Com reforma trabalhista juízes aplicam decisões contraditórias
Apesar da grande expectativa do mercado financeiro a partir da reforma trabalhista, a Justiça tem concedido decisões contraditórias desde a entrada em vigor da Lei 13.467/17, em 11 de novembro, causando várias incertezas. Nem mesmo os juízes do Trabalho, que são os principais responsáveis pela aplicação das novas regras, estão plenamente de acordo com a nova Lei. O texto divide opiniões de juízes, e parte dos magistrados já prevê a não aplicação de alguns trechos da legislação, por considerarem que os dispositivos são contra a Constituição Federal ou outras leis, como o Código Civil.
Para advogados, que percebem um judiciário reativo, esse cenário causa um clima de insegurança jurídica, que pode só ser resolvido em uma eventual decisão do Supremo Tribunal Federal – STF. Eles ainda aguardam orientação maior do Tribunal Superior do Trabalho – TST sobre a aplicação da norma, mas isso ainda não ocorreu. Há magistrados, por exemplo, que já condenaram trabalhadores a pagar honorários de sucumbência – devidos ao advogado da parte vencedora – em processos antigos e outros que dispensam o pagamento por entenderem que no momento de propor a ação trabalhista a norma ainda não existia e, portanto, não seria possível ter ciência da possível condenação.
Os magistrados apostam que a tendência é que os temas de direito material – que tratam dos pedidos como terceirização, horas extras, horas intinere etc. – só poderão ser aplicados aos processos ajuizados após 11 de novembro. Já as questões processuais, como prazos e custas teriam aplicação imediata a todos os processos pendentes de decisão.
Existe a expectativa de que o TST limite a aplicação da Lei quando revisar as súmulas e jurisprudência da Corte em razão das alterações da reforma trabalhista. A Corte discutirá as questões em sessão do Pleno em 6 de fevereiro. Deve analisar 35 propostas de alteração de súmulas e orientações jurisprudenciais, que abrangem tópicos como custas processuais, seguro-desemprego, horas intineres, férias, diárias intrajornadas.
A Corte já revisou o regulamento interno sobre temas processuais, mas questões de direito material não foram discutidas. A tendência para o ministro do TST, Aloysio Corrêa da Veiga, presidente da Comissão Permanente de Regimento Interno do TST, é analisar a cada caso se a legislação nova será aplicada. “Nós vamos conviver com duas legislações durante um tempo. As matérias novas ainda não chegaram ao tribunal, sobretudo com relação ao direito material. Nos casos antigos não há que se falar das novas regras”.
Para o ministro, “algumas regras da reforma se aplicam e outras não. É preciso que se consagre um respeito àquilo que foi adquirido. Regras de interpretação intertemporal não podem retroagir para prejudicar. Ao que vier daqui para frente se aplica regra nova”, afirma.
Na tentativa de diminuir as incertezas, alguns Tribunais Regionais do Trabalho – TRTs, como o TRT do Rio Grande do Sul e de Campinas editaram resoluções para orientar os juízes quanto à aplicação da norma. No caso do TRT do Sul, a interpretação está de acordo com a tendência de no direito material aplicar a reforma somente aos processos posteriores a 11 de novembro. No TRT de Campinas, as orientações já foram votadas, mas o conteúdo ainda não foi divulgado.
Com base na hipótese de que os trabalhadores só sofreriam as alterações da reforma nas demandas posteriores a 11 de novembro, o TRT de São Paulo registrou um número recorde de novas ações na véspera da entrada em vigor da lei. Foram 12.626 novos processos no tribunal. Praticamente sete vezes mais que a média diária de ações do mês de novembro, de 1.879 casos novos.
Nem os juízes entendem a Lei – E as incertezas com a nova legislação não param por aí, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra foi protagonista da principal polêmica em torno da reforma. A entidade divulgou documento em novembro no qual questiona mais de uma centena de pontos da reforma. A manifestação gerou reação de políticos, advogados e de inclusive de outros juízes, alguns de instâncias superiores da Justiça, como o presidente do TST, Ives Gandra Martins Filho. Ele afirmou que “a Lei está aí para ser cumprida” e quem defende o contrário “presta um desserviço à Justiça do Trabalho”.
Algumas entidades de classe, como a Confederação Nacional do Transporte – CNT, divulgaram orientação aos seus associados sobre como prestar queixa ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ contra juízes que se negarem a aplicar a nova lei trabalhista.
A Anamatra argumenta que a Lei 13.467/2017 apresenta uma série de problemas técnicos, que contrariam outras normas, ou que dificultam sua aplicação. “Há artigos que afrontam a Constituição e violam compromissos internacionais, previstos nas convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT”, diz Noêmia Porto, vice-presidente da Anamatra.
“São propostas de interpretação. Mas não há nenhuma imposição para que os juízes sigam os enunciados. Muito pelo contrário. Defendemos que os juízes tenham total independência para interpretar e aplicar a lei. Isso é um pressuposto básico da democracia”, afirma Noêmia.
Independentemente da posição da Anamatra, a nova Lei abre espaço para a “polemização” de temas que já tinham uma jurisprudência – entendimento legal – clara, diz o advogado Alexandre de Almeida Cardoso, sócio do escritório TozziniFreire. “O trabalhador que se sentir prejudicado pela nova lei poderá acionar a Justiça para que ela defina uma posição. Mas a discussão de alguns temas mais polêmicos pode levar alguns anos, até que os processos alcancem as instâncias superiores e haja uma consolidação sobre esses novos conceitos”, avalia Cardoso. (Com Valor Econômico, UOL e O Globo)