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Foto: Renato Alves/ Agência Brasília

Brasil só tem vacinas para 4% de toda população prioritária e enfrenta desafio múltiplo para ampliar estoque

Coronavírus

Primeiro lote distribuído aos Estados deve vacinar 2,8 milhões de pessoas. Além de gargalo na importação, especialistas recomendam negociação com outros fabricantes de imunizantes.

Mesmo com atrasos, o Brasil começou a vacinar grupos prioritários contra a Covid-19 em vários Estados, mas ainda enfrenta um grande desafio para conseguir ampliar o quantitativo de doses necessário para viabilizar, de fato, uma imunização em massa. O primeiro lote que começou a ser distribuído na segunda-feira, 18, deve ser suficiente para vacinar, com o protocolo recomendado de duas doses, apenas 2,8 milhões de pessoas, segundo estimativas do próprio Ministério da Saúde, que considera no cálculo a fatia que pode ser perdida por problemas durante a operação de logística. Isso corresponde a 4% dos 68,8 milhões de usuários dos grupos prioritários estabelecidos no Plano Nacional de Imunização – PNI, que foram enxugados neste primeiro momento diante da escassez de doses.

O país entra em desvantagem para disputar no cenário global tanto a aquisição dos insumos para produzir os imunizantes aqui quanto para comprar doses prontas, inclusive de outros fabricantes. No momento, o principal gargalo é a importação, da China, da matéria prima para a produção local das duas vacinas já aprovadas pela Anvisa, a do Butantan/Sinovac e da Fiocruz/Oxford/AstraZeneca.

O Ministério orienta começar a aplicar as doses disponíveis nos idosos que vivem em asilos, pessoas com deficiência internadas, profissionais de saúde da linha de frente e indígenas aldeados. Mas isso pode ser adaptado na ponta pelos Estados, que podem priorizar mais um ou outro grupo desses conforme a realidade local. Até a noite desta segunda-feira, a vacina havia chegado a dez Estados, além do Distrito Federal: Tocantins, Piauí, Ceará, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás. Veículos que transportavam caminhões foram aplaudidos em alguns locais, um símbolo do sopro de esperança em meio a uma pandemia que já matou mais de 210.000 brasileiros e levou sistemas de saúde ao colapso. A vacina chega depois do ano mais mortal da história do Brasil, segundo os registros da associação de cartórios.

Apesar do alento deste momento com a chegada dos imunizantes – o primeiro passo rumo ao controle da pandemia –, pesquisadores e até a Organização Mundial da Saúde têm destacado que o início da vacinação no Brasil não deve estimular os brasileiros a relaxarem os cuidados preventivos, como uso de máscaras e distanciamento social. Isso porque o país vive um agravamento da pandemia e ainda é longo o caminho tanto para que o país consiga doses suficientes para vacinar seus mais de 200 milhões de habitantes quanto para que se alcance a imunidade de rebanho – proteção coletiva ao vírus. O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que o país pode ter 70% da população vacinada até o fim do ano.

O Ministério da Saúde estima chegar a 354 milhões em 2021, mas conta com doses que ainda serão fabricadas. Já existem contratos com a AstraZeneca/Fiocruz, o Butantan e o consórcio global Covax Facility, no qual o Brasil aderiu com a menor cota de doses possíveis de solicitar. Mas o cumprimento dos cronogramas de entrega, inclusive das doses que serão produzidas pelo Butantan e pela Fiocruz, dependem neste momento do cenário global de disputa tanto pelos insumos para produzir o imunizante quanto pelas doses prontas.

Por enquanto, estão sendo distribuídas 6 milhões de doses da Coronavac, aprovada pela Anvisa para uso emergencial. O governo Bolsonaro espera receber mais 2 milhões de doses da vacina de Oxford, mas enfrenta dificuldades para conseguir consolidar a importação delas, que virão da produção da Índia. “Não há resposta positiva de saída até agora. Nós estamos contando com essas 2 milhões de doses para que a gente possa atender mais ainda a população”, admitiu o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que espera um desfecho nesta semana. Contudo, não se pode esquecer que foi oferecido ao governo brasileiro, em agosto, mais de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, com entrega prevista a partir de dezembro de 2020, mas o governo não se interessou.

Dificuldade para importar insumos para a vacina – O Butantan já solicitou à Anvisa uma autorização para usar emergencialmente mais 4,8 milhões de doses prontas ou que estão sendo envasadas em São Paulo. Se por um lado a produção local nos laboratórios locais é uma importante arma brasileira, preocupa a dificuldade que Butantan e Fiocruz enfrentam para conseguir importar os insumos da China necessários para manter a produção dos próximos meses e conseguirem cumprir os cronogramas de entrega. Os acordos feitos pelo governo federal e pelo governo de São Paulo com os laboratórios preveem transferência de tecnologia para que este insumo passe a ser produzido no país, mas é uma fase posterior, que só deverá ocorrer no segundo semestre.

Neste momento, há dependência dos insumos e atrasos preocupantes. A Fiocruz aguarda a chegada do IFA – Ingrediente Farmacêutico Ativo da China para iniciar a produção, segundo a Folha de S. Paulo. Isso deve acontecer até 25 de janeiro e, caso não se consolide, o contrato prevê a entrega de doses prontas. O cronograma da Fiocruz prevê a entrega de 1 milhão de doses até 15 de fevereiro e deve chegar a 100,4 milhões de doses até julho.

Já o Butantan aguarda há dias a autorização do Governo chinês para que o insumo possa ser enviado ao Brasil. Segundo o presidente do instituto, Dimas Covas, o IFA disponível só é suficiente para a produção desta semana. “A capacidade de produção do Butantan é de 1 milhão de doses por dia, a depender chegada da matéria-prima. [A capacidade] foi atingida neste momento com a matéria-prima disponível”, explicou em coletiva de imprensa. A embaixada do Brasil na China foi acionada para ajudar nas negociações. O Butantan precisa do insumo para conseguir entregar um total de 46 milhões de doses da Coronavac ao Ministério até abril.

Necessidade de seguir negociando compras – “O que temos hoje são gotas dentro do oceano diante da magnitude territorial e populacional do Brasil”, define Melissa Palmieri, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Imunizações – Regional São Paulo. Ela diz que, apesar da capacidade de produção nacional, o país não pode se furtar de continuar negociando para adquirir outros tipos de vacinas diante da gravidade da crise sanitária e de problemas que podem atrasar a produção nacional, como a falta de insumos. Praticamente toda a população precisará ser vacinada para que o país chegue à imunidade coletiva, ou de rebanho.

Questionado sobre as negociações para comprar 70 milhões de doses da Pfizer, o ministro Eduardo Pazuello disse apenas que “na hora que o laboratório trouxer propostas plausíveis, sou o primeiro a comprar”. Não falou sobre planos de comprar outras vacinas. O imunizante da Janssen, por exemplo, é apontado por especialistas como uma boa opção, caso os estudos confirmem eficácia com apenas uma dose, o que simplificaria a logística.

“Por enquanto, precisamos trabalhar full time para manter a negociação com outros laboratórios. Só podemos começar a desestressar quando a maioria da população estiver vacinada”, diz Palmieri. O secretário da Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, que tem defendido publicamente a necessidade de o país adquirir mais vacinas, endossa o coro. “Precisamos de vacinas para vacinar em massa. Se não vacinarmos, ainda teremos o caos no nosso sistema de saúde. Isso só resolve com o impacto da vacinação, especialmente nos grupos prioritários”, argumenta

Fonte: El País

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