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Denúncia aponta que governo não cumpriu piso mínimo de recursos da saúde em 2016

A procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto, e o economista Francisco Rozsa Funcia ajuizaram representação contra o presidente Michel Temer e o ministro da Saúde, Ricardo Barros, junto ao Tribunal de Contas da União – TCU, em razão de déficit de aplicação em Ações e Serviços Públicos de Saúde – ASPS pela União no exercício financeiro de 2016. A denúncia aponta que os recursos não atingiram o piso federal de 15% da Receita Corrente Líquida – RCL de que trata o artigo 198, §2º, I, da Constituição Federal.

Como cidadãos, reclamam investigação imediata do TCU, “haja vista o risco consistente de desrespeito às normas constitucionais e legais acerca do dever federal de aplicação mínima em ações e serviços públicos de saúde, bem como ao princípio constitucional de que ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado’”.

Segundo os denunciantes, a execução orçamentária de 2016 pelo Ministério da Saúde reclama leitura conjugada de disposições das Emendas Constitucionais nº 86/2015 e nº 95/2016, sobretudo em relação ao dever de aplicação mínima de recursos em ações e serviços públicos de saúde. A conclusão é que o piso federal em saúde se tornou 15% da RCL, sem qualquer escalonamento ou diferimento temporal com a entrada em vigor da EC 95, em 15 de dezembro de 2016.

“Com a entrada em vigor da EC 95 em 15 de dezembro de 2016, não cabe manter a interpretação da extensão temporal de vigência da regra anterior de 13,2% da RCL dada pelo artigo 2º, I, da EC 86 até 31 de dezembro do ano passado. Já estava prevista a revogação do artigo 2º da EC 86/2015, com a consequente majoração imediata do piso federal em saúde de 13,2% para 15% da RCL, como aparente medida de compensação da sua posterior submissão ao denominado Novo Regime Fiscal, veiculado pela EC 95/2016”, argumentam.

Com base no Relatório Resumido de Execução Orçamentária, relativo ao último bimestre do ano passado, os dados apresentados na denúncia apontam que, “para cumprir o piso federal em saúde em 2016 de 15% da RCL, a União deveria ter aplicado, no mínimo, R$108,371 bilhões, ao invés de R$ 106,236 bilhões, de modo que seu patamar de aplicação em ASPS ficou em 14,7%, ou seja, aproximadamente R$ 2 bilhões aquém do exigido constitucionalmente”.

Restos a pagar

Ainda segundo a representação, a aplicação federal em ações e serviços públicos de saúde até o exercício de 2015 obedeceu aos ditames da Emenda Constitucional nº 29/2000, cujo limite mínimo de cada ano era calculado pelo valor da despesa empenhada no ano anterior acrescido da variação percentual anual do valor nominal do Produto Interno Bruto do exercício anterior.

“Considerando que o valor empenhado para as ações e serviços em 2016 foi de R$ 106.719 milhões e que – desse valor – deve ser deduzido o valor da compensação dos restos a pagar cancelados em 2015, o valor empenhado em 2016 para verificação da aplicação mínima constitucional foi de R$ 106,236 bilhões, o que correspondeu a uma aplicação abaixo do piso mínimo constitucional de 15% da receita corrente líquida de 2016. Assim sendo, não houve o cumprimento da aplicação mínima constitucional em ASPS, nem da compensação integral dos restos a pagar cancelados em 2015, como exige o artigo 25 da Lei Complementar nº 141/2012”.

Os representantes manifestam preocupação com a falta de compensação dos restos a pagar cancelados referentes a empenhos anteriores a 2013. “Decorre da constatação empírica de que foi exatamente nesse período que a proporção dos valores inscritos como restos a pagar em relação aos valores empenhados anualmente superou a cifra de 10% e 11%. Dessa forma, esses cancelamentos, se não forem compensados como aplicação adicional em 2016, na sua totalidade, tal como propugna o artigo 25 da LC 141, podem ter o efeito nefasto de acatamento retroativo de déficits de cumprimento do piso federal em saúde”.

A gravidade da situação de descumprimento da aplicação mínima constitucional em 2016, ressaltam, se amplia diante do fato de o valor disponibilizado no decreto de programação financeira pela área econômica do governo para empenhar as despesas em ASPS ter sido inferior a esse piso.

“Ainda que, por remota eventualidade, o TCU não imponha o dever de compensar os restos a pagar cancelados em 2015 no exercício de 2016, permanecerá configurado o déficit de aplicação em saúde pela União, diante do fato de houve a falta de empenho de R$ 2,135 bilhões em relação ao piso de 15% da RCL. Caso a interpretação do TCU seja a mais aderente ao artigo 25 da LC 141/2012, bem como ao artigo 198 da Constituição, será constatado déficit de aplicação federal em saúde, no exercício de 2016, de R$ 2,574 bilhões, vez que aos R$ 2,135 bilhões acima elucidados devem ser acrescidos os R$ 439 milhões de restos a pagar cancelados em 2015 que não foram compensados como aplicação adicional em 2016”.

