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CNS rejeita minuta da nova Política Nacional de Atenção Básica

O Conselho Nacional de Saúde – CNS, em reunião extraordinária realizada dia 9 de agosto, aprovou a Recomendação nº 35, de 11 de agosto de 2017, em que rejeita a nova Política Nacional de Atenção Básica – PNAB, nos termos da minuta de portaria submetida a consulta pública pela Comissão Intergestores Tripartite – CIT. A consulta pública foi encerrada dia 10 de agosto e teve cinco mil contribuições. O Conselho recomenda ao Congresso Nacional, Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – Conasems, Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conass, conselhos estaduais e municipais de Saúde e as entidades que compõem as instâncias de controle social do SUS, que se comprometam com a ampliação e qualificação do debate sobre a revisão da PNAB.  

A PNAB, segundo o Conselho, deve tratar objetivamente dos impactos assistenciais e econômicos das medidas propostas, apresentando estudos e projeções que embasaram a decisão da CIT; a repercussão no rateio e redistribuição dos recursos federais para a atenção básica repassados aos municípios, envolvendo a participação da população usuária, de especialistas, trabalhadores e gestores; e que os processos de mobilização das conferências de Vigilância em Saúde contemplem o debate, razões, justificativas e impactos de revisão da PNAB. E recomenda à CIT que não delibere pela revisão da PNAB enquanto este amplo processo de debate estiver em desenvolvimento.

Segundo o vice-presidente da CNTS e conselheiro nacional de saúde, João Rodrigues Filho, “a principal crítica foi o curto espaço de duração da consulta pública. Seria necessário maior tempo para refletirmos a realidade da atenção básica no país”. Rodrigues ressaltou ainda a dificuldade na elaboração de um programa que trate da atenção básica, levando em consideração os fatores econômicos do Brasil. “Com a vigência da EC 95/16, que retirou boa parte do orçamento saúde, não é possível atingirmos a população na ponta. Não há recursos. Sob esta ótica de corte de gastos, o governo agora quer dispensar 40% dos agentes comunitários de saúde. A população mais pobre do pais certamente será a mais afetada”, disse.

O Conselho considera as deliberações da 15ª Conferência Nacional de Saúde, que reafirmam a importância da PNAB como fundamental para a estruturação do SUS no país; considera que há mais de 20 anos o Brasil tem priorizado e investido no desenvolvimento e expansão da Estratégia de Saúde da Família como modelo prioritário da atenção básica no Brasil, atendendo, em 2017, mais de 120 milhões de brasileiros e brasileiras, alcançando resultados na melhoria dos indicadores de saúde da população, conforme apontam estudos nacionais e internacionais.

Considera, ainda, que a minuta de portaria contraria, em diversos pontos, a Resolução CNS n.º 439/2011, que define as diretrizes para a política de atenção básica, obedecidas pela política nacional vigente; não prevê o número mínimo de agentes comunitários de saúde que são obrigatórios em uma ESF e nem exige mais que os mesmos cubram 100% do território, medida que, se efetivada, resultará na redução da cobertura da população além da demissão de milhares de agentes comunitários de saúde; e o contexto no qual foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os recursos da área social, ao mesmo tempo em que se busca aprovar a unificação dos blocos de financiamento do SUS; além da proposta de “plano de saúde acessível”, que visa expandir a cobertura mínima via crescimento da oferta do setor privado.

Defesa do SUS

A reunião foi realizada na sede da Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP/Fiocruz, no campus de Manguinhos (RJ), para homenagear o centenário da morte de Oswaldo Cruz. Os conselheiros discutir também temas fundamentais para o Sistema Único de Saúde diante do atual contexto político e econômico do país. Paralelo à reunião, houve um ato em defesa do SUS do lado de fora da Ensp. A manifestação, segundo seus organizadores, reuniu mais de mil pessoas. A Carta de Direitos dos Usuários do SUS foi relançada na ocasião e houve grande manifestação dos profissionais da saúde contra a perda de direitos e os ataques ao SUS.

O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Marco Menezes, avaliou que a consulta pública teve tempo exíguo. “Movimentos e populações querem discutir mais e precisamos avançar com essa discussão. Ela passa por uma revisão ampla do sistema, que inclui também a violência que estamos vivendo. Precisamos repensar o processo de cidadania nesse país”. O chefe de gabinete da presidência, Valcler Rangel, manifestou a expectativa de que o debate “fortaleça a luta pelo SUS, pela saúde pública e pelo estado de direito”.

A primeira mesa de debates reuniu as pesquisadoras Lígia Giovanella – Ensp/Fiocruz, Márcia Valéria Morosini – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz e Luciana Dias de Lima – Ensp/Fiocruz, focando-se nos desafios à atenção básica no país. Observando que o conceito de atenção básica corresponde ao que internacionalmente se denomina Atenção Primária à Saúde – APS, Giovanella diferenciou em sua apresentação dois entendimentos distintos deste direito: “uma concepção seletiva, com cesta restrita de intervenção custo-efetivas, limitada à atenção materno-infantil e doenças infecciosas”.

