercado”, causando atritos com a China.