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Conferência rediscute modelo de atenção ao parto

Começou na última terça (14) a “Ecos da 9º Conferência – Normal é Natural: da pesquisa à ação”, que reune os principais obstetras, ginecologistas, pediatras, obstetrizes e enfermeiros obstétricos do Brasil e do exterior, no Rio de Janeiro. Em sua nona edição, a Normal Labour and Birth, que começou na Grã Bretanha, aborda aspectos do cuidado com a gestante, o parto e o nascimento, bem como a necessidade da capacitação de profissionais de saúde para atuar diante dos processos de vulnerabilidade da gestante, além das dimensões éticas do cuidado com o nascimento. O evento é presidido no Brasil pela pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública, Maria do Carmo Leal.

“Trata-se de um congresso muito importante para o Brasil. Principalmente em função da grande dificuldade de os nascimentos ocorrerem de forma natural no país. Temos taxas de cesarianas muito elevadas, já próximas a 60%, e também uma grande quantidade de intervenções sobre o parto normal. Precisamos discutir com aqueles que apresentam resultados melhores que os nossos”, observou a presidente da conferência e coordenadora da pesquisa Nascer no Brasil, Maria do Carmo Leal.

O presidente da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo-Nacional), Valdecyr Herdy Alves, destaca a realização do congresso como mais uma oportunidade de produzir conhecimento e buscar sua aplicabilidade na prática. Para ele, um cuidado centrado na mulher, no bebê e na família, a partir de melhores evidências científicas, será fundamental para remodelar o modelo de atenção ao parto no Brasil. “A Rede Cegonha trouxe as enfermeiras obstetrizes para o parto, mas o que ainda acontece no Brasil é uma situação de violência, e que está presente no discurso das mulheres. Temos que respeitar a autonomia e as possibilidades de escolha dessa mãe”.

O diretor do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Carlos Maciel, afirma que a unidade está se preparando para construir um Centro de Parto Normal na nova sede do instituto, a ser construída na Quinta da Boa Vista. Segundo ele, como uma unidade da Fiocruz e um órgão do Ministério, o IFF deve atuar nas questões centrais do parto e nascimento unindo médicos e enfermeiros.

Normas do Ministério da Saúde e ANS

Desde quarta (15), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) coloca em consulta pública duas resoluções que visam à redução de cesarianas desnecessárias entre consumidoras de planos de saúde. Entre as medidas sugeridas pela Agência, está a ampliação do acesso à informação pelas beneficiárias, que poderão solicitar as taxas de cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico – independentemente de estarem grávidas ou não. 

As propostas para a mudança do modelo de assistência vigente foram anunciadas nesta terça-feira (14), em Brasília, pelo ministro da Saúde, Arthur Chioro, e o diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), André Longo. As medidas foram elaboradas por um Grupo de Trabalho específico constituído por servidores da ANS. 

Na ocasião, o ministro da Saúde destacou a importância do enfrentamento ao que pode ser considerada uma epidemia de cesarianas no país. “No setor privado, o percentual que temos de partos cesáreos deveríamos ter de partos normais. Precisamos inverter essa situação, senão a vida vira uma mercadoria. A natureza deu nove meses para que a gestante se prepare para o parto. Respeitar a mulher é acima de tudo disponibilizar a ela todas as informações sobre o parto normal e fazer com que o parto cirúrgico seja adotado apenas quando indicado”, ressaltou Chioro. 

Além da transparência das informações, as resoluções preveem ainda a apresentação do partograma, um documento que deverá conter as anotações do desenvolvimento do trabalho de parto, das condições maternas e fetais. O documento, além de uma importante ferramenta de gestão para as operadoras, será parte integrante do processo para pagamento do parto. Em casos excepcionais, o partograma poderá ser substituído por relatório médico detalhado.

“O partograma vai mostrar a evolução do parto, com as informações sobre dilatação, contrações, que vão auxiliar inclusive na troca de plantão médico. Com o documento, será possível identificar a realização das cesárias sem indicação médica. No entanto, mais do que adotar medidas coercivas, a ANS acredita que é necessária uma mudança de cultura. A Agência vai fiscalizar essas ações assim que as resoluções entrarem em vigor e contamos com o apoio das mulheres nesse processo”, explicou o diretor-presidente da ANS, André Longo.  

As resoluções também incluem a distribuição, por parte das operadoras de planos de saúde, do Cartão da Gestante com a Carta de Informação à Gestante, instrumento para registro das consultas de pré-natal, com orientações e dados de acompanhamento da gestação.

