Bolsonaro busca apoio do Legislativo e Judiciário para governar
Artigos
Pacto a ser firmado prevê esforços entre os três poderes em torno de uma agenda com cinco pontos centrais: reforma da Previdência; reforma tributária; pacto federativo; segurança pública; e desburocratização.
Se as manifestações pró-governo, realizadas em 26 de maio, não surtiram o efeito esperado pelo presidente Jair Bolsonaro, de pressionar o Poder Legislativo, especialmente a Câmara dos Deputados, a apressar as votações e votar a favor das propostas governistas em tramitação, serviram, outrossim, para mostrar ao presidente que, sem diálogo e apoio, não conseguirá governar. As reações de Bolsonaro e de parlamentares sugerem mudanças de ambos os lados, sob o discurso de retirar o país da crise, agravada pelo enfrentamento entre os poderes.
Logo após as manifestações dos apoiadores, Bolsonaro destacou o “recado das ruas” ao Legislativo e o Supremo Tribunal Federal, com críticas aos parlamentares – mais acentuadas em relação aos partidos de oposição e aos que compõem o bloco centrão –, e em defesa da pauta: reformas administrativa e previdenciária, pacote anticrime, combate à corrupção. Mas, diante da reação de líderes partidários, o presidente mudou o tom e passou a defender a harmonia entre os poderes e a união em torno de um pacto para aprovação de reformas e definição de metas e ações que favoreçam a retomada do crescimento do país.
O texto com a definição das matérias que devem constar do pacto, elaborado pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e apresentado há mais de um mês, entrou na ordem do dia. Em regime de urgência, Bolsonaro chamou Dias Toffoli para conversar e também os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Também participaram do encontro o núcleo duro do Palácio do Planalto, formado pelos ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni; da Economia, Paulo Guedes; e do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno.
Em entrevista ao programa Domingo Espetacular, da Rede Record, Bolsonaro avaliou que o país tem tudo para ser uma grande nação. “Falta nós, aqui em Brasília, conversarmos um pouco mais, discutirmos o que temos que votar em especial, e juntos fazer aquilo que o povo pediu por ocasião das eleições e por ocasião das manifestações”, disse, defendendo que “as leis venham a ser feitas de forma mais rápida, para que saiamos dessa situação crítica que nos encontramos”.
O presidente fez ainda um mea culpa: “Acho que falta conversar um pouco mais, e a culpa é minha também, para que nós coloquemos na mesa o que nós temos que aprovar, o que também temos que revogar porque tem muita legislação que atrapalha o crescimento do Brasil”. Durante a reunião, Bolsonaro destacou a importância de trabalhar junto com Legislativo e Judiciário, defendeu as instituições e condenou os ataques sofridos pelo Congresso e pelo Supremo nas manifestações promovidas pelos apoiadores.
O pacto prevê união dos esforços entre os três poderes em torno de uma agenda com cinco pontos centrais: reforma da Previdência; reforma tributária; pacto federativo; segurança pública; e desburocratização. O ministro Onyx Lorenzoni disse que o documento de Toffoli foi discutido com Rodrigo Maia e com Davi Alcolumbre e vai ter os ajustes para que seja assinado, em data prevista para na semana de 10 de junho. O ministro explicou que a ideia é estabelecer um diálogo constante com os líderes dos três poderes e trabalhar em harmonia pelas necessidades do país.
O ministro da Casa Civil explicou que uma das medidas previstas seria a reforma do sistema previdenciário. “O Brasil está desequilibrado fiscalmente, tem um déficit fiscal de R$ 50 bilhões por ano que tem origem só na Previdência. Claro que isso fez parte da conversa, estão todos preocupados e todos querem construir um caminho onde o Brasil, como a gente sempre diz, possa passar o portal do equilíbrio fiscal e ir para o caminho da prosperidade, que é o que todos nós desejamos”.
Negociação – Rodrigo Maia avisou que o texto vai ser levado para avaliação dos líderes partidários da Câmara. “Preciso respaldar minha decisão ouvindo os líderes, pelo menos a maioria, para assinar em nome da Câmara”, destacou. Ele defendeu que a Câmara priorize, além da reforma da Previdência, propostas que ajudem a reorganização e a reestruturação do Estado brasileiro. E citou como exemplo a Proposta de Emenda à Constituição – PEC 423/2018, que altera a regra de ouro e estabelece medidas voltadas ao cumprimento da regra e a limitação das despesas obrigatórias.
“As despesas obrigatórias atingem quase 100% do gasto público, o que inviabiliza o fechamento do Orçamento, como está inviabilizando este ano, se não aprovarmos rápido o PLN 4/2019. Queremos discutir em que condições o governo pode ter um gasto acima do que está previsto na regra de ouro com restrições, com bloqueios de aumentos, com redução de despesas, e todas outras regras nas quais o Estado paga a conta da ineficiência”, explicou o presidente.
Além da abertura de diálogo com os chefes do Legislativo e do Judiciário, Bolsonaro deu outra demonstração de mudança de comportamento ao se dirigir aos senadores, mesmo que por meio de carta, para pedir a aprovação da Medida Provisória 870, que muda a estrutura administrativa do governo, pautada para votação no plenário do Senado. A carta, assinada também pelos ministros Onyx Lorenzoni, Paulo Guedes e Sérgio Moro, tinha como objetivo impedir alterações na MP 870, pois, se isso acontecesse, teria de voltar para apreciação dos deputados e isso poderia levar à extinção da MP, a partir de 3 de junho.
A MP aprovada pelos deputados resultou em derrotas em pontos essenciais para o governo, como a permanência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf no Ministério da Economia. Os senadores que apoiam o governo queriam retomar a proposta inicial para que o Coaf ficasse sob a responsabilidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O governo também desistiu do que foi proposto inicialmente, de transferir a Funai do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente fica responsável pelo Serviço Florestal Brasileiro, deixando o Ministério da Agricultura. Também mantiveram os poderes dos auditores fiscais da Receita Federal.
A avaliação de lideranças políticas é no sentido de que a mudança de postura Bolsonaro demonstra que o presidente e seu núcleo de decisões no governo podem, finalmente, ter compreendido que política se faz com diálogo e a compreensão de que é preciso ceder em algumas posições. E também que não dá para governar enviando recados pelas redes sociais e, muito menos, atribuindo as responsabilidades aos demais poderes.
O certo é que ainda é muito cedo para uma conclusão sobre até quando e até que ponto vai valer o perfil negociador de Bolsonaro.