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Foto: Nailana Thiely/ Ascom Uepa

Brasil fecha março com 66 mil mortos e políticos fazem investida por vacinas fora do SUS

Política

No dia em que o país chegou a quase 4 mil mortes nas últimas 24 horas, Congresso e governo prepararam guinada para que empresários possam furar-fila e comprar vacinas sem doar ao SUS. O projeto original previa abatimento integral, no imposto de renda, da quantia que os empresários gastariam na aquisição de imunizantes. Ou seja, toda a sociedade financiaria a vacinação de alguns grupos privados.

O Brasil fechou o mês de março com mais um recorde de mortes causadas pelo coronavírus: foram 3.950 notificações nas últimas 24 horas e 66,8 mil óbitos no mês. Apesar da escalada da pandemia no país – atual epicentro global, com sistemas de saúde colapsados em todas as regiões –, o governo federal não considera um lockdown nacional. O governo Bolsonaro até abraçou tardiamente a defesa da vacinação em massa – ainda sem perspectiva de ser alcançada no curto prazo –, mas não oferece soluções mais imediatas para evitar mortes e minimizar o caos que se instala nos hospitais. Há milhares de pessoas na fila de internação, faltam remédios para intubação e oxigênio. Enquanto isso, o governo e o Congresso preparam uma guinada para ampliar a participação da iniciativa privada na vacinação contra Covid-19, um movimento criticado por especialistas enquanto o país não conseguir vacinar os grupos prioritários.

A vacinação pelo setor privado já foi votada pelo Congresso no começo de março, quando os deputados decidiram que todas as vacinas compradas por empresas teriam que ser doadas para os SUS enquanto o poder público não tivesse vacinado todos os grupos prioritários – como idosos, pessoas com comorbidades, professores e profissionais da saúde.

Mas a classe empresarial não ficou satisfeita com o projeto. Empresários aliados ao governo, como Luciano Hang, da Havan, e Carlos Wizard, do Grupo Sforza, foram à Brasília na semana passada e se reuniram com autoridades como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, para mudar isso. Os partidos de oposição são contra e dizem que “não pode haver uma fila VIP para os ricos” na vacinação.

O projeto apoiado pelo empresariado permite a compra de vacinas pela iniciativa privada sem que doem doses ao SUS. O problema do Projeto de Lei 948/2021, apresentado pelo deputado Hildo Rocha (MDB-MA), é que as empresas poderiam abater o valor gasto do imposto de renda. Ou seja, o recurso que elas iriam desembolsar para “furar a fila” será pago por toda a sociedade – incluindo os mais pobres.

E mais: elas poderão comprar imunizantes via importadoras para tentar acelerar a chegada ao Brasil. O pagamento feito aos intermediários elevará o preço dos imunizantes – e também poderá ser abatido do IR. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), defenderam a proposta. O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, também.

“É o camarote com dedução de imposto de renda”, diz o deputado federal e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP). Ele diz que “querem perpetuar um fura-fila privado com recursos públicos. Nenhum país do mundo permitiu isso. Nem a rainha da Inglaterra se vacinou antes das pessoas que estavam antes dela na fila”.

“É um escárnio”, diz o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Estão trocando o PNI – Programa Nacional de Imunização, que é público e coordenado pelo Ministério da Saúde – pelo Plano Meu Pirão Primeiro”, afirma ele.

Após a revolta dos parlamentares, a deputada Federal Celina Leão (PP/DF), relatora do projeto, decidiu retirar a isenção de impostos sobre a compra de vacinas pela iniciativa privada. Ao Metrópoles, a parlamentar explicou: “Eu tirei tudo isso de abatimento de impostos. Fiz um novo projeto. O relatório está totalmente diferente”.

Segundo a relatora, “se ele [o empresário] quer ajudar de verdade, além de vacinar o trabalhador dele, vai ter que doar ao Sistema Único de Saúde toda a quantidade correspondente às vacinas dadas em seus empregados”.

De acordo com a colunista da Folha de S.Paulo, Mônica Bergamo, o assunto estava sendo analisado a toque de caixa e um requerimento de urgência chegou a ser apresentado. Mas a votação foi adiada para a próxima semana. “O plenário decidirá o texto que prevalecerá. Caso a medida seja aprovada, terá ainda que passar no Senado, onde a resistência é ainda maior”.

Para o jornalista Leonardo Sakamoto, mesmo com a retirada do abatimento do IR do projeto, o processo paralelo de vacinação para quem tem dinheiro segue a todo vapor. “Em outros lugares mais civilizados, bilionários e a grande iniciativa privada estão sendo chamados a contribuir com a crise. E não é apenas com doações espontâneas, mas tributados de forma extraordinária para bancar o combate à pandemia. Aqui, tratar disso é pecado mortal, pior do que bater na mãe. O fato de estarmos discutindo isso neste momento ao invés de arregimentar bilionários e grandes empresas para comprar vacinas e doá-las ao SUS, ajudando a sociedade a sair do atoleiro como um todo, mostra que no fundo do poço tem um alçapão. E lá dentro se encontra o Brasil, gritando “é cada um por si e Deus acima de todos”, afirmou.

Fonte: Com Folha de S.Paulo, UOL, El País, Valor Investe e Metrópoles
CNTS

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