
Bolsonaro desmonta órgão de combate à tortura
Direitos Humanos
Decreto determina exoneração de todos os peritos de órgão que fiscaliza cadeias, hospitais psiquiátricos e abrigos de idosos; novos peritos não terão salário e não poderão ter ligação com ONGs ou universidades.
O presidente Jair Bolsonaro exonerou, através de decreto publicado ontem, 11, todos os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – MNPCT, órgão responsável por investigar violações de direitos humanos em locais como penitenciárias, hospitais psiquiátricos, abrigos de idosos, dentre outros.
O Decreto 9.831 determina que a nomeação de novos peritos voluntários para o órgão precisará ser chancelada por ato do próprio presidente, e que esses novos membros não irão receber salário. Além disso, o ato de Bolsonaro ainda proíbe que os novos peritos tenham qualquer vinculação a redes e entidades da sociedade civil e a instituições de ensino e pesquisa, dentre outros.
Recém-exonerado, o ex-coordenador da entidade, Daniel Melo, afirma que essa mudança inviabiliza o funcionamento do órgão. “Fomos pegos de surpresa. É bastante claro que se trata de uma retaliação ao trabalho que a gente vem desenvolvendo”, afirmou. Segundo a Agência Pública, desde o início do governo Bolsonaro, os integrantes do Mecanismo vinham denunciando que a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, trabalhava para impedir a atuação dos peritos. Em fevereiro, integrantes do Mecanismo e do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – CNPCT afirmaram que a ministra impediu a vistoria a penitenciárias do Ceará para avaliar denúncias de maus tratos e tortura no sistema prisional cearense.
O MNCPT foi criado em 2015 como braço executivo do Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura. O objetivo dos peritos é fiscalizar unidades públicas onde haja privação de liberdade – desde cadeias até hospitais de internação compulsória –, realizar diagnósticos e recomendar ações, nem sempre acatadas pelos governos estaduais.
O caso mais notório é um relatório de janeiro de 2016 no qual o órgão apontava risco de chacina em presídios de Manaus, no Amazonas, caso não fossem tomadas providências. Um ano depois, em janeiro de 2017, 56 homens foram assassinados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, na capital amazonense. No dia 26 de maio deste ano, outras 55 pessoas foram mortas numa guerra de facções em presídios do Estado.
Segundo o perito Daniel Melo, o decreto também torna inviável a atuação dos futuros peritos já que, sem remuneração, dificilmente teriam capacidade de conduzir investigações extensas. “É inviável [o trabalho voluntário]. Para se ter autonomia, fazer visitas, conseguir minimamente organizar um trabalho, você precisa de sustento. O trabalho do perito não pode ser um cargo como o de um conselheiro, que você vai pontualmente a uma reunião e vai embora”, critica.
A ONG Human Rights Watch, em nota, diz que “na prática, o decreto não só enfraquece como pode inviabilizar a atuação do Mecanismo, pois dependerá da atuação de voluntários que, além disso, não poderão ter vinculação com organizações da sociedade civil e acadêmicas que atuam na área do combate à tortura”.