Atos pró-Bolsonaro não resultam em apoio do Congresso Nacional ao governo
Política
Para analistas, manifestações com ataques ao presidente da Câmara dos Deputados e ao centrão não foram capazes de criar base aliada ao governo e pode piorar a já conturbada relação com o Parlamento.
Manifestantes ocuparam as ruas de pelo menos 156 cidades do Brasil neste domingo, 26, em apoio ao governo de Jair Bolsonaro. O tamanho da mobilização, porém, não parece suficiente para fortalecer o presidente nas negociações com o Congresso Nacional, segundo analistas políticos e jornalistas. Aliás, há risco, inclusive, de piorar. Segundo os especialistas, os atos além de fragilizarem o governo na tentativa de aprovar suas principais pautas, como reforma da Previdência, MP da reforma administrativa e pacote anticrime, não foram capazes de formar base aliada fixa de apoio ao governo no Legislativo.
Para tentar pressionar os parlamentares a aprovarem sua pauta, o presidente estimulou as manifestações de apoio ao seu governo, sem garantias que isso não lhe renda votos a mais na Câmara ou no Senado. Isso tudo após Bolsonaro assumir com boa base de apoio no Congresso e apoio popular, mas conseguiu destruir tudo em poucos meses com ataques à classe política, falta de diálogo e criando suas próprias crises.
Para o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas, os sinais de aprovação do presidente aos atos não resultarão em apoio do Congresso a propostas governistas. “Interpretaria esses gestos como uma tentativa de obter apoio na base da pressão, de forçar o Congresso a se curvar às suas posições. Isso não vai melhorar a relação dele com o Congresso, onde ele precisa aprovar uma agenda. Muito pelo contrário. Não vai melhorar a relação dele com o Supremo Tribunal Federal, onde ele pode ter suas políticas questionadas. Então, ele acaba jogando mais lenha na fogueira”, avalia.
A cientista política Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, Flávia Bozza Martins, se mostrou preocupada que o presidente incite a população em sua defesa. “É bastante relevante que um governo recém-saído das urnas com forte apoio popular necessite mobilizar eleitores em sua defesa. O período eleitoral acabou. A maior parte da população, que não adere a nenhum político ou partido específico, não está interessada em confirmar a popularidade presidencial, mas sim em sentir os efeitos das diretrizes do governo em seu dia a dia, por meio da percepção positiva da economia, queda do desemprego etc. São esses os desafios que o presidente precisa enfrentar”, ressaltou.
Entre congressistas, tem crescido a tese de que, se continuar assim, daqui para frente, o presidente passará de fato por um “parlamentarismo branco”, no qual o Legislativo tocará suas pautas, independentemente do que quer o Executivo. A reforma tributária que está em andamento da Câmara é um desses exemplos. O governo havia prometido enviar sua proposta até meados de junho para o Congresso. Notando a falta de articulação, os deputados se anteciparam e já votaram um projeto que estava nos escaninhos da Casa, o que obrigou a gestão Bolsonaro a apoiá-la, mesmo sem a garantia de que suas ideias serão incorporadas nessa reforma. A reforma da Previdência, qualquer que seja sua envergadura, também está na pauta da maioria, independentemente de Bolsonaro. Cresce entre os parlamentares a percepção de que o governo não consegue maioria para aprovar no primeiro semestre o texto.
Já o polêmico decreto que flexibilizou o acesso a armas pode vir a ser derrubado por um decreto legislativo. Outra discussão que corre nos bastidores do Congresso é limitar a capacidade do presidente de editar medidas provisórias – normas legais que entram em vigor imediatamente, mas dependem de aprovação do Congresso para manter validade.
Em meio à crise política, alguns senadores, como José Serra (PSDB-SP) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) também tentam reavivar o debate sobre troca de sistema de governo, com a proposta de substituir a partir de 2022 o presidencialismo pelo parlamentarismo – sistema em que o chefe de governo, chamado primeiro ministro, é eleito indiretamente pelo Congresso.
Essa possibilidade foi levada à consulta popular em 1993, logo após o impeachment do presidente Fernando Collor, mas a maioria da população escolheu em plebiscito a continuidade do presidencialismo.
Resultados das manifestações – Os atos foram convocados em resposta aos protestos realizados em 15 de maio contra os cortes anunciados no orçamento da educação. No entanto, embora milhares de pessoas tenham comparecido às ruas em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, a mobilização nacional não superou o movimento de oposição ao governo que mobilizou mais de um milhão de pessoas em todos os estados brasileiros e ficou aquém dos protestos massivos que marcaram o país em 2013.
A pauta dos manifestantes pelo país era ampla. Havia os que pediam o retorno da monarquia e da ditadura militar, os que queriam a aprovação da reforma da Previdência e do pacote anticrime de Sergio Moro, a abertura da CPI da Lava Toga, o fim da “doutrinação ideológica” nas escolas, o boicote à rede Globo e a outras “mídias de esquerda”. O mais forte, contudo, era ataque ao centrão, grupo de partidos de centro-direita que reúne quase duas centenas de deputados e tem dado as cartas no Congresso Nacional. Também despontou como protagonista com cartazes e palavras de ordem contra o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), que substituiu o ex-presidente Lula como o alvo número um dos bolsonaristas.
Os dois principais atos contrário e favorável ao governo tiveram resultados diferentes do esperado. Da manifestação pró-governo, a ordem dos líderes partidários é ignorar e focar na agenda das medidas provisórias. Já por conta das manifestações dos estudantes, o governo decidiu usar R$ 1,587 bilhão de recursos de reserva orçamentária para desbloquear parte da verba do Ministério da Educação. Além disso, o presidente disse que deve destinar R$ 2,5 bilhões de multas da Petrobras para o Ministério da Educação e da Ciência e Tecnologia.
Da mesma forma, o protesto deste domingo pode incentivar ainda mais o clima de acirramento também com os grupos que organizam as manifestações contra os cortes na Educação para a próxima quinta-feira, 30.