Déficit em 2014 e 2015

Élida Graziane e Francisco Funcia avaliam, ainda, que, em termos reais (a preços de 2016), o valor empenhado total em ASPS em 2016 foi inferior a 2014 (-1,73%) e 2015 (-0,10%), a mesma situação verificada quando considerado o valor per capita de 2016 (-3,30% e -0,88% em comparação a 2014 a 2015 respectivamente).

“Em 2016, a aplicação em ASPS apurada como proporção da receita corrente líquida (14,70%) foi inferior a 2015 (de 14,83%), além de inferior ao limite mínimo para o exercício de 2016 (15%). Fica evidenciado que o contingenciamento orçamentário histórico a que tem sido submetido o Ministério da Saúde constrangeu e limitou de maneira ainda mais grave a execução orçamentária de 2016, a ponto de inviabilizar o cumprimento da obrigação constitucional”.

Eles apontam que “o contingenciamento orçamentário é uma prática histórica da área econômica do governo que, no caso da saúde, tem inviabilizado muitas vezes o cumprimento de compromissos pactuados com as esferas estadual e municipal de governo, como ocorreu em 2014, em que parte das despesas desse exercício, destinadas às transferências fundo a fundo, não puderam ser empenhadas, onerando o orçamento do Ministério da Saúde de 2015”.

E criticam: “Tamanho é o nível de adiamento da execução orçamentária da União por meio do célebre “orçamento paralelo” de restos a pagar, que é possível afirmar haver uma infeliz tendência de “precatorização” do gasto mínimo federal em ações e serviços públicos de saúde, segundo a qual a União reconhece ser devida e obrigatória a despesa, mas posterga indefinidamente o seu pagamento. O pior é que, em 2016, não só houve adiamento da realização do piso federal em saúde, como também se consumou déficit real de aplicação, em desfavor do SUS e das ações e serviços públicos de saúde ali empreendidos federativamente”.

O próprio TCU, afirmam os denunciantes, já havia assinalado nos autos do FiscSaúde 2013 (TC 032.624/2013-1), que o cancelamento e/ou prescrição de restos a pagar merece acompanhamento detido, na medida em que há o sério risco de que, com a mera reinscrição dos mesmos e sem a pertinente compensação, haja a postergação indefinida do cumprimento da regra do mínimo.

“Nesse contexto, impõe-se a compensação imediata no exercício subsequente de quaisquer restos a pagar que, porventura, tenham sido cancelados e que, originalmente, tenham sido contabilizados no piso federal em ASPS, na forma do artigo 24, §1º e artigo 25 da LC 141. Tal situação deve ser acompanhada pelo TCU, para evitar que os empenhos relacionados à dotação de compensação sejam novamente inscritos em restos a pagar, postergando indefinidamente o cumprimento da regra do mínimo”, cobram Graziane e Funcia.

Interesse coletivo

“Os fatos narrados nesta representação apontam para uma incoerente e abusiva rota de “precatorização” do gasto mínimo federal em saúde, que – direta ou indiretamente – dá causa à percepção social de que o país não consegue cumprir o princípio constitucional de oferecer à população um Sistema Único de Saúde, universal, igualitário e integral”, avaliam.

Eles ressaltam que as despesas empenhadas no período 2014-2016 com as transferências do SUS para estados, Distrito Federal e municípios também foram afetadas negativamente pela aplicação em ASPS abaixo do mínimo constitucional em 2016. “Houve queda real dessas despesas que, em termos consolidados, representaram que as transferências nas duas modalidades foram aproximadamente R$ 3,8 bilhões a menos que em 2014 (a preços de 2016)”.

Os representantes cobram do TCU a promoção das medidas necessárias para resguardar o interesse coletivo e apurar as irregularidades perpetradas pela União quanto ao dever de financiamento mínimo das ações e serviços públicos de saúde. E requerem a tutela cautelar para determinar a imediata compensação do saldo de restos a pagar cancelados em 2015, em acréscimo ao piso federal em ASPS de 2016, bem como a compensação do déficit de aplicação de R$ 2,574 bilhões verificado no ano passado.

Requerem, também, seja dada procedência aos pedidos de compensação formulados e seja declarado o déficit federal de aplicação em saúde para todos os efeitos de exame das contas anuais de 2016 do governo, bem como a responsabilização a que se refere o artigo 46 da Lei Complementar 141/2012. (Fonte: Representação do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo).

CNTS

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