23
Foto: Rick Bajornas/ONU

As chamas do discurso do ódio

Artigos

Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que uma ameaçadora onda de intolerância e violência baseada no ódio está atingindo seguidores de muitas religiões em todo o planeta.

Por António Guterres*

Em todo o mundo, o ódio avança. Uma ameaçadora onda de intolerância e violência baseada no ódio está atingindo seguidores de muitas religiões em todo o planeta.

Tristemente – e perturbadoramente – estes incidentes cruéis estão se tornando comuns. Nos últimos meses, temos visto judeus assassinados em sinagogas e seus túmulos desfigurados com suásticas; muçulmanos executados dentro de mesquitas e seus locais religiosos vandalizados; cristãos assassinados em oração e suas igrejas destruídas.

Para além destes ataques horríveis, cada vez mais uma retórica abominável está sendo usada não apenas contra grupos religiosos, mas também contra minorias, migrantes, refugiados, mulheres e os também chamados “outros”.

Na medida em que as labaredas do ódio se espalham, as mídias sociais são exploradas pela intolerância. Movimentos neonazistas e de supremacia branca estão crescendo. E a retórica inflamada está sendo usada para benefício político.

O ódio está se movendo tanto na corrente das democracias liberais como nos regimes autoritários – e colocando uma sombra sobre a nossa humanidade em comum.

As Nações Unidas têm um longo histórico de mobilizar o mundo contra o ódio de qualquer tipo através de ações abrangentes de defesa dos direitos humanos e no avanço do Estado de Direito. De fato, a real identidade e o estabelecimento da ONU têm raízes no pesadelo que se segue quando ódio virulento é deixado sem oposição por muito tempo.

Nós reconhecemos o discurso do ódio como um ataque contra a tolerância, a inclusão, a diversidade e a essência de nossas normas e princípios de direitos humanos.

Mais amplamente, ele compromete a coesão social, desgasta valores compartilhados e pode criar a base para a violência, retardando a causa da paz, da estabilidade, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana.

Nas últimas décadas, o discurso de ódio tem sido precursor de crimes de atrocidade, incluindo genocídio, de Ruanda a Bósnia e ao Camboja.

Temo que o mundo esteja chegando a outro grave momento na batalha contra o demônio do ódio. Por isso, lancei duas iniciativas da ONU em resposta a esta ameaça.

Primeiro, acabo de divulgar a Estratégia e Plano de Ação do Discurso do Ódio para coordenar esforços através de todo o sistema das Nações Unidas, atacando as raízes que o causam e tornando nossa resposta mais efetiva. Em segundo lugar, estamos desenvolvendo um Plano de Ação para que a ONU se engaje por completo nos esforços de proteger locais religiosos e garantir a segurança nos espaços de culto.

Para aqueles que insistem em usar o medo para dividir comunidades, devemos dizer: diversidade é uma riqueza, nunca uma ameaça.

Um profundo e sustentável espírito de respeito mútuo e receptividade pode transcender posts e tuítes disparados numa fração de segundo. Afinal de contas, nunca devemos esquecer que cada um de nós é um “outro” para alguém, em algum lugar. Não pode haver ilusão de segurança quando o ódio é disseminado. Como parte de uma só humanidade, nossa tarefa é cuidar um dos outros.

É claro que toda ação destinada a atacar e confrontar o discurso de ódio deve ser consistente, com direitos humanos fundamentais.

Enfrentar o discurso de ódio não significa limitar ou proibir a liberdade de expressão. Significa evitar que este discurso se transforme em algo mais perigoso, particularmente que incite discriminação, hostilidade e violência, o que é proibido pela legislação internacional.

Precisamos tratar do discurso de ódio como tratamos qualquer ato mal-intencionado: condenando, recusando que seja ampliado, confrontando-o com a verdade, encorajando que os autores mudem seu comportamento. Chegou a hora de avançar para erradicar antissemitismo, ódio contra muçulmanos, perseguição a cristãos e todas as formas de racismo, xenofobia ou intolerância.

Governos, sociedade civil, setor privado e imprensa têm importantes papéis. Líderes políticos e religiosos têm uma responsabilidade especial em promover a coexistência pacífica. Ódio é perigoso para todos – e lutar contra ele deve ser um trabalho de todos. Juntos podemos extinguir as chamas do ódio e defender os valores que nos unem como uma única família humana.

*Secretário-geral da ONU

Fonte: Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo
CNTS

Deixe sua opinião

Enviando seu comentário...
Houve um erro ao publicar seu comentário, por favor, tente novamente.
Por favor, confirme que você não é um robô.
Robô detectado. O comentário não pôde ser enviado.
Obrigado por seu comentário. Sua mensagem foi enviada para aprovação e estará disponível em breve.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *