Câmara aprova EC 29 sem novo tributo para financiar saúde
Foto: crédito de Rodolfo Stuckert/Ag. Câmara
Enfim, a Câmara dos Deputados concluiu a votação da regulamentação da Emenda Constitucional 29. Por 355 votos, 76 contra e quatro abstenções, os deputados aprovaram ontem, dia 21, o destaque que faltava, depois de três anos da aprovação do texto base, finalizando a votação do Projeto de Lei Complementar PLP 306/08, que regulamenta quais despesas podem ser consideradas de saúde para estados, municípios e União atingirem o percentual definido pela Emenda 29. Com a aprovação do destaque do DEM que retira do projeto a definição da base de cálculo da Contribuição Social para Saúde, a CSS não poderá ser efetivada. O governo liberou os deputados da base para votarem como quisessem. Como o projeto sofreu mudanças, o texto será novamente apreciado pelos senadores.
O PLP 306/08 trata dos valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, por estados e por municípios em ações e serviços públicos de saúde e dos critérios de rateio das transferências para a saúde. Um dos maiores avanços da proposta é a definição das despesas que podem ser consideradas para o cumprimento do mínimo a ser investido segundo os cálculos da Emenda. O texto base da proposta é o substitutivo do relator, deputado Pepe Vargas (PT-RS), aprovado pelo plenário em 2008, e lista 12 despesas que devem ser consideradas como relativas a ações e serviços públicos de saúde; e outras dez que não podem ser custeadas com os recursos vinculados pela Emenda 29.
Entre as ações permitidas estão a vigilância em saúde – inclusive epidemiológica e sanitária; a capacitação do pessoal do SUS; a produção, compra e distribuição de medicamentos, sangue e derivados; a gestão do sistema público de saúde; as obras na rede física do SUS e a remuneração de pessoal em exercício na área. Por outro lado, União, estados e municípios não poderão considerar como de saúde as despesas com o pagamento de inativos e pensionistas; a merenda escolar; a limpeza urbana e a remoção de resíduos; as ações de assistência social; e as obras de infraestrutura.
Entidades ligadas à área da saúde afirmam que essa lista possui caráter subjetivo e pode dar margem a manobras. Atualmente, segundo o Ministério da Saúde, há estados que, respaldados pelo Tribunal de Contas, interpretam como possíveis de ser contabilizadas como gastos em saúde iniciativas de combate à fome, de saneamento e várias outras. Em alguns casos, até recursos destinados ao Bolsa Família – principal programa de transferência de renda do governo federal – chegaram a ser contabilizados como gastos com saúde.
A CNTS continua mobilizada e convoca suas entidades filiadas e os trabalhadores da saúde em geral para a defesa da regulamentação imediata da Emenda 29, no Senado, pois entende que a medida é essencial para a efetivação do SUS, segundo os princípios constitucionais da assistência universal e integral. “Além de regulamentar e ampliar os recursos, são necessárias medidas que visem à melhoria da gestão, com o combate à corrupção e fortalecimento do controle social na definição e fiscalização do uso dos recursos; a melhoria das condições de trabalho; e a valorização dos profissionais do setor”, ressalta o presidente da Confederação, José Lião de Almeida.
Para rejeitar a CSS, similar à antiga CPMF, os deputados apresentaram várias outras sugestões de fonte de financiamento para a saúde. Alguns cobraram a reforma tributária para garantir os recursos necessários para aplicação da regulamentação; outros manifestaram desejo de passar para o Senado a tarefa de criar a fonte de financiamento; os partidos de esquerda, como o PCdoB, sugerem a criação do imposto sobre grandes fortunas como forma de ampliar as fontes permanentes de financiamento à saúde. Como o projeto veio do Senado e a inclusão da CSS foi feita na Câmara, com a supressão, o Senado não poderá incluí-la na nova votação.
A Câmara dos Deputados vai criar uma comissão especial para debater e propor novas fontes de financiamento para a saúde. Segundo Marco Maia, esse grupo ficará encarregado de elaborar um projeto de lei que estabeleça recursos exclusivos para o setor. O líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), defendeu a necessidade de uma discussão posterior para que o setor tenha uma nova fonte de financiamento, o que, segundo ele, foi cobrado por 22 governadores. Ao longo dos debates, os líderes partidários repetiram a argumentação utilizada durante comissão geral sobre o assunto. Parlamentares da oposição disseram que os problemas de recursos da área de saúde são motivados pelas “escolhas erradas” do governo na aplicação de sua arrecadação.
REGRAS – O projeto mantém a regra atualmente seguida pela União para destinar recursos à área de saúde. Em vez dos 10% da receita corrente bruta definidos pelo Senado, o governo federal aplicará o valor empenhado no ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida entre os dois anos anteriores ao que se referir a lei orçamentária. Assim, para 2012, por exemplo, teria de aplicar o empenhado em 2011 mais a variação do PIB de 2010 para 2011. Se houver revisão posterior para cima no cálculo do PIB, créditos adicionais deverão ser abertos para ajustar o total. No caso de revisão para baixo, o valor mínimo nominal não poderá ser reduzido.
De acordo com o governo federal, a União já cumpre o preceito constitucional e até aplica acima do que está previsto. Segundo o Executivo, a previsão de gastos com saúde para 2011 é de R$ 71,5 bilhões, o que corresponde a 6,9% da receita corrente bruta. Segundo o substitutivo, os estados deverão aplicar na saúde 12% da receita corrente bruta, e os municípios 15%. Esses percentuais são os mesmos exigidos pela Emenda 29 até o exercício financeiro de 2004 e que continuaram em vigor por falta de regulamentação.
Os percentuais transitórios estabelecidos pela Constituição para que estados e municípios apliquem na saúde continuam iguais no PLC 306. Os estados deverão investir 12% da receita corrente bruta; e os municípios, 15%. Como a proposta tramita há três anos, uma regra de transição para estados e municípios que ainda não aplicam esses percentuais precisará ser atualizada, pois ela previa elevação gradual, à razão de um quarto ao ano, até atingir o percentual total em 2011. O texto determina ainda que percentuais superiores deverão prevalecer se forem estipulados pelas constituições estaduais ou leis orgânicas dos municípios.
A Constituição prevê a retenção de repasses caso estados ou municípios descumpram o percentual mínimo de aplicação em saúde. Entretanto, o projeto permite à União e aos estados usarem esse mecanismo se o ente federado (estado, município ou Distrito Federal) comprovar que aplicou a diferença no exercício seguinte, sem prejuízo do montante do ano. A proposta estipula o prazo de 12 meses, contado do repasse, para a aplicação dos recursos. Um regulamento federal ou estadual poderá estipular prazo menor. Essa regulamentação também estabelecerá os procedimentos de suspensão e restabelecimento das transferências constitucionais, no caso de não ser aplicado o mínimo exigido.
A redação dada ao projeto pelo deputado Pepe Vargas permite ainda aos estados e ao Distrito Federal excluírem os recursos do Fundeb da base de cálculo do montante a ser aplicado em saúde. A regra vale por cinco anos contados da data de vigência da futura lei complementar. Outro benefício concedido a estados, aos municípios e ao Distrito Federal é a possibilidade de considerar como parte da aplicação mínima as despesas com juros e amortizações de empréstimos usados, a partir de 1º de janeiro de 2000, para financiar ações e serviços públicos de saúde. Um problema decorrente dessa regra é que ela diminui os gastos futuros com o setor em estados e municípios que gastaram o dinheiro captado na ocasião em ações não consideradas da área de saúde.
O deputado Marco Maia disse que governadores e líderes partidários reconhecem que a Emenda 29 não resolve os problemas da saúde e que é preciso buscar novos recursos. Uma vez concluída a votação da regulamentação da EC 29, a Câmara vai criar uma comissão especial para debater e propor novas fontes de financiamento para a saúde. O anúncio foi feito durante reunião entre Marco Maia, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, 14 governadores de estados e líderes para discutir os problemas da saúde no Brasil. (Com Agências)