As novas normas e os demais documentos necessários para detalhamento da consulta pública estarão disponíveis para análise dos interessados. O envio das contribuições ocorrerá de 24 de outubro a 23 de novembro e deverá ser feito exclusivamente em formulário disponível no portal da ANS. A expectativa é que elas entrem em vigor em dezembro.

A cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados a prematuridade. Atualmente, o percentual de partos cesáreos chega a 84% na saúde suplementar.

“Não estamos demonizando a cesariana; existem muitos casos em que elas salvam vidas. A cesariana é uma conquista científica, mas não podemos ter este excesso. A escolha do modelo de parto é, fundamentalmente, uma questão de saúde, e deve estar condicionada ao que for mais adequado para cada caso e ao que for mais seguro para a mãe e o bebê”, destacou a gerente de Atenção à Saúde da ANS, Karla Coelho.

Ações – Com o objetivo de mudar essa realidade e incentivar que o setor adote um comportamento mais focado na promoção da saúde e na melhoria da assistência ao parto, desde 2004 a ANS tem promovido uma série de iniciativas.

Um dos destaques é a criação de indicador no Programa de Qualificação da Saúde Suplementar, com melhor pontuação para as operadoras com menor proporção de parto cesáreo. As ‘notas’ das operadoras são publicadas no portal da ANS e apresentadas anualmente à imprensa. Outra ação é a inclusão, no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, da cobertura para parto acompanhado por enfermeira obstétrica e acompanhante – sem cobranças adicionais – durante o pré-parto, parto e pós-parto imediato. O rol é a cobertura mínima obrigatória para todos os planos de saúde.

A ANS também propôs ações para a mudança do modelo de atenção ao parto, com a elaboração, implantação e coordenação de projeto-piloto baseado nas melhores evidências científicas disponíveis, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, o Ministério da Saúde e o Institute for Healthcare Improvement; e o incentivo à habilitação de hospitais privados à iniciativa Hospital Amigo da Criança, que estimula as Boas Práticas de Atenção ao Parto e Nascimento, de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde.

Parto normal

“A cesarianas acarretam alto custo para os sistemas de saúde no mundo, e somente 15% das mulheres preferem esse tipo de parto”. A constatação é do médico obstetra José Belizán, que participou da mesa Cesariana e intervenções obstétricas sobre a mulher e os recém-nascidos, realizada no último dia da Ecos da 9th International Research Conference – Normal é natural: da pesquisa à ação, dia 16 de outubro. “Podemos dizer claramente que as mulheres em todo o mundo preferem o parto vaginal. E preferem por quê? Principalmente por causa da rápida recuperação. A mulher é um membro muito importante para toda família e ter uma reabilitação imediata no pós-parto faz diferença”, explicou o palestrante.

Na opinião de Belizán, as taxas de cesariana expressam uma iniquidade no mundo. “Os países menos desenvolvidos necessitam de mais cesarianas para salvar a vida de mulheres e meninos, mas, por outro lado, os países muito desenvolvidos e medianos estão cometendo um abuso em relação a cesariana”, alertou. 

O exagero na taxa de cesárea, segundo o médico argentino, não é explicado pelo desejo da mulher. “Pesquisas revelam que apenas 15% das mulheres preferem esse tipo de parto. Portanto, há uma desordem no mundo, e uso desnecessário desse procedimento ocasiona mais danos do que benefícios para a mãe e o bebê. A saúde reprodutiva da mulher fica marcada”. 

Além de elogiar a mobilização de todos os congressistas em relação ao tema, o palestrante disse estar encantado com a preocupação brasileira para modificar os maus procedimentos e as ações injustas que envolvem o parto e nascimento. Ainda assim, se trata de um quadro que necessita ser modificado no nosso continente, pois em uma lista de 10 países com altas taxas de cesarianas desnecessárias, quatro são Latino-Americanos. “Pesquisas nos hospitais demonstraram que a alta taxa de cesariana não é explicada pelo risco da gravidez. As evidências científicas não comprovam o elevado número desses procedimentos cirúrgicos”.

Belizán destacou a necessidade de mudanças no coração e mente dos profissionais de saúde. “O parto normal, pela sua própria definição, deveria ser o mais comum, o mais frequente. Infelizmente há uma inversão dessa situação no Brasil e em outros países. A ciência nos dá instrumentos para reforçar a importância do parto normal, mas também precisamos mudar corações e mentes. Um congresso dessa dimensão será mais um instrumento para repercutir o que os estudos legitimam, mas só com o coração mudaremos essa realidade.” (Fonte: ENSP e Portal Saúde)

CNTS

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