Em outras palavras, “uma medicina pobre, para pobres”; e, em oposição a esta, uma concepção da APS como “atenção ambulatorial de primeiro nível: como os serviços de primeiro contato direcionados a cobrir as infecções e condições mais comuns, e a resolver a maioria dos problemas de saúde de uma população”. Segundo a pesquisadora, esta APS “abrangente ou integral” consiste também em uma “estratégia para organizar sistemas de atenção e para a sociedade promover a saúde”.

A pesquisadora citou o subfinanciamento do SUS como principal responsável pelas deficiências do atendimento básico no país – segundo ela, o Estado brasileiro gasta metade do que seria recomendado com a saúde de seus cidadãos. Ela defendeu também o custo-benefício dos investimentos na área. “A APS não é barata: requer investimentos consideráveis, mas é mais eficiente do que qualquer outra alternativa”, disse.

Dificuldades

Márcia Morosini apresentou pesquisa recente sobre dificuldades de trabalhadores técnicos da saúde da família, como a falta de qualificação adequada, ausência de formação para os gestores, precariedade do vínculo de trabalho, dificuldades na contratação de médicos em regimes de 40h e, mais recentemente, o aprofundamento da lógica gerencialista na área. De acordo com a pesquisadora, além destes, há também problemas por vezes menos comentados, incluindo a diferenciação de tratamento entre os técnicos, auxiliares e agentes em relação aos trabalhadores de nível superior e distinções no investimento para a qualificação dos trabalhadores. “Não se reconhecem os profissionais de nível médio e técnico como responsáveis pela qualidade e pelos resultados”, resumiu Morosini.

Luciana Dias de Lima fez uma reflexão sobre a revisão da PNAB à luz do pacto federativo na saúde. Segundo a pesquisadora, a PNAB atual “teve papel fundamental na conformação do pacto federativo na saúde”. Lima exaltou avanços como a expansão da Estratégia de Saúde da Família – ESF, a descentralização dos serviços, a consolidação de um modelo nacional para atenção básica no SUS e a redistribuição de recursos financeiros para privilegiar regiões mais carentes. Em paralelo a estes avanços, a pesquisadora identificou limitações como a persistência de desigualdades regionais e fragmentação e dificuldades de integração regional de políticas, ações e serviços.

Em relação à revisão da PNAB, Lima lançou três questionamentos: a flexibilização do modelo de atenção e do uso dos recursos transferidos, que, em suas palavras, “substitui o certo pelo duvidoso”; a perda do poder coordenador do Ministério da Saúde e manutenção da fragilidade dos estados na regulação da implantação da atenção básica, que cria um vácuo na coordenação da PNAB em nível supra e intermunicipal; e o fato de as mudanças estarem sendo propostas e serem implementadas “em um contexto de ameaças aos direitos sociais, forte restrição fiscal e orçamentária com agravamento da situação de subfinanciamento do SUS”. Ela defendeu como alternativa à PNAB “a ampliação da discussão democrática e aprofundada para o pleno desenvolvimento da Atenção Básica e aperfeiçoamento do SUS”.

PNAB é “fruto de amplo debate”

O diretor do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, Allan Nuno Alves de Sousa, disse que desde 2015 o Ministério vem discutindo o aperfeiçoamento da Política, ouvindo acadêmicos, especialistas e entidades do setor. “Fizemos um exercício de acomodação, desejos e interesses. Esta é a primeira vez que uma PNAB foi fruto de um amplo debate, com o escrutínio de todos os envolvidos. E vamos continuar priorizando a Estratégia de Saúde Família, com cuidado longitudinal e multiprofissional”. Sousa afirmou que a discussão da minuta não foi açodada nem feita às pressas e que houve cinco mil contribuições à consulta pública.

A representante do Centro de Estudos Brasileiros de Saúde – Cebes, Liu Leal, disse que a proposta do MS pode significar um desmonte do trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e da capilaridade do SUS, colocando em risco muitos empregos. “Conseguimos construir uma política pública capilarizada e de muita potência no país. A gente fez uma opção há mais de 20 anos pela interlocução com a comunidade e pela identificação de um trabalhador [com essa política], que é o Agente Comunitário. Nesse momento de desmonte das políticas públicas, esse trabalhador está sendo preterido enquanto interlocutor estratégico”. Ela lembrou que a discussão não “é exclusiva do gestor e que o conjunto da sociedade tem que ser ouvido e participar ativamente do debate”.

Para Liu, não há sentido em revisar a PNAB neste momento. “Essa ‘conta de padaria’ apresentada pelo governo não fecha e é irresponsável. Saúde não é custo, é investimento. A aprovação dessa Política é um crime contra a população. A Emenda Constitucional 95 afeta despesas com medicamentos, exames, recursos humanos, etc. Cerca de 40% dos ACS poderão ser demitidos. Não vamos aceitar”. Em julho o CNS lançou um abaixo-assinado contra a EC 95, que congelou os gastos em saúde e educação por 20 anos. (Com André Costa e Ricardo Valverde – jornalistas da Agência Fiocruz de Notícias – ANF/Fiocruz) Segue a íntegra da Recomendação 35/2017.

Veja a íntegra do documento:

Recomendação nº 035 de 11 de agosto de 2017

O Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Sexagésima Primeira Reunião Extraordinária, realizada no dia 9 de agosto de 2017 no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Resolução CNS n.º 407, de 12 de setembro de 2008 (Regimento Interno do CNS) e garantidas pela Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, pela Lei n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990, pelo Decreto n.º 5.839, de 11 de julho de 2006, e cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e

considerando as deliberações da 15ª Conferência Nacional de Saúde, que reafirmam a importância da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), sendo fundamental para a estruturação do Sistema Único de Saúde no país;

considerando que há mais de 20 anos o Brasil tem priorizado e investido no desenvolvimento e expansão da Estratégia de Saúde da Família como modelo prioritário da atenção básica no Brasil, atendendo, em 2017, mais de 120 milhões de brasileiros e brasileiras, alcançando resultados na melhoria dos indicadores de saúde da população, conforme apontam estudos nacionais e internacionais;

considerando que diversos estudos mostram que o investimento na Estratégia de Saúde da Família é mais custo-efetivo que o modelo de atenção básica tradicional, que hoje atende menos de 20 milhões de brasileiros, alcançando melhores resultados em termos de promoção da saúde, prevenção de doenças, realização de diagnóstico precoce, cuidado à saúde resolutivo, redução das internações hospitalares e de encaminhamentos a serviços de urgência e especializados, bem como de melhoria dos custos e economicidade dos gastos quando considerado o conjunto da rede de saúde;

considerando que a minuta de portaria submetida para Consulta Pública pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) para a revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) contraria, em diversos pontos, a Resolução CNS n.º 439, de 07 de abril de 2011, que define as diretrizes para a política de atenção básica, obedecidas pela política nacional vigente;

considerando que a minuta de portaria para revisão da PNAB, submetida à Consulta Pública pela CIT, não prevê o número mínimo de agentes comunitários de saúde que são obrigatórios em uma Equipe de Saúde da Família (ESF) e nem exige mais que os mesmos cubram 100% do território, medida que, se efetivada, resultará na redução da cobertura da população além da demissão de milhares de agentes comunitários de saúde;

considerando que a minuta de portaria para revisão da PNAB, submetida a Consulta Pública pela CIT, obriga a unificação do território de atuação dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias o que, além de não ser adequado à realidade de todos os territórios, tende a provocar piora nas ações de prevenção de doenças transmissíveis, em um país com periódicas epidemias de dengue, chikungunya e zika;

considerando que a minuta de portaria para revisão da PNAB, submetida a Consulta Pública pela CIT, prevê repasse de recursos federais para equipes de atenção básica tradicional, que até então financiavam, induziam e priorizavam a expansão e qualificação da estratégia de saúde da família, tendo como efeito a substituição da ESF pela antiga atenção básica;

considerando que a minuta de portaria para revisão da PNAB, submetida a Consulta Pública pela CIT, prevê um padrão essencial de serviços e ações de atenção básica que cada município deveria oferecer aos cidadãos e um outro padrão ampliado, mas não descreve esse pacote mínimo de modo que se possa assegurar o princípio da integralidade e, minimamente, o padrão atualmente vigente; e

considerando o contexto no qual foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os recursos da área social, ao mesmo tempo em que se busca aprovar a unificação dos blocos de financiamento do SUS, com a desregulamentação dos recursos da atenção básica, provocando a perda de recursos relativos e absolutos da área da saúde para outras áreas, e ainda, que está em discussão uma proposta de “plano de saúde acessível”, que visa expandir a cobertura mínima via crescimento da oferta do setor privado.

Recomenda

Ao Congresso Nacional, Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde e as entidades que compõem as instâncias de controle social do SUS:

1 – Que se comprometam com a ampliação e qualificação do debate sobre a revisão da PNAB, tratando objetivamente dos impactos assistenciais e econômicos das medidas propostas, apresentando estudos e projeções que embasaram a decisão da CIT, a repercussão no rateio e redistribuição dos recursos federais para a atenção básica repassados aos municípios, envolvendo a participação da população usuária, de especialistas, trabalhadores e gestores;

2 – Que os processos de mobilização das Conferências de Vigilância em Saúde contemplem o debate, razões, justificativas e impactos de revisão da PNAB; e

À Comissão Intergestores Tripartite (CIT):

Que não delibere pela revisão da PNAB enquanto este amplo processo de debate estiver em desenvolvimento.

Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Sexagésima Primeira Reunião Extraordinária, realizada no dia 9 de agosto de 2017.







CNTS

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